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21 de julho de 2012
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08:30

Como pensar em artes visuais sem acesso às obras?

Por
Sul 21
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Fica difícil falar em arte sem a constituição de acervos públicos. Eles são fundamentais para criar parâmetros socialmente reconhecidos e culturalmente válidos. A falta de uma memória documentada dificulta tanto o desenvolvimento de estudos sistemáticos quanto o estabelecimento de critérios para a emissão de juízo de valores. É a partir deles que se realizam abordagens, que dão conta das especificidades da arte aqui realizada. Sem coleções, como se forma o olhar do público e de especialistas? A criação de museus, a organização de seus acervos, a definição de suas linhas de atuação e a manutenção de equipes técnicas qualificadas são importantes tarefas sociais e significativos desafios para o desenvolvimento da cultura.

Assim, merece destaque o projeto de aquisição de obras para o acervo do Museu de Arte Contemporânea MAC/RS, vencedor do edital Prêmio Marcantonio Vilaça do Ministério da Cultura, 2011. O projeto prevê três importantes ações: a compra de obras de artistas com representatividade local e nacional, de diferentes gerações, a publicação de um catálogo de obras e uma exposição com projeto educativo a ser realizada na nova sede do Museu. O projeto, elaborado por Andre Venzon, diretor do MAC, e Rodrigo Lourenço, indicou 21 artistas cujos trabalhos estão sendo adquiridos. Os artistas selecionados foram: Alfredo Nikolaiewsky, Carlos Pasquetti, Carlos Vergara, Cildo Meireles, Denise Gadelha, Elaine Tedesco, Gil Vicente, Henrique Oliveira, Jorge Mena Barreto, Lucia Koch, Maria Lucia Cattani, Nelson Leirner, Paulo Bruscky, Regina Silveira, Rochele Costi, Rodrigo Braga, Rômulo Conceição, Rosangela Renó, Saint Clair Cemin, Teti Waldraff, Walmor Corrêa.

Nelson Leiner – Duchamp bike bicicleta com banner | Foto: Divulgação MAC-RS

Paulo Gomes, que foi convidado para a curadoria da exposição e escolha das obras, levou em consideração dois aspectos. Para os artistas que já têm obras em acervos públicos no estado privilegiou trabalho que atualizasse essa presença, e para os artistas que ainda não tinham obras em acervos locais, escolheu obras que representassem bem a sua trajetória. No processo de seleção foram visitados ateliers em Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, buscando, em um contato direto com os artistas sensibilizá-los para a importância do projeto. O valor disponível para cada compra ficava bem aquém daqueles praticados pelo mercado, principalmente para os nomes de mais destaque nacional, uma vez que todos os artistas receberam o mesmo valor. Assim, foi possível contar com a adesão dos artistas, que aceitaram o preço estabelecido pelo projeto, por considerarem de seu interesse que sua obra fizesse parte do acervo do MAC/RS. As instituições oficiais, abertas ao grande público, dão maior visibilidade aos trabalhos do que quando eles são colocados em coleções particulares, onde ficam, muitas vezes, bastante restritos em seu conhecimento.

Alfredo Nicolaiewsky - 3 Histórias – Hércules | Foto: Divulgação MAC-RS
Walmor Corrêa – Lixo - Série Você que faz versos | Foto: Divulgação MAC-RS

O valor da arte é uma condição que se estabelece no âmbito das relações que cada objeto ou evento necessita ter com o sistema vigente para receber sua legitimação artística. A estética, a história da arte e a crítica de arte manejam os conceitos e as significações que definem essas legitimações, e os museus são os locais onde as mesmas se processam. A inserção de um objeto no museu estabelece sua conexão com todos os demais objetos que ali se encontram e que, de alguma forma, constituem a tradição da arte na sociedade. A maioria das famosas obras expostas no Louvre teve seu valor definido a partir de todos os livros que já se escreveram sobre elas e dos inúmeros estudos que oportunizaram.

Como observou o filósofo e crítico de arte Arthur Danto, uma obra se transforma em Obra de Arte pelo efeito de uma Interpretação que instaura seu significado. O autor estabelece o seguinte enunciado Io=AO, no qual (I), a Interpretação de uma (o) obra é igual a sua transformação em (AO) Obra de Arte. Ele evidencia, assim, o fundamental papel que as interpretações desempenham no sistema das artes contemporâneas. Não é a peça em si que significa um conteúdo, mas sim o conjunto das interpretações que sofre, das citações que possibilita e das relações que podem ser com ela estabelecidas. Essa “interpretação” não se efetiva de maneira isolada, mas no âmbito das exposições em museus, bienais e outras importantes instituições. As mostras que os museus organizam realizam o trabalho de interpretação, estabelecendo e difundindo parâmetros artísticos. As instituições atuam de forma complexa, também na constituição do valor de mercado das obras, e não somente na instância cultural, como comumente se considera.

O significativo crescimento do número de museus no País, nas últimas décadas, deve ser pensado enquanto novas possibilidades que se abrem de valoração dos objetos e das práticas artísticas no contexto nacional. O aumento numérico dessas instituições faz-se acompanhar de um incremento de investimentos econômicos, via leis de incentivo fiscal. O expressivo montante de recursos para a área de artes visuais significa um maior número de exposições, de publicações e de todo tipo de atividade. O projeto MAC/RS XXI, está inserido nesta expansão. Faz parte dele uma nova sede, que será localizando-se no Instituto Federal de Educação Ciências e Tecnologia da UFRGS – no prédio da antiga Mesbla, inventariado como de interesse cultural. O Museu terá uma galeria permanente para seu acervo no mezanino, e no térreo será apresentada, no segundo semestre de 2013, a exposição de todas as obras adquiridas pelo Prêmio Marcantonio Vilaça. Este projeto busca resgatar a imagem e a auto-estima do museu, abrindo um espaço mais adequado para a arte contemporânea no estado. Vale destacar que com as aquisições das obras de Paulo Bruscky e Rodrigo Braga, inaugura-se, ainda, o acervo de vídeos do MAC/RS, uma importante categoria artística dentro da arte contemporânea.

Rodrigo Braga – Provisão – Vídeo | Foto: Divulgação MAC-RS

A ampla divulgação de uma história da arte internacional – com origem e valores estabelecidos na Europa – faz com que o público em geral identifique artistas e obras que nunca viram como dignos de mérito. Por outro lado, relegam a produção local a um limbo que advém de seu desconhecimento. Enquanto a história internacional se difunde através de publicações para especialistas e de luxuosas coletâneas para o grande público, artistas e obras locais permanecem desconhecidos e pouco compreendidos. Nas últimas décadas, no País, a atividade analítica de arte tem-se aperfeiçoado, contando com o desenvolvimento da pós-graduação na área. Entretanto, a proliferação de revistas especializadas não chega a cumprir realmente uma função de difusão mais ampla. A importância de desenvolver coleções públicas está em dar a essa produção uma visibilidade, um sentido, um significado, uma interpretação. Somente dessa forma o público poderá reconhecer e identificar essa arte como legítima. É fundamental o papel das instituições como o MAC/RS na construção dessa história da arte crítica e reflexiva, e também na sua divulgação e na sua difusão, através de material (imagens e textos) acessível e amplamente distribuído.


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