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14 de agosto de 2016
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11:28

‘Era como um shopping, mas mais bonito’: memórias da rua mais antiga de Porto Alegre

Por
Luís Gomes
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Luís Eduardo Gomes

Não fosse pelo nome, quem passa hoje pela Rua da Praia poderia sequer imaginar que a via, pelo qual transitam diariamente mais de 200 mil pessoas, um dia levou às margens do Guaíba. Nos anos de 1820, ao passar por ali, o viajante francês Nicolau Dreys registrou em sua obra ‘Notícia descritiva da província do Rio-Grande de São Pedro do Sul: “Nessa rua, formada por casas geralmente altas, de estilo elegante e moderno…”. Na mesma época, o botânico francês Saint-Hilaire já destacava a característica que a acompanharia até os dias de hoje: a grande movimentação do comércio.

A Andradas de outro século | Foto: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa
A Andradas de outro século | Foto: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

As origens

Ao lado das ruas Riachuelo e Duque de Caxias, a Rua da Praia é o berço da cidade de Porto Alegre. Mais antiga da cidade, iniciava na ponta do Gasômetro e ia até onde hoje se encontra a General Câmara, então a Rua do Ouvidor. À época, o local onde hoje está a Praça da Alfandega era conhecido como Largo da Quitanda, e abrigava o comércio.

Segundo registros oficiais, o primeiro calçamento da via viria em 1799. O emplacamento, em 1843, quando o trecho entre a rua do Ouvidor e a Senhor dos Passos levava outro nome, a Rua da Graça. O atual nome, Rua dos Andradas, viria em 1865, por decisão da Câmara Municipal e em comemoração ao aniversário da Independência.

Coração do comércio da cidade

Ao longo do tempo, especialmente com o aterramento do Centro e o afastamento da orla para a região do Cais Mauá, o perfil comercial da rua foi se sobrepondo ao residencial – hoje seus prédios de moradia concentram-se especialmente no entorno da Praça Brigadeiro Sampaio.

No passado, abrigou tradicionais lojas de vestuário, cafés, confeitarias e os principais cinemas da cidade, o Cacique, o Imperial, o Guarani e o Ópera. Também era o ponto de encontro de políticos e estudantes da cidade, característica que mantém até hoje na Esquina Democrática.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Atualmente, Andradas mescla comércios e residencias | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Desde 1895 na Rua da Praia, a Óptica Foernges é o comércio mais antigo da região. No entanto, após muitas roupagens, o estabelecimento hoje pouco se diferencia das demais lojas do grupo presentes em centros comerciais. Ao lado, encontra-se a camisaria Aliança, que data de 1923.

Não tão antiga, mas ainda conservando características de sua inauguração, em 1960, a confeitaria Princesa talvez seja o comércio mais “tradicional” da Rua da Praia. Seu cachorro-quente e empadas de camarão já foram premiados e atraem clientes fiéis há décadas. “É o melhor cachorro quente e o melhor doce da cidade”, diz Mauro Pacini, 58 anos, morador da Cidade Baixa e autodeclarado cliente fiel.

Sobrinha dos proprietários originais e dona da confeitaria há 18 anos, Helena Maria Nogueira, 63, lembra com carinho da Rua da Praia da sua infância e juventude e dos comércios tradicionais, como as casas Louro e Lira. “Antigamente, a Rua da Praia era lugar de passeio. Era como se fosse um shopping, mas mais bonito ainda, porque as pessoas se vestiam muito bem. As mulheres usavam sombrinhas, os homens sempre de chapéu, de terno”, diz.

Rua dos Andradas com Senhor dos Passos em 1910 | Foto: Fototeca Sioma Breitman
Rua dos Andradas com Senhor dos Passos em 1910 | Foto: Fototeca Sioma Breitman

Ela conta que costumava frequentar os cinemas e passeava à noite com tranquilidade. Hoje, após trocar sua residência na Borges de Medeiros pelo bairro Ipanema, ela lamenta a falta de segurança e o fato de os shoppings terem se tornado os principais destinos comerciais da cidade. “Devagarzinho, foram desaparecendo as lojas e as pessoas foram deixando a Rua da Praia. Acho que shoppings atrapalharam bastante. No momento que chegaram os shoppings, os cinemas fecharam”, diz.

Calçamento histórico 

Se a rua já mudou de cara muitas vezes desde o final do século XVIII, com o calçamento, hoje tombado, não seria diferente. Até 1860, era formado por uma calha central, com as calçadas laterais em declives. Naquela década e na seguinte, começou a receber sistema de pista abaulada, com sarjetas adjacentes a cada um dos passeios. Inicialmente restrito ao trecho entre as ruas General Câmara e Uruguai, estendeu-se da João Manoel até a Senhor dos Passos.

Em 1885, suas pedras irregulares começaram a ser trocadas por paralelepípedos. Em 1923, seriam instalados os paralelepípedos de granito em mosaico de duas cores entre os trechos da Doutor Flores e Marechal Floriano e entre a Caldas Júnior e a General Portinho.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Calçadão para pedestres foi construído na década de 1970, entre as ruas Marechal Floriano e General Câmara | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A partir da segunda metade da década de 1970, no governo biônico de Guilherme Sociais Villela, o calçamento foi substituído por um “Calçadão para Pedestres” entre a ruas Marechal Floriano e General Câmara e asfaltado entre a Doutor Flores e a Senhor dos Passos.

Em 1989, o Decreto Municipal 9.442 tombou o calçamento entre Doutor Flores e Marechal Floriano e determinou a sua preservação a partir de características específicas: entre as ruas Doutor Flores e Vigário José Inácio, o mosaico se caracteriza pelo padrão de paralelepípedos cinzas com pequenos losangos de paralelepípedos vermelhos. Já no trecho entre as ruas Vigário José Inácio e Marechal Floriano, os paralelepípedos vermelhos e pretos formam uma malha com grandes losangos intercalados.

Foto: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa
Foto: Museu da Comunicação Hipólito José da Costa

Revitalização

A revitalização da Rua da Praia e de seu calçadão vem sendo muito debatida nos últimos anos e sofrendo constantes adiamentos. Nesta semana, o prefeito José Fortunati assinou um contrato de financiamento com a Corporação Andina de Fomento (CAF), que, entre outras obras, garante recursos para a revitalização da Rua dos Andradas, com a total recuperação do pavimento da superfície, mobiliário urbano e sistema de iluminação. A ideia é que a rua seja mantida como trânsito exclusivo de pedestres, mas permitindo a passagem de veículos de serviço.

Segundo a Secretaria Municipal de Obras e Viação, a expectativa de momento é que a licitação para a realização das obras seja feita neste segundo semestre, com o início das obras para o primeiro semestre de 2017.

Confira mais fotos:

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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 Foto: Guilherme Santos/Sul21
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12/08/2016 - PORTO ALEGRE, RS - História e revitalização da Rua da Praia / Rua dos Andradas, no Centro Histórico. Foto: Guilherme Santos/Sul21
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12/08/2016 - PORTO ALEGRE, RS - História e revitalização da Rua da Praia / Rua dos Andradas, no Centro Histórico. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
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