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7 de setembro de 2015
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19:04

Comerciantes questionam planos da prefeitura para o Viaduto Otávio Rocha: ‘sem segurança é impossível atrair turistas’

Por
Luís Gomes
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Foto: Guilherme Santos/Sul21
Os pequenos negócios são uma das principais marcas do Viaduto Otávio Rocha, um dos principais monumentos de Porto Alegre há 82 anos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A prefeitura de Porto Alegre apresentou na semana passada imagens do projeto de restauração do Viaduto Otávio Rocha, no centro da Capital. Apesar de ainda não haver nem prazo para o início da obra, a ideia é que a revitalização possa transformar a área em um pólo turístico e de comércio revitalizado. Sem saber o que será feito deles, os comerciantes que ali estão se mostram descrentes sobre a obra e sobre o potencial do local para, de fato, atrair turistas.

As cerca de 25 lojas em operação no Viaduto Otávio Rocha compõem um dos ambientes comerciais mais peculiares de Porto Alegre. As portinhas de madeira da construção, um dos cartões postais do centro há 82, são de antigos negócios, todos pequenos, como sebos, vendedores de discos, de chás, lancherias, relojeiros, barbeiros, artesanatos, bolsas, consertos, chaveiros, xerox, carimbos. Locais que guardam um pouco da história da cidade.

“Pago para trabalhar”

Uma das primeiras comerciantes a chegar ao viaduto foi Ineide Maria de Nadae, 81 anos. Ela conta que, em 1972, participou de uma seleção organizada pela prefeitura com mais de 100 inscritos. Eram 18 vagas em disputa. Ela foi uma das escolhidas. De lá para cá, sempre manteve o negócio aberto, a Kimimo Artesato. “Naquela época, não tinha pichação. Hoje tá uma sujeira”.

Ineide conta que sempre trabalhou com artesanatos. “Já vendi um pouco de tudo. Hoje o pouco que vende é bolsa”, diz, complementando que os negócios andam fracos desde o início do ano. Ela diz que consegue manter o espaço aberto apenas graças à aposentadoria que recebe. “Não paro porque não quero ficar em casa”, diz.

Éverton Britto é outro que está no viaduto há muito tempo. Aos 66 anos, ele diz que abriu sua loja de carimbos, a Ki Carimbo, quando tinha 24 anos. Ele também conta que recebeu permissão de uso do espaço após participar de uma seleção, mas diz que não sabe se houve um novo processo de seleção desde então. Há 53 anos trabalhando no ramo, sua ideia é se aposentar em breve. “Por que eu vou querer me modernizar?”, questiona.

Quando se aposentar, ele acredita que terá de passar o ponto para outra pessoa. “Eu vou me aposentar, meus filhos não querem saber disso aqui, vou fazer o quê? Vou passar para outro”, diz. Contudo, Brito salienta que, se dependesse dele, montaria um museu do carimbo no espaço. Diz que até já conversou com vereadores sobre o tema.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Éverton Britto tem um comércio no viaduto há mais de quarenta anos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Antonio Lorenzi, coordenador de Próprios Municipais – entidade vinculada à Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (SMIC) que regula a cessão para uso comercial de espaços públicos -, explica que de fato nunca foi feita uma licitação para a exploração comercial do viaduto. “Antes da Lei das Licitações era outro regramento”, explica.

Ele afirma que todos os atuais comerciantes, mesmo não tendo passado por um processo licitatório, estão regularizados e pagam aluguel. Atualmente, porém, não é possível alugar um espaço, mesmo os que estão vagos. Segundo Lorenzi, a prefeitura está esperando a reforma para aí sim abrir uma nova concorrência.

Como há décadas novas permissões para exploração comercial no viaduto não são concedidas, os novos estabelecimentos que abrem no local são aqueles em que há um acordo entre novos donos e os antigos permissionários. Os comerciantes explicam que devido ao fato de as permissões estarem em nome de pessoas jurídicas, este tipo de negociação se faz possível sem que haja necessidade de cada um deles tirar uma nova licença na prefeitura.

Um dos “recém-chegados” é Airton Monteiro, proprietário da Lancheria Amer, que está no viaduto há oito anos. Antigamente, havia outra lancheria no local, a Convescote.

Airton acha que a revitalização seria muito boa para os comerciantes, mas salienta que há anos ouve falar em reformas. “Normalmente, em época de eleição se fala muito. Depois para”, diz.

Mas, se a obra realmente sair do papel, ele acha que a prefeitura vai querer colocar estabelecimentos mais elitizados no local. Em sua lancheria, o latão de cerveja sai por R$ 3,50. O xis carne, com ovo, R$ 7. O suco de laranja é R$ 3,50.

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Airton Monteiro é proprietário de uma lancheria popular na Borges |  Foto: Guilherme Santos/Sul21

Reforma sem previsão de data

A Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) apresentou na última semana as imagens do projeto de restauração do Viaduto Otávio Rocha, que prevê novas instalações elétricas, hidráulicas e pinturas anti-pichações para o viaduto.

Também está prevista uma sala de segurança com câmeras, iluminação com lâmpadas de LED, piso adaptado para portadores de deficiência e a recuperação dos banheiros. “Corrigiremos os problemas de infiltração, que não foram sanados na última reforma, concluída em 2001. Também investiremos na iluminação do pavimento e criaremos um local de monitoramento para trazer mais segurança, disse o secretário Mauro Zacher na apresentação do projeto.

O plano da prefeitura é tornar o viaduto um pólo turístico e gastronômico da cidade. Contudo, ainda não se sabe como ficará a situação dos comerciantes que têm negócios no local, alguns deles há mais de 40 anos.

O custo estimado da obra é de R$ 33 milhões, mas como a prefeitura ainda não possui recursos garantidos para a reforma, ainda não há data para seu início.

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Ideia da prefeitura é pintar o viaduto com tinta anti-pichação | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Adacir Flores, presidente da Associação Representativa e Cultural dos Comerciantes do Viaduto Otávio Rocha (Arccov), diz que uma nova reforma é um pleito antigo dos comerciantes da área.

Há 30 anos, ele tornou-se sócio do então bar Qopo Santo. Com a saída de sua antiga sócia, acabou ficando com a permissão de uso concedida pela prefeitura.  Após a restauração que ocorreu no viaduto, entre 1998 e 2001, seu espaço foi considerado inadequado para continuar abrigando um estabelecimento do tipo, então montou um sebo que vende livros, revistas, fitas, gibis, discos e CDs, o Espaço Cultural Qopo Santo,

Ele conta que apoiou a última restauração, mas diz que a prefeitura só se preocupou com o “bem material” na época. Ele reclama que durante a obra teve a loja fechada durante oito meses, por exemplo.

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Espaço Cultural Qopo Santo ocupa espaço em que antes da reforma da virada do século passado se encontrava um bar | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Flores teme que a nova reforma, quando acontecer, também deixe os atuais comerciantes à margem. “A grande verdade é que o poder público não tem visão de respeito com aqueles que têm uma história. Tem que procurar manter uma identidade cultural”, afirma, dizendo ainda que o projeto de restauração do viaduto só foi possível graças ao trabalho da Arccov. “Tem mais de 20 itens que fomos nós que encaminhamos ao projeto”.

Ele diz não ser contra uma modernização dos espaços comerciais. Por exemplo, com a atração de uma espécie de comércio âncora para atrair um maior fluxo de cliente. Mas acredita que o mais adequado para o espaço são cafés e pequenos comércios. “Isso aqui não é um shopping center e jamais será”, afirma, acrescentando que, em reuniões do Orçamento Participativo, representantes da Arccov já sugeriram à prefeitura a criação de uma feira cultural permanente sob os arcos do viaduto. “Isso traria vida e segurança ao viaduto”.

Um de seus clientes mais antigos, Carlos Tiaraju Ribeiro, 57 anos, que diz frequentar o comércio e área há 45 anos, afirma que o viaduto está em “estado de abandono”. “O viaduto tem uma das arquiteturas mais bonitas e antigas da cidade. Lamento muito o abandono que está, a insegurança, a iluminação insuficiente”.

Contudo, ele teme que, após a reforma, o local possa ser descaracterizado. “Não quero que isso se transforme em um shopping center”, afirma, corroborando com Flores. Ribeiro ainda especula que, após a reforma, os atuais comerciantes tenham de dar espaço a novos negócios. “A prefeitura quer tirar o pessoal daqui e colocar os cupinchas“.

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Escadarias que foram reabertas após a última reforma estão há anos fechadas | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Problema é a falta de segurança

A dúvida de muitos dos atuais comerciantes é sobre quem iria querer se instalar em um local marcado pela falta de segurança.

Luís Fernando Samulewski, 56 anos, acha que a restauração do viaduto é bem-vinda, mas acredita que o foco da prefeitura deveria ser reforçar a vigilância e policiamento no local. “Eu não sou contra a restauração, mas o viaduto está totalmente à mercê do malandro. O que adianta ter um salão de primeiro mundo sem ter segurança. Como o bacana vai vir aí?”

Ele reclama especialmente dos arrombamentos. “Há uns dois anos, mais de 10 portas foram arrombadas em uma noite só”, diz o barbeiro, que há seis anos aluga uma cadeira no Salão e Barbearia São Jorge.

O medo de arrombamentos é visível. Quase todos os negócios contam com cadeados reforçados. Uma das lojas possui até uma porta de ferro atrás da porta de madeira para proteger de ataques noturnos.

Eu não sou contra a restauração, mas o viaduto está totalmente à mercê do malandro. O que adianta ter um salão de primeiro mundo sem ter segurança. Como o bacana vai vir aí?

Samulewkski afirma que os comerciantes já se reuniram em diversas oportunidades com a prefeitura e com autoridades de segurança e que sempre ouvem a promessa de que o policiamento será reforçado. Mas, até agora, continuam esperando. “Na verdade, o viaduto está abandonado. Depois das 22h, não dá mais para passar por aqui, porque à noite eles fazem o que querem”.

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O barbeiro Samulewski reclama que a falta de segurança ajudou a afugentar sua clientela | Foto: Guilherme Santos/Sul21

O barbeiro também reclama dos flanelinhas, que, segundo ele, além de cobrarem dos motoristas que já precisam pagar pela área azul, costumam achacar os comerciantes, sempre pedindo cigarros e dinheiro. “Onde está a prefeitura?”

Ele culpa a falta de segurança, especialmente para os pedestres, pela queda da clientela nos últimos anos. “De 10 anos para cá, o comércio do viaduto, em geral, ficou zerado. Só ganha para comer e pagar as dívidas”, afirma.

Britto, o proprietário da loja de carimbos, também acha que, sem melhorar a segurança, só a reforma não será suficiente para atrair turistas e mais público. “Ninguém vai querer vir em um bistrô com essa molecada. O pessoal vai continuar preferindo o shopping”. “Tem que ter vigilância 24 horas. Se não tiver, não adianta”.

Brito diz que o espaço era bom mesmo nas décadas de 70 e 80. Desde então, ele estima que entre 70% e 80% da clientela que tinha foi embora. Segundo ele, por dois motivos. Um deles seria o fato de os espaços terem permanecido fechados por cerca de oito meses na época da última restauração. O segundo é a violência. Os comerciantes dizem que, inclusive, quando havia camelôs sob o viaduto a área era mais segura.

A partir do final de julho, a Brigada Militar realizou diversas operações para retirar as pessoas em situação de rua do viaduto. Durante o dia, de fato, é menos frequente ver alguém dormindo sob os seus arcos desde então. Em geral, o espaço é ocupado apenas por pedestres e pessoas à espera de ônibus. Contudo, ao cair da noite, muitos indivíduos retornam ao local para passar à noite.

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Moradores do bairro reclamam da ocupação dos espaços do viaduto por pessoas em situação de rua | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Prioridade para o comércio local

Em geral, os comerciantes não sabem o que será feito após a reforma, mas, defendem que a prioridade deve ser a manutenção de pequenos comerciantes no local.  “O turista não quer ir num Subway, ele quer visitar o comércio local”, diz Felipe Cadore. “Tu vai para o Nordeste, nos pontos turísticos quase só tem pequenos comerciantes”.

Ao lado da esposa, Dulciane, Felipe tem uma loja de vinis no viaduto, nas proximidades da rua Cel. Fernando Machado, a Mega Som, que compra e revende discos de rock e tocadores de vinil antigos. Ao fazer a defesa do pequeno comércio, eles citam o seu próprio negócio como exemplo, dizendo que mais de 70% de sua clientela é formada por turistas. “O Ed Motta comprou da gente”, diz Felipe.

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Lojas de vinis são uma das marcas do comércio do viaduto | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Mega Som tem cadeados reforçados em suas portas | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Imediatamente sob a ponte viaduto não há lojas, apenas paradas de ônibus em um dos lados | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Kimimo Artesanato foi um dos primeiros comércios a chegar no viaduto | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Apesar de ter sido reformado algumas vezes, viaduto exibe muitas marcas de depredação | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Moradores de rua aproveitam alguns espaços para guardar seus colchões durante o dia | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Viaduto Otávio Rocha é um dos principais cartões postais e pontos turísticos da cidade | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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