Nícolas Pasinato
O responsável pela administração do prédio de número 393, localizado na rua República, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, terá sete dias para retirar uma grade colocada na calçada em frente ao edifício para impedir a instalação de pessoas em situação de rua no local. A determinação partiu dos fiscais da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov), que notificou o síndico do condomínio. O não atendimento da notificação no prazo estipulado resultará em multa.
Conforme a Smov, a instalação da estrutura é irregular, pois obstrui parcialmente a rua. “A área chamada de “faixa acessível” (passeio público) é destinada à livre circulação de pessoas, desprovida de obstáculos, elementos de urbanização, vegetação, rebaixamento de meio-fio para acesso de veículos fora dos padrões de acessibilidade ou qualquer outro tipo de interferência, permanente ou temporária. Essa faixa deve ter largura variável entre 0,80m e 1,20m, dependendo da largura da calçada”, detalha comunicado da Smov. Em 2013, a prefeitura lançou uma cartilha que orienta e dá dicas sobre construção e manutenção de calçadas.
A instalação do equipamento foi fortemente criticada nas redes sociais, após a publicação de uma foto da grade acompanhada de um texto, condenando a ação. O autor da publicação é o analista de sistemas Gilson Wingist. “Além de roubar espaço do pedestre, é de uma ruindade, de uma mesquinhez que chega a revoltar”, diz trecho de seu texto compartilhado na rede por mais de mil pessoas.
O síndico contratado do condomínio, André Rodrigues, que trabalha de forma autônoma e não reside no local, disse que a decisão ocorreu depois de muitas reclamações dos moradores. “Eles vêm há um ano sofrendo, com cenas de briga, de sexo, de pessoas consumindo drogas, além do cheiro do local ser muito ruim”, explica. Ele afirma que, em razão de tantas reclamações que recebia, resolveu colocar o gradil, mesmo sabendo da possibilidade de uma repercussão negativa. “Sabia que haveria repercussão, mas não que ela seria tão grande”, revela. De acordo com Rodrigues, a grade deve ser retirada, porém, ele ainda estuda a possibilidade de entrar com uma medida judicial para se defender. Ele alega que na mesma rua há bares com mesas na calçada, obstruindo ainda mais a via se comparado com o gradil.
O síndico diz que tratou do assunto com os inquilinos por e-mail, mas que a decisão de colocar a estrutura partiu, exclusivamente, dele. Um dos moradores do prédio, o gerente de casa noturna Welinton Pinzon, confirma que os inquilinos não foram consultados da ação e diz ser contrário a ela. “Reconheço que o cheiro é realmente ruim, mas essa não é uma boa solução”, defende ele.
Outro morador do local, que prefere não ser identificado, por sua vez, é a favor da manutenção da grade. “Eles (moradores de rua) falam alto e fazem baderna[…] Esses dias estava saindo de casa, por volta das 7h, e presenciei um casal fazendo sexo. Sei que são pessoas, mas precisam se comportar como tal”, desabafa.
Em menor número, população em situação de rua continua em frente ao prédio
A vizinhança relata que, desde às vésperas da Copa do Mundo, um grupo de pessoas em situação de rua passou a dormir embaixo da marquise do prédio. Segundo os relatos, até oito pessoas passavam a noite debaixo da parte coberta da fachada do condomínio.
Mesmo após a instalação da grade, essas pessoas seguem nas proximidades do prédio de número 393. A reportagem do Sul21 flagrou a presença de uma pessoa dormindo em um colchão em frente à grade. Posteriormente, presenciou a chegada de Rafael Dorneles Papa, 35 anos. Ele diz que não dorme mais ali, mas que já se abrigou no espaço por muito tempo, acompanhado de um grupo de amigos.
Papa admite que, durante a noite, pessoas em situação de rua usam drogas no local. O barulho, segundo ele, não vem somente deles, mas também das pessoas que saem dos bares do bairro. A relação com a vizinhança, de acordo com Papa, é relativamente boa. “Conhecemos todo mundo da volta. São uns dois só que nos incomodam”, diz ele, referindo-se a dois comerciantes da rua. Ele conta também que alguns moradores do prédio costumam jogar água neles de seus apartamentos.
Papa está morando há oito meses na rua. Durante o dia, costuma trabalhar como guardador de carro na República. Usuário de drogas, ele diz que a sua situação piorou, desde que sua mãe faleceu, há cerca de dois anos. Pai de três filhos, ele revela que já foi internado três vezes e que está em busca de uma nova internação para conseguir sair de vez das ruas, bem como se livrar das drogas. “Tentei visitar os meus filhos agora no Dia dos Pais e minha ex-mulher não deixou. Foi um tapa na cara para eu conseguir sair da rua”, conta ele, que possui ensino fundamental incompleto e já trabalhou como pintor e azulejista.
Grade divide opiniões de vizinhança
Vizinhos do bairro dividem opiniões sobre a instalação da estrutura no prédio. O funcionário público Henrique Tavares, é a favor da medida, uma vez que as pessoas que ali ficam, segundo ele, usam drogas, fazem as suas necessidades na rua, além de serem autoras de furtos de carro. “Eles não são moradores de rua. São aproveitadores do local. Estão fazendo dele uma espécie de cracolândia”, condena.
O proprietário de uma lavanderia, situada ao lado do condomínio em questão, Luis Fernando Bitencourt considera a iniciativa “excelente”. Segundo ele, além do mau cheiro no local, ele já foi ameaçado, em uma discussão, pelo grupo de moradores de rua que ali ficava. Além disso, diz que o movimento na lavanderia diminuiu, depois que a população de rua se instalou próximo ao seu estabelecimento. “Aqui na frente eles não dormem, pois sabem que dou um banho de mangueira neles se isso acontecer”, diz.
Tais Dellamora Garcia, que trabalha em um estabelecimento próximo, avalia que a medida foi drástica, mas necessária. “Eles usam crack, usam palavreado de baixo calão, geram sujeira e mau cheiro. Eles não são sem teto. Uns tem moradia e ganham bolsa família. Não foi um ato desumano”, avalia. Antes de colocarem a grade, ela afirma que já haviam chamado por diversas vezes a Brigada Militar e a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), mas o problema não foi resolvido.
Outra moradora do bairro, que prefere não se identificar, diz que a grade “é a coisa mais estúpida que já viu”. A moradora, que é síndica de seu prédio, diz que também passa por situação semelhante, mas que a saída passa por uma forte cobrança na área social do município e não colocando grades nas calçadas.
Outro morador, que passava apressadamente em frente a estrutura, considera a medida “um absurdo”. “Alguém com deficiência visual pode se machucar”, alerta ele. A aposentada Maria Eni Ruffo, moradora do bairro há 36 anos, também se coloca contra a grade. “Os moradores de rua são mais donos da rua do que nós, porque vivem nela”, defende.
Por meio de comunicado, a Fasc se posicionou sobre o caso:
A Política de Assistência Social do Município busca oferecer toda a assistência e acompanhamento às pessoas em situação de rua na tentativa de promover o acesso à rede de serviços socioassistenciais, bem como reinseri-los às comunidades de origem. Não compete à Fundação de Assistência Social e Cidadania retirá-los da rua, mas buscar, através da formação de vínculos no espaço rua, o acesso aos espaços de proteção e às demais políticas públicas.
O Serviço de Abordagem Social trabalha prioritariamente com a possibilidade de retomada do vínculo com a família, com a comunidade e também com a perspectiva de produção de autonomia. A partir da discussão de caso com a rede de proteção regional, que inclui serviços de assistência social, saúde, escolas, entre outros, é estabelecido um Plano de Acompanhamento visando construir alternativas para a situação de rua, na perspectiva de garantia de direitos.
Em muitos casos o Serviço Especializado em Abordagem Social tem êxito, promovendo o acesso dessas pessoas aos espaços de proteção, mas muitas vezes esse acolhimento não é aceito ou eles voltam ao espaço da rua.
A FASC vai continuar acompanhando as pessoas em situação de rua com transversalidade e intersetorialidade entre as políticas públicas.
O serviço de abordagem social pode ser solicitado durante o dia pelo telefone 3289 4994 e à noite pelo telefone 3346 3238