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15 de julho de 2015
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21:51

Porto Alegre: chuva intensa e acúmulo de lixo levam problemas a moradores de vila na zona norte

Por
Sul 21
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Porto Alegre: chuva intensa e acúmulo de lixo levam problemas a moradores de vila na zona norte
Porto Alegre: chuva intensa e acúmulo de lixo levam problemas a moradores de vila na zona norte
Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Arroio na vila Asa Branca tem vegetação em cima e lixo jogado por moradores | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Débora Fogliatto

O Rio Grande do Sul foi atingido, durante esta semana, por fortes chuvas, que causaram diversos transtornos no Estado, especialmente na região metropolitana de Porto Alegre. Na capital, não houve desabrigados nem casas destruídas devido às tempestades, mas em certas áreas moradores sofreram, convivendo com o medo de ver suas casas alagadas pela água que chegava até as portas. É o caso da vila Asa Branca, no bairro Sarandi, uma das que foram atingidas por uma grande enchente após o rompimento de um dique em 2013. Agora, embora a situação não tenha voltado a ser tão grave, os primeiros sinais de chuva já causam pânico nos moradores.

À beira de um arroio, em uma área de risco, moram mais de 100 famílias, que já estão acostumadas a conviver com as enchentes. As casas, em sua maioria, são construídas em cima de pedras, apesar da estrutura precária. Uma parte da rua Farroupilha, que passa exatamente em frente ao valão, é asfaltada, enquanto o resto é chão batido. A via é a única que tem nome na região, enquanto os becos ao redor não têm endereço.

Lá a população já está tão acostumada com as chuvas e o descaso que trata a questão com naturalidade: “Quando começa a entrar água, eu coloco tudo para a parte de cima da casa. Isso acontece seguido quando chove”, relata Viviana Bueno, que trabalha no armazém do seu pai, também no bairro, mas mais longe das enchentes. A distância de uma quadra entre as casas dos dois faz diferença. “Antes era pior, agora botaram esse calçamento aqui, daí melhorou. Mas ficam essas poças”, relatou Ângelo Custódio Bueno, pai de Viviana.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Viviana já está acostumada aos alagamentos quando chove | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Ele opina que a limpeza no arroio deveria ser feita de três em três meses, ao invés de um ano, como diz ser feito atualmente. “Os moradores não têm como limpar, mas às vezes eles próprios que jogam”, lamenta. Essa crítica à falta de conscientização sobre o descarte irregular de lixo apareceu várias vezes vindas da própria comunidade, que lamenta que isso colabore para que o arroio transborde.

Muitos moradores da vila Asa Branca aguardam  o reassentamento planejado para breve para se afastar do arroio e não ver mais a água invadindo suas casas. A mudança, ainda que para casas dentro da própria vila, será feita pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab), para uma área mais afastada da região de risco.

O órgão explica que 109 famílias serão transferidas para casas que estão sendo construídas desde fevereiro de 2014, que devem ser concluídas, a princípio, em outubro deste ano. O reassentamento ocorre em função de obras de infraestrutura e macrodrenagem realizadas pelo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), e por tratar-se de moradias irregulares em uma área considerada de risco, visto que só deveriam haver habitações a partir de 30 metros de distância de arroios.

A expectativa da mudança é perceptível em Teresinha Rodrigues, que conta que na terça-feira (14), a água invadiu a parte inferior de sua casa, onde tapetes molhados cobriam o chão e pertences empilhados demonstravam as medidas necessárias para impedir maiores estragos. “Umas quantas vezes alaga, além de ser muito úmido aqui. A água entra por baixo do portão. Dessa vez veio até a metade dessa área aqui”, mostrou, referindo-se à parte mais próxima da porta. Mesmo com um muro de madeira, a água passa para dentro da casa e assusta o cachorro Pretinho, que Teresinha precisa colocar em cima da mesa para não se molhar.

Ela relata que sua casa fica com rachaduras e móveis “entortam” devido à umidade que atinge o local, para onde ela veio há seis anos de Pelotas, sul do Estado, para buscar tratamento para seu filho dependente de drogas. Ele acabou sendo morto e, agora, Teresinha dedica grande parte de seus dias a tentar recolher o lixo jogado por outros moradores no arroio, que ela queima ou junta para a coleta seletiva. “Tinham que cortar vegetação e multar quem joga lixo. Jogam até árvores, pedaços de televisão, não tem como recolher tudo”, lamenta.

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Teresinha mostra até onde a água já chegou em situações de alagamentos | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Três jovens que conversavam perto do valão também aguardam o reassentamento, mas acreditam que as obras só estarão concluídas em dezembro. “Anteontem estava tudo alagado, minha esposa nem saiu de casa. A água que vem de toda a vila cai aqui, e era para escoar para o arroio, mas acaba ficando acumulada”, afirma o jovem Edegar, que preferiu se identificar apenas pelo primeiro nome. Ele e os amigos dizem que, ultimamente, “qualquer chuva” faz encher o valão e alagar as ruas da região.

Lá, a população fala com propriedade sobre bocas de lobo e casas de bomba, questões frequentes em suas vidas. Um pouco mais longe do valão, em uma casa com mais estrutura, Odilene Knevitz disse que a chuva chegou a invadir a calçada nesta semana, mas não causou estragos em sua residência. “As pessoas jogam lixo, não se ajudam. E as bombas nem sempre funcionam, temos que ficar ligando para avisar”, afirmou.

Uma das pessoas mais afetadas na região foi Ana Cristina Rodrigues Flores, que mora com a filha em um dos becos ligados à rua Farroupilha. Embora sua casa seja feita em cima de uma estrutura de tijolos, a chuva prejudicou sua vida por impossibilitar que ela saísse para trabalhar como faxineira nos últimos dois dias. “É impossível sair, a água fica até a minha coxa. Quando chove, já começamos a levantar os móveis, e ainda por cima tem goteira aqui”, lamentou ela, que também relatou ver moradores colocando lixo no arroio.

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Ana Cristina conta que água chegou a entrar em sua casa, apontando com o dedo onde chegou nesta semana | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Ana Cristina também será reassentada para as novas casas que estão sendo construídas pelo Demhab. “Não tem como ficar aqui, precisamos sair. Minha filha está grávida, quando começa a chover eu já mando ela para a casa da sogra. Mas é complicado, não podemos ficar aqui com um bebê pequeno”, avalia. Já a jovem Alessandra, que preferiu não fornecer seu sobrenome, mora na vila com sua irmã, que tem um filho pequeno, e conta que elas “morrem de medo” do que pode acontecer quando as chuvas começam.

Ela, que é auxiliar de serviços gerais em um banco no Centro, precisa sair de casa às 5h30 para chegar ao trabalho às 7h, o que é dificultado em dias de alagamentos, visto que neste horário ainda é escuro e a iluminação também é precária. “Tem ainda agosto e setembro que chove bastante, e é só no fim do ano que vamos para as casinhas novas”, afirmou. O vizinho Jonas Hickmann, que observava seu filho brincar em meio ao barro, não é facilmente impressionável pela situação, embora conte que o alagamento tapou toda a pilha de tijolos que estava ao seu lado, chegando acima de seus joelhos. “Mas dessa vez não entrou na minha casa, então não foi muito grave”, refletiu.

Necessidade de conscientização

Porto Alegre conta com 83 bombas, com uma capacidade total de 159 mil litros por segundo de água da chuva. O diretor do DEP, Tarso Boelter, explica que, quando a abundância da chuva passa muito dessa capacidade, alagamentos ocorrem, mas destaca que, enquanto cidades da região metropolitana estão “debaixo de água”, Porto Alegre suportou melhor a situação. “O sistema de proteção é formado pelos diques em terra, que vêm da Freeway até o Gasômetro, e as casas de bomba fazem com que a água da chuva seja levada até o Guaíba”, explica. Ele esclarece que onde a água não desce dentro de algumas horas, é porque a rede está trancada.

Os arroios Sarandi e Santo Agostinho, na zona Norte, foram dragados no ano passado e serão novamente no início de agosto, mas ele avalia que em poucos dias o lixo já irá voltar a se acumular. O diretor lamenta que o departamento, muitas vezes, acabe fazendo o papel de “faxineiro da cidade, às vezes”. “A questão do lixo é um câncer na nossa sociedade. Se não houver uma mudança de postura e uma consciência maior, em menos de um século Porto Alegre vai enfrentar um grande problema nos seus arroios, de natureza, de desconfigurar o curso natural da água e quem vai sofrer é toda a cidade”, avalia.

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Carro jogado dentro do arroio demonstra a necessidade de conscientizar a população | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

O Professor Adjunto do Instituto de Pesquisa Hidráulica ( IPH) da UFRGS, Fernando Dornelles, explica que a drenagem pluvial é projetada em função da probabilidade de ocorrência de eventos de precipitação, por isso não são obras pontuais que podem resolver os problemas de alagamento, visto que a drenagem é projetada para determinado risco de ocorrência. “Os alagamentos ocorrem em pontos isolados, geralmente nos locais mais baixos da cidade, e como a ocupação da grande maioria das cidades ocorreu de maneira espontânea (sem planejamento) estes pontos mais baixos acabam por serem os pontos tradicionais de alagamento”, aponta.

Ele avalia que os problemas de alagamento podem ser minimizados com medidas conjuntas, como a manutenção e limpeza preventiva. “Um tempo atrás, com base em dados da prefeitura de Porto Alegre, estimei que uma boca-de-lobo recebe limpeza em média a cada 2 anos, o que, para o costume de lançamento de resíduos em vias públicas dos cidadãos, é uma frequência muito baixa”, afirmou. Também seriam necessárias melhorias pontuais nos locais de alagamento, com ampliação da capacidade de escoamento, além de mudanças de hábito particular. “Temos que partir da conscientização de que todos somos causadores de alagamento, já que em média impermeabilizamos 50 m² de solo”, pondera. Isso porém, deve ser feito de forma a não prejudicar as regiões mais a jusante, o que segundo o professor “é bastante comum quando não analisa-se a bacia como um todo, realizando apenas uma transferência do problema de alagamentos para outro local”.

No caso específico da região do bairro Sarandi, ele relata ter constatado problemas semelhantes aos referidos pelos moradores: a falta de manutenção e lançamento de resíduos nas redes de drenagem. “Lá, por ser uma região plana — várzea natural de inundação do rio Gravataí, porém protegido por dique –, a velocidade de escoamento é menor e é feita exclusivamente por bombeamento, o que é um aspecto crítico, já que em casos de falta de energia ela para de operar”, menciona.
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Situação do lixo é dramática na vila Asa Branca | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

O diretor do DEP, porém, garante que o sistema irá dar “um salto de qualidade” com os novos investimentos nas casas de bombas — serão investimentos de R$ 86 milhões nas casas de bombas, R$ 107 milhões na bacia hidrográfica Areia e R$ 40 milhões no Arroio Moinho. Para as obras começarem, falta a liberação das verbas por parte do governo federal. “Atualmente, as casas de bombas são da década de 1960, embora tenham tido melhorias, não têm gerador próprio, então quando a energia cai, deixam de funcionar. Mas os alagamentos ocorrem por causas combinadas”, analisa, apontando a falta de conscientização da população sobre a coleta de lixo como outro problema.

Crescimento das cidades

O desordenamento e não-planejamento das cidades também colaboram para que haja fenômenos como as enchentes. “Trabalhamos em uma cidade real, onde há crescimento desordenado, ocupações irregulares e pessoas morando em área de risco”, analisa Tarso. O mesmo é observado pelo Prof. Dr. Rualdo Menegat, professor de Geologia da UFRGS e membro da Rede Episteme – Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da UFRGS. “O escoamento das águas e esgotos e a destinação de resíduos não foram planejados em sua totalidade. Vão sendo resolvidos na medida em que os problemas aparecem, quase sempre de forma dramática, como na enchente de 1941, em Porto Alegre”, pondera.

Uma vez passado o problema, há o esquecimento, segundo ele, que, somado à ausência de programas continuados de gestão, geram mais perigo. “Em resumo, as cidades quanto mais crescem, mais cegas ficam frente ao dinamismo do sistema terrestre circundante e aos perigos que correm”, analisa. As cidades brasileiras não foram planejadas de acordo com o ciclo hidrológico do país, o que faz com que diversos problemas sejam acarretados. “Nossas cidades foram planejadas da mesma forma que as cidades de regiões mais secas, como no Mediterrâneo: retificaram e entubaram rios, ocuparam os vales alagadiços, drenaram os banhados e colocaram em seu lugar cidades para locais secos, sem adaptá-la à dinâmica ali reinante”, critica.

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Área é irregular, por sua proximidade com o arroio | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Por isso, agora é preciso investir muito para solucionar os problemas gerados por conta do planejamento urbano, feito sem considerar os ciclos naturais do lugar. As mudanças climáticas pelas quais o mundo passa podem agravar esta situação, segundo o professor. Ele considera que, para solucionar esta situação, são necessárias medidas a serem executadas para solucionarem problemas emergenciais, para diminuir o impacto da população afetada, mas também medidas de médio e longo prazo a serem realizadas pelos governos, e as que dizem respeito à cultura urbana. “Precisamos incluir nos conteúdos escolares temas relacionados à dinâmica ambiental urbana, mecanismos de defesa civil e resiliência”, sugere.

Em Porto Alegre, isso está sendo feito a partir da implantação de laboratórios de Inteligência Urbana nas escolas da Rede Municipal, em que a comunidade escolar faz pesquisas a partir do Atlas Ambiental de Porto Alegre. “Ajudar os cidadãos a terem uma cultura urbana, para que entendam o ambiente urbano em que vivem é fundamental para a gestão das cidades contemporâneas. Precisamos entender que moramos em um lugar em que sazonalmente há chuvas severas e intensas. Sem isso, qualquer solução será paliativa”, aponta.

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