Crença nos valores da democracia não está internalizada na população, adverte pesquisadora

Por
Sul 21
[email protected]
Crença nos valores da democracia não está internalizada na população, adverte pesquisadora
Crença nos valores da democracia não está internalizada na população, adverte pesquisadora
Céli Pinto: "A ideia de que um regime militar poderia resolver os problemas brasileiros é mais disseminada do que o razoável em um país com uma história de 30 anos de regime democrático". Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Céli Pinto: “A ideia de que um regime militar poderia resolver os problemas brasileiros é mais disseminada do que o razoável em um país com uma história de 30 anos de regime democrático”. Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Marco Weissheimer

As manifestações de domingo (15) realizadas em várias cidades brasileiras apresentaram muitas faixas e cartazes defendendo uma intervenção militar no país para a deposição da presidenta Dilma Rousseff, reeleita em 2014. Houve quem defendesse uma “intervenção militar constitucional” para cobrir o pedido de golpe com um suposto verniz democrático. A figura da “intervenção militar constitucional” é, na verdade, uma aberração jurídica, um círculo quadrado do ponto de vista do direito constitucional. Na avaliação da pesquisadora Céli Regina Jardim Pinto, doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), essas manifestações mostram que a democracia brasileira tem um tendão de Aquiles: a ausência de uma cidadania democrática.

Leia mais:

Suástica, golpe militar, ameaças de morte contra Dilma: para mídia, manifestações pacíficas
Milhares tomam as ruas de Porto Alegre contra Dilma e o PT

“A crença nos valores da democracia como inarredáveis não é internalizado na população brasileira e isso é perigoso. A ideia de que um regime militar poderia resolver os problemas brasileiros é mais disseminada do que o razoável em um país com uma história de 30 anos de regime democrático”, observa Céli Pinto. Para ela, as razões para esse fenômeno devem ser buscadas em uma tradição autoritária e não igualitária na história brasileira, mas também no processo, induzido pelos governos pós-ditadura militar, de esquecimento do que aconteceu no Brasil após o golpe militar de 1964.

A pesquisadora da UFRGS lembra que a Comissão da Verdade, mesmo criada tardiamente, enfrentou restrições e resistências desde a sua composição. “A Comissão fez um bom trabalho, mas quem falou dela? O Brasil, como diria Aldir Blanc, “não conhece o Brasil”. Para Céli Pinto, não é o descontentamento, a desilusão com o governo Dilma, ou o PT, que explicam as manifestações a favor de um golpe militar, mas sim a ignorância, no sentido mais amplo da palavra. “É essa ignorância histórica e política que dá guarida a golpes militares. Apesar de tudo não vejo condições concretas para um golpe, os militares não teriam razão para colocar-se na berlinda novamente”, avalia.

Na opinião da cientista política, a Reforma Política, apesar de importante, não salvará o país de seus problemas de falta de representação e de corrupção. “Concordo completamente com a OAB, com a CNBB e com o governo que temos de acabar com o financiamento privado de empresas. Isto é uma excrecência na democracia. Mas não vejo que outras reformas viriam para melhorar: votos distritais? votos mistos? cláusulas de barreira para os partidos? Na minha opinião, essas escolhas agiriam contra o processo de democratização e oligarquizariam a democracia. Céli Pinto não vê muitas chances de discussão de uma reforma política no momento. “Com este Congresso seria um erro político, porque o resultado poderia ser uma cenário pior do que temos hoje”, adverte.

Por outro lado, ela não vê nenhuma possibilidade de se repetir no Brasil processos como os que aconteceram no Egito e na Ucrânia, onde grandes mobilizações de massa, sem um centro político bem definido e articuladas em boa medida pelas redes sociais, resultaram em uma ditadura (no caso do Egito) e em um princípio de guerra civil (como se deu na Ucrânia. “Não há qualquer possibilidade de comparação entre o Egito, a Ucrânia e o Brasil. O Egito estava em uma ditadura quando os protestos começaram; a Ucrânia tem uma situação muito específica em relação à Rússia e à Comunidade Europeia, que a torna um barril de pólvora”, assinala.

Mas não descarta que a continuidade das manifestações, a não reação do governo, a incapacidade de trazer o Congresso para perto, entre outros fatores, possam levar o país mais para perto de um processo de impeachment. Com uma ressalva: “não me parece que interessa ao PMDB ser governo e ao PSDB ser obrigado a apoiá-lo. Isto não compensa para nenhum dos dois. Mas a vida do governo Dilma será muito difícil nos próximos meses”.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora