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26 de dezembro de 2015
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15:13

Especial FSM – 2013: O ano em que as mulheres árabes se fizeram protagonistas

Por
Sul 21
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fsm2013

Marcha de abertura do FSM 2013 | Foto: Forum Social Mondial Tunisie 2013/Facebook

Fernanda Canofre

Todas semana, o Sul21 publica a série de artigos relembrando os 15 anos do Fórum Social Mundial. A cada vez, relembraremos uma edição e seus momentos mais marcantes. O próximo FSM acontecerá em agosto de 2016, no Canadá, mas para celebrar a data, a cidade de Porto Alegre receberá uma edição comemorativa entre os dias 19 e 23 de janeiro de 2016.

Em 2013, quase dois anos depois da revolução que derrubou o governo de 22 anos de Zine El Abidine Ben Ali na Tunísia, o Fórum Social Mundial resolveu se acercar ainda mais dos movimentos da Primavera Árabe e chegou à Tunis. Os levantes iniciados na região no início de 2011 inspiraram outros movimentos de contestação em outros continentes e mostraram que as ruas de Madrid a Nova York e Atenas também queriam um outro mundo. Foi “a maior onda de protestos no planeta em mais de uma geração”.

Neste espírito, segundo a organização oficial do Fórum, 60 mil pessoas se reuniram no epicentro dos “novos” movimentos sociais entre os dias 26 e 30 de março de 2013, para a nona edição do evento altermundista. No início, a organização chegou a cogitar a ideia de realizar o evento no Egito, mas a instabilidade do país acabou mudando os planos. Em cerca de 1.700 atividades e seminários, ativistas vindos de todos os cantos do mundo se reuniram em Tunis para discutir “os processos revolucionários da região, trazendo de volta a força política ao espaço do FSM”.

Milhares de pessoas percorreram a avenida onde manifestantes se encontravam durante revolução de 2011| Foto: Forum Social Mondial Tunisie 2013/Facebook
Milhares de pessoas percorreram a avenida onde manifestantes se encontravam durante revolução de 2011| Foto: Forum Social Mondial Tunisie 2013/Facebook

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Mesmo após a queda e fuga de Ben Ali, ainda em janeiro de 2011, os tunisianos ainda seguiam clamando pelas mesmas causas: acesso a serviços básicos, direito a emprego e uma sociedade mais justa e igualitária. Dois anos depois da mudança de governo, a realidade da Tunísia era de um país atravessando “processos políticos de mudança abertos, instáveis e caóticos”, segundo Esther Vivas, que acompanhou o FSM 2013.

O assassinato de Chokri Belaïd – um ano antes do Fórum ter lugar ali – advogado e militante, conhecido por ser um dos líderes da Frente Popular, representava claramente as tensões em jogo no país. “O primeiro assassinato político da jovem democracia tunisina, que representou um duro golpe para a sua sociedade e que deu lugar a novas mobilizações contra o auge da violência no país”, complementa Vivas.

Ainda assim, estar no lugar onde a Primavera dos Povos do século XXI começou a mostrar-se possível, renovava não apenas o fôlego daqueles que discutiam alternativas ao capitalismo e à globalização desde 2001, mas também as pautas do próprio FSM. A tradicional marcha de abertura do evento, que durante 4 km gritou pelos direitos das mulheres e pelo reconhecimento do Estado da Palestina, foi uma prova de que o mundo depois de 2011 já não era o mesmo.

Em uma reportagem do jornal britânico The Guardian, Claire Provost, relatou que a caminhada de bandeiras reunia ativistas do Reino Unido, do recém criado Novo Partido Anticapitalista Francês, representantes da Via Campesina e manifestantes pedindo independência da região do Saara Ocidental. Adicionando ainda mais simbolismo à marcha, os participantes tiveram como ponto de partida a Praça 14 de janeiro – renomeada após a fuga de Ben Ali da Tunisía – e passaram pela Avenida Habib Bourguiba, com seus cafés e lojas, que funcionaram como ponto de encontro dos ativistas pró-democracia em 2011.

A Primavera Árabe e tudo que havia sido vivido pela Tunísia desde a suicídio por imolação do vendedor ambulante Bouazizi ainda eram tempo presente durante o Fórum de 2013.

A política das mulheres

Mulheres árabes levantaram debate no FSM
Mulheres árabes levantaram debate no FSM | Foto: Forum Social Mondial Tunisie 2013/Facebook

A participação das mulheres foi um grande exemplo disso. Nos países árabes que testemunharam de alguma forma movimentos a partir da Primavera iniciada na Tunísia, causas como a luta contra a corrupção endêmica que condenava a chance de jovens no mercado de trabalho, reconhecimento de povos originários como os amazigh, foram levantadas lado a lado com a reivindicação por igualdade para as mulheres dentro das sociedades árabes. Quando os levantes assentaram poeira, foi a causa delas a primeira a ser deixada de lado. Algo que não estavam dispostas a tolerar, mais uma vez.

A marcha de abertura foi o início do grito que estava sendo contido nos dois anos que seguiram o início dos eventos da Primavera. Como reportado pela revista francesa Les InRocks, o primeiro dia foi marcado “pelas mulheres que tomaram a palavra em solidariedade a luta de mulheres [pelo mundo] pela igualdade e dignidade”. As mulheres tunisianas e de outros países árabes que chegaram à Tunísia naquele março estavam no FSM para reclamar seus direitos à revolução.

Ativista feminista durante marcha do FSM | Foto: Forum Social Mondial Tunisie 2013/Facebook
Ativista feminista durante marcha do FSM | Foto: Forum Social Mondial Tunisie 2013/Facebook

Durante os cinco dias de encontro, as mulheres árabes pautaram no Fórum debates que foram “desde questões econômicas e políticas a temas delicados de serem abordados no mundo muçulmano, como a sexualidade”, segundo a revista Le Point.

A esperança de mudança com a saída de Ben Ali, durou pouco para as mulheres na Tunísia. Ativistas presentes no Fórum, revelaram a Les InRocks que a chegada do Movimento Ennahda ao governo – também conhecido como “Partido de Renascimento”, que saiu dos protestos por democracia –  agravou a situação das mulheres no país. Segundo elas, o partido passou a instalar “uma política de marginalização econômica e política das mulheres, em todas as zonas, urbanas e rurais”. Salafistas inclusive se dedicavam a bater nas casas tentando convencer mulheres de abrirem mão do trabalho remunerado fora de casa. E a inclusão da Sharia – lei islâmica – na Constituição, parecia ameaça de que as coisas poderiam ficar ainda piores.

Outra questão lembrada pelas mulheres presentes foi a feminilização da pobreza, as taxas de desemprego consideravelmente maiores entre mulheres com ensino superior do que entre homens, e a falta de sindicatos apropriados para ajudá-las nestas questões.

De positivo, com a saída de Ben Ali, no entanto, elas comemoravam o fato de que se tornou mais viável reverter este cenário. “Depois da revolução, nós podemos organizar ações globais, abrir-nos para a região. Antes não tínhamos nem mesmo o direito de ter uma página no Facebook, só uma associação que militasse pelos direitos instrumentalizados no feminismo de Estado do governo de Ben Ali”, levantou Sonia, uma das participantes do FSM, segundo a publicação francesa.

“As pessoas já não tem medo de mostrar sua misoginia, de nos insultar por usar um pequeno decote. E a polícia rege uma repressão orquestrada contra as mulheres”, denunciou a mesma ativista na reunião. A perseguição contra mulheres que decidiam entrar na política também foi denunciada por elas.

Outra militante, identificada pela reportagem como Fatiha, complementou dizendo: “O governo de maioria islamista é profundamente anti-feminista, mas nós não queremos que nossa luta seja utilizada pelo laicos em contrapartida, porque todas as formações políticas são machistas, sem nenhum respeito pela paridade de gênero durante as eleições”.

FMI e o pós-Primavera

Ativistas durante marcha do FSM | Foto: Forum Social Mondial Tunisie 2013/Facebook
Ativistas carregam bandeira da Tunísia, durante marcha do FSM | Foto: Forum Social Mondial Tunisie 2013/Facebook

O Fórum também serviu de oportunidade para que os povos árabes, que haviam recém começado mudanças e inflexão política, debatessem a presença do Fundo Monetário Internacional (FMI) na região. Enquanto Egito e Tunísia tentavam compreender seus processos de transição, o FMI já se prontificava para “assistir” os novos governo dos dois países como suas “reformas estruturais”.

Segundo a Al Jazeera, além da dívida pública que já pesava sobre as finanças da Tunísia, em 2013, o país negociava também um empréstimo de US$ 1,78 bilhões para equilibrar a economia. “Ainda assim, as reformas que o FMI está pressionando o governo a adotar iriam, de acordo com economistas, fazer a vida ainda mais difícil para um povo que recentemente se levantou em revolta contra miséria”, afirmava o texto.

Entrevistado pela Agência Brasil, Mounir Hassine, presidente Fórum Tunisiano de Direitos Econômicos e Sociais, disse que eram essas mesmas políticas e a exclusão social produzida por elas, as responsáveis pelo surgimento de grupos terroristas na região.

“O fórum de 2013 [também na Tunísia] consolidou a sociedade civil [tunisiana] para lutar contra a islamização do Estado. Conseguimos, até o momento, ganhar a batalha da liberdade. Acredito que este fórum vai nos dar força para ganhar a batalha dos direitos, que é a mais importante, porque a reivindicação do povo tunisiano é pelos direitos econômicos e sociais”, afirmou Hassine na época. Para ele, o FSM era “momento importante para a sociedade civil tentar mudar o modelo de desenvolvimento instaurado pelo neoliberalismo”.

Um novo slogan surgiu no primeiro Fórum Social Mundial de Tunis – o primeiro a ser realizado em um país árabe – “dignidade”. A palavra traduzida em sete idiomas caminhava pelo campus da universidade de Tunis El Manar em bottons, adesivos, cartazes. Nas palavras do sociólogo americano Immanuel Wallerstein, “De muitas maneiras, este slogan adicional enfatiza no elemento essencial que une todas as organizações e indivíduos presentes no Fórum – a busca pela igualdade verdadeira, que respeita e realça a dignidade de todo mundo, em todo lugar”.


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