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27 de maio de 2014
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02:56

Michael Sandel: “Debate sobre Justiça, igualdade social e papel do mercado nas nossas vidas irá melhorar a democracia”

Por
Sul 21
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 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Filósofo norte-americano Michael Sandels foi o palestrante da segunda edição do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento na noite desta segunda-feira (26), em Porto Alegre | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Samir Oliveira

É justo que o jogador de futebol Neymar receba um salário imensamente superior ao de uma professora da rede pública?

Foi com provocações como essa que o filósofo norte-americano Michael Sandel atiçou a plateia presente na segunda palestra do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, realizada no Salão de Atos da UFRGS, na noite desta segunda-feira (26), em Porto Alegre. Doutor em Filosofia pela Universidade de Oxford e professor na Universidade de Harvard, Sandel acredita que somente através de um debate elevado sobre Justiça, igualdade social e o papel do mercado e do dinheiro na sociedade é que a humanidade conseguirá melhorar a democracia.

Entusiasta da Filosofia Política, Michael Sandel entende que somente a prática do diálogo entre os que pensam diferentes poderá promover um convívio em sociedade que suporte a liberdade individual e a democracia – sem deixar de reconhecer os limites para a atuação do mercado na sociedade. E foi mais ou menos esse contraditório que o acadêmico fez brotar no Salão de Atos da UFRGS.

 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
O professor de Harvard provocou a plateia a se posicionar e debater entre si temas éticos e morais através de exemplos colhidos no cotidiano brasileiro | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Ao questionar os presentes sobre grandes questões éticas e morais adaptadas ao cotidiano brasileiro, o professor norte-americano instigou posicionamentos conflitantes e fez o público perceber que é possível se engajar em temas árduos sem que as relações pessoais se deteriorem. O desejo do filósofo é fazer com que as pessoas percebam que esse debate cotidiano sobre temas que afetam suas vidas pode ser transferido para a esfera dos grandes temas políticos.

“Tive a oportunidade de viajar por diversos países e sempre percebi que as pessoas estão frustradas com a política, com os políticos e com os partidos. Essa mesma frustração existe no Brasil. Uma das razões para isso é que debatemos política de uma forma cada vez mais vazia e oca, sem propósitos maiores”, constata.

Para ele, é preciso superar o discurso político “essencialmente tecnocrático e gerencial, que não inspira ninguém” e uma retórica “que atravessa as pessoas, gritando, sem se prestar a ouvir”. “Há uma enorme sede por uma forma de discurso público que se relacionem melhor com as convicções morais que as pessoas têm”, explica.

Os três desafios para uma sociedade mais justa

Michael Sandel defende que a humanidade precisa superar três grandes desafios para assegurar uma sociedade mais justa: superar a corrupção, vencer a crescente diferença entre os mais ricos e os mais pobres, e questionar o papel do dinheiro e do mercado na vida da população.

Para o filósofo, além do custo monetário que pode ser deduzido da existência da corrupção, é preciso dimensionar os outros aspectos nefastos desta prática. “Existe um custo moral. A corrupção corrói a confiança e uma democracia precisa de confiança entre seus cidadãos – e entre cidadãos e funcionários públicos. O efeito mais devastador da corrupção é o ceticismo que ela gera”, reflete.

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“Ricos e pobres vivem vidas separadas” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sandel observa que, nos últimos trinta anos, a desigualdade social vem aumentando nos Estados Unidos. Ele alerta que o aumento da diferença entre ricos e pobres pode ruir o sentimento de comunidade que deve embasar as sociedades democráticas.

“Ricos e pobres vivem vidas separadas. Há cada vez menos lugares em que pessoas de diferentes classes econômicas se encontram”, constata. Em seguida, recorda que, nos anos 1960, quando assistia aos jogos de Baseball nos estádios, a diferença de preço entre os ingressos mais caros e os mais baratos não passava de três dólares. “CEOs sentavam próximos de zeladores e todos esperavam na mesma fila para ir ao banheiro”, recorda.

Hoje em dia, contudo, ele afirma que essa diferença aumentou de forma incalculável. “Os estádios começaram a construir camarotes luxuosos. E isso está acontecendo também na sociedade: é a camarotização da vida pública. As pessoas ricas e as pessoas pobres vivem, trabalham, estudam, compram e descansam em lugares diferentes. Isso não é bom para a democracia”, pondera.

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“Temos mudado, quase sem perceber, de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Para exemplificar o papel do mercado e do dinheiro atualmente nos Estados Unidos, Michael Sandel comenta que, na Califórnia, existe uma penitenciária em que o detento pode pagar de seu próprio bolso reformas e melhorias, caso não goste de sua cela. “A cada dia temos mais escolas, prisões e hospitais privados no mundo. Em muitos países, há mais pessoas empregadas como seguranças privados do que como policiais. Estamos assistindo à privatização de serviços essenciais”, alerta.

O filósofo aponta que, nos últimos anos, “temos mudado, quase sem perceber, de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado”. Ele sugere que a diferença entre esses dois conceitos está na intensidade com que o dinheiro regula as vidas humanas.

“Economia de mercado é uma ferramenta para organizar a atividade produtiva e já trouxe prosperidade e influência a vários países. E sociedade de mercado é um estilo de vida onde o dinheiro e o mercado dominam todos os aspectos, como as relações familiares, a lei e a política”, analisa.

Michael Sandel, somente o debate aberto e cotidiano sobre esses três problemas poderá melhorar as democracias contemporâneas. “Para melhorar a política, precisamos ter vontade de engajamento em debates públicos sobre grandes questões éticas. Assim melhoraremos, inclusive, nossa habilidade de ouvir, que é uma arte importante na democracia”, sustenta.


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