Areazero
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24 de outubro de 2016
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10:08

Melo: ‘A PEC 241 é profundamente equivocada. Há um subfinanciamento enorme do SUS’

Por
Marco Weissheimer
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“Acho o equilíbrio fiscal importante, mas é preciso excepcionalizar. Aplicar essa medida a todas as áreas do governo, inclusive saúde e educação, é um erro”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)
“Acho o equilíbrio fiscal importante, mas é preciso excepcionalizar. Aplicar essa medida a todas as áreas do governo, inclusive saúde e educação, é um erro”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Apresentada pelo governo Temer como uma medida essencial para o país, a Proposta de Emenda Constitucional 241, caso aprovada, trará um problema adicional para os futuros prefeitos e as futuras prefeitas que assumirão em 2015. A proposta de congelamento de investimentos em áreas como saúde e educação por até 20 anos pode agravar os problemas de financiamentos dessas áreas, que já convivem com a falta de recursos. A PEC 241 não é unanimidade nem entre os partidos que compõem a base do governo Temer. Em entrevista ao Sul21, o vice-prefeito de Porto Alegre e candidato à prefeitura pelo PMDB, Sebastião Melo, classifica a proposta como “profundamente equivocada” em função do problema de subfinanciamento que atinge hoje o Sistema Único de Saúde (SUS). Caso eleito, Melo promete liderar uma “frente de prefeitos de capitais” contra essa proposta.

Na entrevista, Melo fala sobre os problemas na campanha no segundo turno, sobre a polêmica, entre os eleitores de esquerda, a respeito do voto no próximo domingo e também sobre a atuação de grupos como o MBL (Movimento Brasil Livre) na campanha eleitoral. “O que eu acho engraçado neste MBL é que ele diz que não participa das eleições quando, na verdade, participa apoiando o meu concorrente. O que mais me assusta neste movimento é não respeitar quem pensa diferente, o que é um princípio básico da coexistência na vida de uma cidade”, afirma o candidato.

Sul21O segundo turno da campanha eleitoral em Porto Alegre acabou se tornando um processo bastante turbulento e agressivo. Como o senhor avalia esse cenário no momento que entramos na reta final da campanha?

Sebastião Melo: Em primeiro lugar, quero dizer que sempre fui um defensor do segundo turno porque acho que ele proporciona aquilo que o primeiro turno não proporciona que é um debate comparativo de projetos e de como fazer, de como o gestor vai resolver os problemas. Em segundo, não entendo que busca da verdade seja qualquer tipo de agressão e truculência. Eu tenho feito, no primeiro e no segundo turno, uma campanha muito tranquila. Lamentavelmente, tivemos um episódio triste que foi a perda de um grande companheiro. Compete aos órgãos responsáveis, seja Ministério Público, Polícia Federal ou Polícia Civil averiguar os fatos.

De resto, creio que a campanha, tirando esse episódio e aquele outro que ocorreu no comitê do deputado Marchezan, está correndo dentro da normalidade. Entramos agora em uma semana quando milhares de pessoas começarão a definir seus votos. Muita gente já definiu seu voto no primeiro turno, mas há milhares de pessoas que votaram em outras candidaturas e outras milhares não votaram em ninguém. Temos cerca de 45% do eleitorado que ainda está por definir o voto. A maioria das pessoas que estão neste grupo deve definir seu voto na reta final, muitos talvez até na hora de apertar o botão.

"Não pretendo privatizar nem a Carris, nem o Dmae, nem a EPTC, nem qualquer outro órgão municipal". (Foto: Joana Berwanger/Sul21)
“Não pretendo privatizar nem a Carris, nem o Dmae, nem a EPTC, nem qualquer outro órgão municipal”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

 Sul21Como o senhor definiria as principais diferenças entre a sua candidatura e a do seu oponente?

Sebastião Melo: Eu prefiro falar sobre o que nós representamos. O que a outra candidatura representa não me compete discutir. O que eu posso te dizer é que eu sou um democrata e que, se for prefeito, vou governar para todos e não apenas para um grupo da cidade. Vou governar inclusive para aqueles que me criticam, ouvindo muito a cidade, sendo muito próximo dos instrumentos de participação popular que a cidade tem, seja conselhos, Orçamento Participativo ou sindicatos. Não vou retirar nenhuma conquista que a cidade teve em todas as áreas até agora. Para mim, a mudança segura é aquela em que você preserva as conquistas e realiza avanços. Não vou tirar direitos da mãe que tem creche, não vou cortar convênios, não vou cortar conquistas seja das demandas do Orçamento Participativo seja da consulta popular ou do Carnaval.

Além disso, não pretendo privatizar nenhum órgão municipal. Não pretendo privatizar nem a Carris, nem o Dmae, nem a EPTC, nem qualquer outro órgão. Pretendo, é claro, sempre melhorar a gestão para entregar melhores serviços à cidade. Também não vou demitir funcionários públicos e vou governar em parceria com os servidores da cidade. Nós, que temos um mandato, somos transitórios. Já os servidores fazem um concurso público e prestam serviços à população de modo permanente. Então, se um gestor público que não convive bem com seus servidores quem paga o pato é o cidadão. Se o gestor mantiver uma relação de conflito com os servidores, os serviços públicos serão afetados. Pretendo, inclusive, dar um passo adiante no plano de carreira dos servidores.

Planejo concluir as obras da cidade o mais rápido possível, porque ajudei a concebê-las e estou ajudando a executá-las. Eu me considero muito preparado como gestor para terminá-las o mais rápido possível. A segurança pública também faz parte da agenda da Prefeitura, garantindo criança na escola, iluminação pública de qualidade, espaços públicos bem conservados, cultura popular e oportunidade para as pessoas. Isso também passa por termos mais guardas municipais. Pretendo chamar, de modo imediato, cem guardas municipais de um concurso que já foi feito. Pretendo ainda criar um fundo de segurança pública sem aumentar imposto para custear a qualificação da Guarda Municipal, horas extras para a Guarda, mas também pagar hora extra do contra-turno dos brigadianos, dentro dos nossos limites orçamentários, pois não há como pagar horas extras para cobrir toda a cidade. Por fim, é possível também trabalhar pelo entrosamento das tecnologias com cercamentos eletrônicos que hoje já são realidade em muitos lugares e que são muito importantes nas saídas da cidade.

Sul21Do ponto de vista da economia da cidade, qual o projeto da sua candidatura. Por onde passam, na sua avaliação, os caminhos de desenvolvimento da cidade?

Sebastião Melo: Estou convencido que a nossa cidade está pronta para dar um salto de inovação tecnológica, com geração de emprego e renda. Temos universidades como a PUC, a UFRGS e a Unisinos que acumulam muito know-how nesta área, e milhares de jovens talentosos para trabalhar. O Quarto Distrito é um exemplo disso. Quero transformar essa área em um parque tecnológico da cidade, reunindo inovação e economia criativa que já existe naquela região e precisa ser potencializada. Além disso, precisamos promover uma desburocratização do serviço público nos processos de licenciamento. Ainda temos muita burocracia nesta área e a minha experiência como vice-prefeito me diz que é possível melhorar neste tema, com sustentabilidade.

"Eu tenho conversado com muita gente que tem compromisso com a história democrática da nossa cidade". (Foto: Joana Berwanger/Sul21)
“Eu tenho conversado com muita gente que tem compromisso com a história democrática da nossa cidade”.
(Foto: Joana Berwanger/Sul21)

 Sul21Há um debate neste segundo turno entre setores da esquerda sobre a alternativa votar na sua candidatura versus votar nulo, branco ou se abster. O senhor fez algum contato com representantes do PT, PSOL e PCdoB para conversar sobre essa questão?

Sebastião Melo: Eu tenho conversado com muita gente que tem compromisso com a história democrática da nossa cidade. Não são reuniões secretas, mas prefiro não revelar nomes. Porto Alegre é reconhecida por muitos feitos, entre eles o Orçamento Participativo e o Fórum Social Mundial. A nossa capital é uma cidade que respeita muito as diferenças. Tenho dialogado muito com esses setores. Acho que o que está em jogo aí não é a questão de eu pertencer ao partido “A” ou ao partido “B”. Tu me conheces muito bem e sabe das contestações que tenho com o PMDB nacional. Sempre procurei ter uma postura de muito diálogo aqui na cidade, como vereador, presidente da Câmara e vice-prefeito.

Eu acho que, no primeiro turno, o voto é ideológico, é do afeto e até de relações pessoais. Mas quando termina o primeiro turno e restam duas candidaturas, acho que é hora de as pessoas refletirem sobre o futuro da cidade. É importante que as pessoas votem no segundo turno e quero, sim, contar com o voto das pessoas que votaram em outras candidaturas. Temos muitas identidades.

Sul21No primeiro turno, entre bancos, nulos e abstenções cerca de 38%. Esse número, na sua avaliação, deve aumentar ou diminuir no segundo turno?

Sebastião Melo: Acredito que a tendência é diminuir. No primeiro turno, numa campanha muito curta e com poucos recursos, foi difícil aprofundar o debate. E temos também o desencanto das pessoas com a política, com tudo isso que está acontecendo no Brasil. Mas também tem muita gente que não conseguiu se informar direito a respeito da eleição. Como agora, no segundo turno, há duas candidaturas com perfis bastante diferentes, entendo que se torna mais atrativo para o eleitor votar. Por isso, tenho a expectativa de diminuição da abstenção e dos votos brancos e nulos.

Sul21O MBL (Movimento Brasil Livre) teve uma participação importante na organização dos protestos em defesa do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Agora, acabou incidindo na campanha do segundo turno aqui em Porto Alegre. Como o senhor avalia a atuação desse grupo?

Sebastião Melo: Todo mundo tem o direito de se organizar e de se manifestar. O que eu acho engraçado neste MBL é que ele diz que não participa das eleições quando, na verdade, participa apoiando o meu concorrente. Isso é claro e evidente. Neste episódio que envolveu tristemente o Plinio você sabe que ocorreram perseguições psicológicas a ele. Houve uma averiguação judicial, onde eu entendo que o PSDB induziu o juiz a erro. O nosso partido tem uma casa na Riachuelo que, há mais de 30 anos, pertence ao PMDB estadual. Lá funcionou o PMDB estadual, a Fundação Ulisses Guimarães e há quase um ano ela está cedida através de um comodato, que é um empréstimo gratuito, ao PMDB municipal. Eu despacho lá quase que diariamente as minhas agendas, o plano de governo foi coordenado lá e concedi várias entrevistas também neste local.

De repente apareceu uma denúncia do PSDB dizendo que lá era um comitê clandestino do candidato Sebastião Melo. O juiz despachou favoravelmente e o oficial de justiça foi lá fazer uma verificação para ver se era algo clandestino. O grave deste episódio é que uma advogada que, até onde sei, é ligada ao MBL, acompanhou o oficial de justiça e começou a mexer em gavetas e caixas. Vamos combinar que essa não é uma prática democrática.

Sul21Ela poderia ter acompanhado a ação do oficial de justiça?

Sebastião Melo: Até pode em casos excepcionais, quando o advogado pede para acompanhar o oficial de justiça. Até pode, mas não pode levar um fotógrafo como levou e sair fotografando pessoas, computadores e outros objetos, além de mexer em coisa alheia. Isso mostra que nós temos um movimento radicalizado e isso não faz bem à democracia. O mais grave é que esse movimento não respeita quem pensa diferente. A riqueza da democracia é você respeitar quem pensa diferente de ti. O que mais me assusta neste movimento é não respeitar quem pensa diferente, o que é um princípio básico da coexistência na vida de uma cidade.

"Há casos na tabela do SUS, onde não há reajuste há cinco ou seis anos. O SUS está na UTI". (Foto: Joana Berwanger/Sul21)
“Há casos na tabela do SUS, onde não há reajuste há cinco ou seis anos. O SUS está na UTI”. (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

 Sul21Em que medida a aprovação da PEC 241, que prevê o congelamento de investimentos públicos em áreas como saúde e segurança por até vinte anos, pode afetar a vida dos municípios e dos novos prefeitos? Qual sua opinião sobre essa proposta?

Sebastião Melo: Acho uma proposta profundamente equivocada. Há um subfinanciamento enorme do SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil. Há casos na tabela do SUS, onde não há reajuste há cinco ou seis anos. O SUS está na UTI. Trata-se de um sistema extremamente necessário para milhões de brasileiros. Quanto à educação, você liberta um país através dela. Acho o equilíbrio fiscal do poder público importante, mas é preciso excepcionalizar. Aplicar essa medida a todas as áreas do governo, inclusive saúde e educação, é um erro. Eu, se for prefeito, vou liderar uma frente forte de prefeitos das capitais para que a gente mude essa questão.

Sul21Quais são os dois principais problemas que Porto Alegre enfrenta hoje, na sua opinião?

Sebastião Melo: Acho que a segurança pública é o desafio maior hoje em todo o Brasil. A segurança pública começa com criança na escola, turno integral, iluminação pública, espaços públicos revitalizados e cultura nas periferias. Mas também passa por questões tecnológicas como uma cidade mais conectada, passa por mais guardas municipais, por mais brigadianos. Agora, o primeiro dever de um governo, em todas as áreas, é falar a verdade. Um prefeito pode muito na segurança, mas não pode tudo. Pelo que o meu concorrente promete, parece que ele, se for eleito prefeito, vai baixar um decreto dizendo que todo o problema da criminalidade está resolvido. Por decreto.

A segunda questão está na área da saúde. O subfinanciamento do SUS tem castigado muito a população. Precisamos resolver a questão dos leitos hospitalares. Temos dois hospitais com problemas para resolver. No Parque Belém, acho que precisamos buscar uma gestão para ele e, no Porto Alegre, creio que devemos conveniar com o SUS. Então, precisamos qualificar mais os serviços da cidade, com um foco especial em saúde e segurança pública.


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