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Henrique Morrone (*)
No início da década de 1980, a economia americana adotou o neoliberalismo, um modelo econômico que visava restabelecer o balanço de forças entre trabalhadores e capitalistas, porém de forma que beneficiasse os últimos. Esse modelo propunha uma série de medidas, como desregulamentações de mercados, uma preocupação excessiva com a inflação, privatizações e outros ajustes. Ronald Reagan, nos Estados Unidos, e Margaret Thatcher, na Inglaterra, foram as principais figuras políticas desse período, sendo ambos defensores ferrenhos do neoliberalismo.
Dentro desse contexto, surge a Curva de Laffer, uma teoria proposta por Arthur Laffer, economista que recebeu a medalha de mérito durante o primeiro mandato de Donald Trump. A Curva de Laffer se tornou um pilar central da teoria dos economistas do lado da oferta, influenciando as políticas fiscais dos Estados Unidos.
Minha hipótese central neste texto é que a busca pela austeridade, que ganhou força em décadas subsequentes, pode ser vista como uma extensão da lógica da Curva de Laffer. O objetivo final de ambas as abordagens seria o mesmo: garantir que uma maior parte do excedente econômico vá para as camadas mais altas da sociedade. O resultado disso, no entanto, é o aumento da desigualdade de renda, que, ao longo do tempo, contribui para a concentração de riqueza nas mãos de poucos e ameaça a estabilidade democrática.
Vamos agora explorar os argumentos teóricos que sustentam tanto a Curva de Laffer quanto as políticas de austeridade, que são apresentadas como medidas econômicas “eficazes”. A Curva de Laffer sugere uma relação côncava, onde no eixo horizontal está representada a alíquota do imposto (vale notar que, para simplificação, assume-se a ideia de um imposto único para toda a economia) e, no eixo vertical, a arrecadação do imposto. Segundo a teoria, uma alíquota de 0% resultaria em arrecadação zero, enquanto uma alíquota de 100% desincentivaria o trabalho, resultando também em uma arrecadação igual a zero, pois ninguém trabalharia. O diagnóstico feito na década de 1980 era de que a economia americana se encontrava na parte regressiva dessa curva, com uma alíquota de imposto tão alta que desestimulava o trabalho e a produção. A solução, portanto, seria reduzir os impostos, o que, segundo a teoria, incentivaria mais produção e, consequentemente, aumentaria a arrecadação.
Essa teoria gerou um debate intenso, mas os resultados práticos da redução de impostos nos Estados Unidos contradizem a previsão da Curva de Laffer. A arrecadação não aumentou conforme o esperado; na verdade, ela diminuiu. O problema, como muitos economistas apontaram posteriormente, era que não se podia saber com antecedência se a economia estava realmente na parte progressiva ou regressiva da curva. A redução dos impostos, portanto, resultou em um déficit fiscal e, como consequência, o governo precisou cortar gastos, afetando principalmente as populações mais vulneráveis. Essa redução de gastos sociais, por sua vez, contribuiu para o aumento da desigualdade de renda.
Paul Krugman, Nobel de Economia e ex-colunista do New York Times, cunhou o termo starve the beast para descrever essa situação. A ideia é que, ao reduzir os impostos e, portanto, a arrecadação, o governo ficaria pressionado a cortar gastos, principalmente com programas sociais, educação e saúde. Dessa forma, a austeridade fiscal seria imposta de maneira indireta: ao invés de uma decisão explícita de cortar gastos, o governo reduziria impostos e, em seguida, justificaria os cortes sociais como uma necessidade para equilibrar o orçamento. O resultado final seria o aumento da concentração de renda no topo da pirâmide social e um aumento da desigualdade. Não é à toa que, entre os países da OCDE, os Estados Unidos se destacam pela alta desigualdade de renda. Assim, faltam evidências empíricas de que os cortes de impostos promovam o crescimento econômico ou aumentem a arrecadação.
Passando para a questão do equilíbrio fiscal, a austeridade econômica foi adotada como uma solução central para muitos economistas convencionais. A lógica era de que, para manter a sustentabilidade da relação Dívida/PIB, seria necessário reduzir os déficits públicos e evitar o crescimento descontrolado da dívida. No entanto, a implementação dessa austeridade normalmente se traduz em cortes significativos nos gastos públicos, especialmente em áreas cruciais como educação, saúde e programas sociais. Isso, por sua vez, limita a capacidade de crescimento da economia, pois esses gastos têm um impacto direto na melhoria da produtividade e no bem-estar da população.
Porém, assim como no caso da Curva de Laffer, a tese da austeridade (Sound Finance) apresenta várias limitações. Em primeiro lugar, não há evidências empíricas de que uma alta relação Dívida/PIB realmente restrinja o crescimento econômico. O estudo de Reinhart e Rogoff, que havia sido amplamente utilizado para justificar a austeridade, foi posteriormente refutado devido a falhas nos dados utilizados. Herndon, Ash e Pollin descobriram erros de cálculo nos dados utilizados por Reinhart e Rogoff. Além disso, o estudo de Robert Barro, por exemplo, mostrou que taxas de inflação de até 16% não impedem o crescimento econômico.
Em segundo lugar, o problema da dívida não está necessariamente na relação Dívida/PIB em si, mas, sim, na alta taxa de juros. Se o efeito positivo dos gastos públicos sobre o crescimento econômico for superior à taxa de juros que o governo paga sobre sua dívida, a relação Dívida/PIB não representaria um obstáculo ao crescimento. Nesse caso, a austeridade não só seria falha, mas também resultaria em maior desigualdade, pois os cortes de gastos atingiriam principalmente áreas fundamentais como a educação, a saúde e os programas de assistência social.
Portanto, tanto a implementação das políticas associadas à Curva de Laffer no início do neoliberalismo, quanto a busca pelo equilíbrio fiscal por meio da austeridade resultam, em última análise, no aumento da desigualdade de renda. Além disso, essas políticas não têm um impacto positivo no crescimento econômico, nem ajudam a atingir as metas de inflação. O que elas realmente produzem é um reforço da concentração de riqueza nas mãos das elites, enquanto a base da pirâmide social se vê cada vez mais empobrecida.
Nessa linha, torna-se central abandonar o neoliberalismo a fim de evitar a crescente concentração de renda e destravar o processo de crescimento das economias.
(*) Professor Associado do Departamento de Economia da UFRGS