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3 de agosto de 2024
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08:57

Nova lei desobriga reembolso de ingressos para eventos transferidos pela enchente

Por
Bettina Gehm
bettinagehm@sul21.com.br
Show no Auditório Araújo Vianna em 2023. Foto: Luiza Castro/Sul21
Show no Auditório Araújo Vianna em 2023. Foto: Luiza Castro/Sul21

Diversos shows e eventos que aconteceriam no Rio Grande do Sul foram transferidos por causa da enchente de maio. Mesmo que as atividades ganhem novas datas, as produtoras responsáveis deveriam reembolsar o valor do ingresso a quem optar por isso – pelo menos é o que diz o Código de Defesa do Consumidor. No entanto, uma lei federal sancionada em julho livra as produtoras dessa obrigação, caso elas remarquem as atividades. A legislação busca atenuar os impactos da crise climática no setor cultural do estado.

Na Capital, o Procon contabiliza cerca de 50 denúncias de consumidores que demandam o reembolso de ingressos, mas não tomou medidas punitivas contra as empresas. O diretor do órgão, Rafael Gonçalves, conta que se reuniu com representantes gaúchos da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape) para debater o tema. “Conversamos até sobre a questão do [fechamento do] Aeroporto Salgado Filho, que prejudicou muito a realização dos eventos e a própria transferência de datas. Mas essa legislação federal flexibilizou a negociação de vouchers e até a devolução do dinheiro”, explica. “Por mais que tenhamos as reclamações, as empresas estão amparadas por essa lei. O Procon acompanha a situação, mas cada caso está sendo resolvido pelas produtoras”.

Segundo o advogado Zândor Albino, atuante na área de direito do consumidor, há conflito entre as duas leis – a norma instituída este ano e o Código de Defesa do Consumidor, que data de 1990. E, por enquanto, não há casos concretos julgados a partir delas, portanto o Tribunal de Justiça do RS ainda não tem um crivo sobre qual das duas prevalece em caso de conflito.

“As produtoras vão se resguardar a esses direitos. Mas os consumidores, como ficam? É aí que se aplica o caso concreto, e ainda não há uma decisão unânime sobre o que vai prevalecer”, destaca o advogado. “Acredito que, com o passar do tempo, o volume de ações irá crescer e o Tribunal precisará ter uma orientação sobre a aplicabilidade da lei. Mas nada impede o consumidor de, ao se sentir lesado, procurar seus direitos”.

A nova legislação se aplica para cancelamentos e adiamentos feitos até 12 meses depois do fim da vigência do estado de calamidade pública no estado.

Um aspecto importante – e que influencia o julgamento das ações – é a premissa da vulnerabilidade ou hipossuficiência do consumidor. O Código de Defesa pressupõe que o consumidor está em posição desfavorável em relação às empresas e fornecedores. Para quem paga por um produto ou serviço, é mais difícil produzir provas e acessar seu direito.

Ao se tratar especificamente de eventos, há o que o Direito chama de “frustração de expectativa” de quem comprou ingresso quando a atividade é transferida. Juridicamente, o reembolso é devido pelas produtoras nesses casos, como explica Zândor. “Por mais que o evento seja transferido por causa de uma catástrofe, o que chamamos de caso fortuito – e não tem como o prestador de serviço saber disso com antecedência –, o reembolso está entre os direitos básicos do Código de Defesa do Consumidor”, afirma. 

No caso de quem se programou para viajar a fim de comparecer a um evento – reservou passagens, diárias em hotéis e todo o mais que isso implica –, pode haver a restituição de dano material. “A pessoa pode não estar preparada para comparecer na nova data. No dano material, entram todos os gastos além do ingresso”, detalha o advogado. Já o dano moral é muito subjetivo e, muitas vezes, pode ser interpretado como mero “aborrecimento” pela Justiça.

O Festival Turá, que reuniria nomes como Djavan, Adriana Calcanhotto e o grupo BaianaSystem em maio de 2024 no Anfiteatro Pôr do Sol, foi transferido para outubro de 2025. Quando a nova data foi anunciada, diversos consumidores reclamaram que o reembolso oferecido pela Tickets for Fun, responsável pela venda dos ingressos, não é completo: a taxa de serviço paga na compra do ingresso não é devolvida. 

No ingresso para um único dia de festival comprado em abril de 2024 a R$ 187, a taxa de serviço foi de mais R$ 37. Conforme Zândor, esse valor é referente à hospedagem do site de vendas do ingresso. Mas, se ele vai ser devolvido ou não, é algo que deve ser esclarecido na política de reembolso já no momento da compra. Isso porque, ao ser afetada pela oferta de um produto, a pessoa já é considerada uma consumidora – e tem direito a todas as informações sobre o produto ou serviço oferecido.

Conforme a organização do Festival Turá, a taxa de serviço não é passível de devolução, visto que os serviços (de conveniência) já foram prestados e usufruídos no momento da aquisição do ingresso nas plataformas de venda. A organização também afirma que essa informação consta nos termos e condições de compra do site Tickets For Fun, responsável pela venda dos ingressos, e que os ingressos adquiridos para o festival de 2024 serão aceitos em 2025. Mesmo assim, houve a divulgação de política de devolução do valor do ingresso para os interessados.

Quando se trata de festivais com diversos artistas, se um cantor ou banda cancela a apresentação na nova data do evento, também configura frustração de expectativa. Segundo Zândor, nesse caso o consumidor também tem direito ao reembolso, por mais que o ingresso do festival seja um passaporte para assistir a várias atrações. 

Muitas vezes, não é necessário ir atrás do reembolso pela via judicial. O ideal é acessar esse direito entrando em contato direto com a produtora do evento ou, se isso não funcionar, pelo Procon. O site Consumidor.gov.br é outra alternativa para registrar casos em que o consumidor tem seu direito negado. 


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