Antônio Vicente Martins (*)
Começo escrevendo sobre o sofrimento dos gaúchos. O sofrimento que todos estamos vivendo e sentindo não é possível de ser descrito. Faço esta introdução para rebater a afirmativa ideológica feita por conhecido assessor de entidades empresariais de São Paulo que escreveu que o sofrimento dos gaúchos está agravado pela ideologia. No texto ele sustenta que o Governo Federal deveria autorizar a imediata e indiscriminada aplicação da Lei 14.437/2022 e que estabelece inúmeras medidas que autorizam a precarização da legislação trabalhista, de forma unilateral pelas empresas, mas que necessitam de edição de medida regulatória do Ministério do Trabalho.
O “preocupado” assessor empresarial acusa o governo federal de não editar medida regulatória por ter sido a Lei 14.437/2022 aprovada no governo anterior. Praticante de preconceito ideológico explícito, o autor de larga experiência manipulatória das palavras, se apresenta como um neutro, julgando o que é feito ou deixado de fazer pelos outros, sempre imputando comportamento ideológicos para os que pensam diferente dele ou para os que pretendem defender direitos trabalhistas.
Não há como concordar com tais acusações infundadas. Não é por ideologia e ranço anti-democrático que o Governo Federal não editou a norma que poderia e deveria editar tratando das relações de trabalho no âmbito da calamidade climática que atinge o estado do Rio Grande do Sul. O Governo Federal está tratando a emergência climática sentida por todos os gaúchos sem nenhuma coloração partidária, tem sido atento e solidário com o Governador Eduardo Leite, com prefeitos de todas as cidades atingidas, independentemente de suas afiliações partidárias. Portanto, a linha de raciocínio adotada pelo autor e assessor jurídico empresarial é injusta e leviana, talvez porque ele não esteja sentindo o tamanho de nossa tristeza, de nossas perdas.
Mas, uma coisa é preciso que se diga. O Governo Federal na área do trabalho está sendo omisso. Escrevo isto com dor no coração porque todos sabem que tenho vinculação muito forte com a assessoria jurídica de sindicatos de trabalhadores. É inaceitável que o Ministro do Trabalho, do Presidente Lula, não tenha vindo uma vez sequer visitar o Rio Grande do Sul, ouvir os trabalhadores, as representações sindicais, os representantes empresariais, ver o tamanho da perda que milhões de pessoas tiveram. O Presidente Lula já veio 3 vezes ao Estado no último mês, montou base de operações no Rio Grande do Sul, enviando todo tipo de ajuda, criou linhas de créditos para empresas, mas o Ministro do Trabalho permanece em seu gabinete de Brasília. Ninguém pode entender o tamanho do problema se não estiver presente, se não conversar com as pessoas atingidas, se não colocar o pé no barro, não escutar a comunidade, os trabalhadores, as empresas.
É possível adotar medidas de emergência em proteção de emprego e renda. A proteção do trabalho é a dignidade do ser humano. Nem a pandemia da COVID 19 implicou tamanha destruição como as enchentes decorrentes da crise climática. Defender que acordos e convenções coletivas tenham prevalência absoluta sobre dispositivos legais, independente de adoção de medidas compensatórias que preservem os trabalhadores pode ser até mesmo desproporcional com toda a perda que as pessoas estão tendo. Ninguém vai ganhar. Todos estamos perdendo. Todos teremos que reconstruir a vida, é preciso viabilizar a continuidade da atividade empresarial sem descuidar um milímetro de defender a vida.
(*) Advogado, Assessor Jurídico do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região
***
As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21