Glauber Gularte Lima (*)
O almejado período de prosperidade reluta em voltar;
quando acreditamos divisar os sinais que o anunciam,
começam eles a desaparecer.
Entrementes, cada inverno, renova-se a pergunta:
“O que fazer com os desempregados?”
Friedrich Engels – 1886
Em 1818, na Alemanha, quase três décadas após a Queda da Bastilha, símbolo maior do declínio do Antigo Regime monárquico e da ascensão da nova classe dominante, a burguesia, nasce Karl Heinrich Marx. Ele viverá a maior parte de sua vida absorto no desafio de estudar e esmiuçar a economia de mercado e os fundamentos de poder que lhe sustenta.
E gastará seus anos sobre a terra para denunciar um crime. Ele dirá que o novo mundo erguido sobre as ruínas do feudalismo é uma sofisticada máquina de moer seres humanos e produzir miséria. E provará o que diz através de uma obra monumental, à qual dedicou 15 anos, intitulada O Capital. Através dela, Marx disseca ao longo de mais de duas mil e quinhentas páginas a fisiologia do novo regime, o capitalismo, e o desmascara de sua aura redentora.
Por conta do que escreve, os regimes democráticos da França, Bélgica e Alemanha o expulsam de seus territórios. Mas sua escrita não faz concessões. Ele diz que o liberalismo econômico é um direito real de poucos, e prova que o novo sistema jamais assegurará às maiorias liberdade, igualdade e fraternidade. As fervorosas palavras de ordem da Revolução Francesa não passavam de discursos para dias de festa na nova sociedade.
De servos dos senhores feudais os trabalhadores passaram à condição de mão-de-obra assalariada da nova classe dominante. A ideologia intrínseca ao novo regime os seduzia com a ideia de liberdade individual para crescer e prosperar. Mas as promessas do novo sistema não passavam de uma vã ilusão para os despossuídos. O contrato social da nova ordem legitimou que os donos do capital se apropriassem da maior parte do valor do trabalho alheio. A isso ele chamou de mais-valia. Com isso, a propriedade de bens e riquezas continuou sendo um privilégio de poucos.
Sua gigantesca obra acadêmica se ergueu sobre o mundo como um farol na escuridão dos tempos. Iluminados por ela, milhares de esquecidos da terra se insurgirão em lutas e revoluções. Muitos tocarão os céus e viverão dias de glória e regozijo; outros tantos sucumbirão diante do abraço da morte que surgirá dos alicerces da reação conservadora. Mas as verdades que ela revelou continuam inspirando gerações à resistência e à luta contra um sistema que condena multidões a sonhar sem realizar e a desejar sem jamais possuir.
A luta de classes, da qual foi profeta e vítima, quis que ele partisse, no exílio, sem as honras correspondentes à sua estatura intelectual. Dizem que em seu enterro em Londres, no ano de 1883, apenas onze pessoas prestigiaram a despedida desse gênio enciclopédico. Na ocasião, seu grande amigo Friedrich Engels afirmou diante de seu túmulo, naqueles últimos dias do inverno europeu, que ele havia sido o homem mais caluniado e odiado de sua época.
Mas sua obra está viva, vivíssima. Que o digam os magnatas do capital, que financiam a cada ano milhões de dólares para que os arautos do liberalismo anunciem em seminários e painéis pelo mundo afora seus atos fúnebres. Apesar disso, esse cadáver insepulto continua sendo até hoje uma das obras acadêmicas mais citadas e influentes do planeta. De graça é que não é.
(*) Glauber Gularte Lima é professor
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