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6 de julho de 2014
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18:11

Um ano após incêndio do Mercado Público, segunda etapa das obras é iniciada

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Sul 21
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| Foto: Juliano Antunes/Sul21
Parte da estrutura do teto ainda está incompleta | Foto: Juliano Antunes/Sul21

Débora Fogliatto

Há um ano, os porto-alegrenses foram pegos de surpresa com uma notícia que entristeceu a cidade. O Mercado Público, um dos locais mais tradicionais da capital gaúcha, estava em chamas. O fogo começou por volta das 20h30min do dia 6 de julho de 2013 e demorou cerca de três horas para ser domado. O incêndio atingiu cerca de 30% da estrutura do prédio histórico, no segundo andar. Por oito meses, os estabelecimentos que foram atingidos ficaram sem funcionar, voltando às atividades em março. Na sexta-feira (4), o vice-prefeito Sebastião Melo (PMDB) e uma comitiva da prefeitura visitaram as obras de restauração, que estão entrando em sua segunda fase.

O teto, que foi destruído com o fogo, recebeu chapas metálicas que já estão em grande parte colocadas. É uma espécie de “subtelhado” que nunca enferruja e garante que não haja problemas caso as telhas caiam. Além disso, a estrutura feita na parte inferior do teto agora é de concreto, ao invés da madeira que existia na época do incêndio. “Eu nunca vi um telhado com esse nível de sofisticação. E está tudo sendo feito impecavelmente dentro do cronograma, agora com a cobertura, passa a ser mais rápido”, disse Luiz Custódio, arquiteto coordenador da Memória Cultural da Secretaria Municipal da Cultura.

Relembre momentos desde o incêndio:
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Foto: Juliano Antunes/Sul21
Com a chuva que atingia a cidade, as obras foram um pouco afetadas | Foto: Juliano Antunes/Sul21

As obras,que se iniciam nesta segunda-feira (7), são a segunda parte da restauração da cobertura. Depois disso, ainda não será possível para as lojas retornarem ao segundo andar: ainda faltam os sistemas hidráulico e elétrico, além de drenagem, pintura e troca de piso. Um Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) definitivo também precisará ser conseguido, a partir da construção de uma caixa de água subterrânea.

Foi formado um grupo de trabalho, com participação da prefeitura, que discute as obras e o cronograma. Uma das dificuldades têm sido chegar a um acordo sobre o seguro de incêndios. “Queremos encontrar ponto de equilíbrio, mas a seguradora não concorda com o que queremos. Mesmo assim, trabalhamos com expectativa de encontrar solução negociada e só em último caso recorrer à Justiça”, disse Melo, durante visita ao Mercado.

Foto: Juliano Antunes/Sul21
Melo (E) e Custódio (Centro) visitaram as obras nesta sexta-feira | Foto: Juliano Antunes/Sul21

“Eu me lembro muito bem de quando o sentimento era de que tudo tinha sido destruído. As tragédias sempre acontecem, seja perto ou longe de nós. Mas aqui tivemos a capacidade de poderes locais e central trabalhando juntos”, lembrou o vice-prefeito, afirmando que sem o auxílio do governo federal, não teria como as obras serem realizadas. “Essas duas obras só foram possíveis com os R$ 20 milhões do PAC Cidades Históricas”, destacou.

Ele preferiu não falar sobre prazos para a liberação do segundo andar, observando que parte dos recursos já será liberado para a terceira fase, na qual a prefeitura pretende agir com a “maior rapidez possível”, ressalvando que “obra pública não depende da vontade do gestor”.  Melo espera que a segunda fase das reformas esteja concluída entre janeiro e fevereiro.

“Quando pegou fogo, a gente perdeu tudo”

Dois dos restaurantes que tiveram que ficar sem operar por oito meses foram o Sayuri, de comida japonesa, e o Mamma Júlia, de comida italiana. Eles perderam tudo durante o incêndio e encararam as dificuldades de formas diferentes. “Nós fomos um dos restaurantes que optaram por manter os funcionários. Na parte da cozinha, temos funcionários de oito, 10 anos. Cozinha japonesa requer segredos, especificidades”, explicou Francisco Assis dos Santos Nunes, proprietário do Sayuri.

A maior dificuldade para ele foi realmente passar esse período sem trabalhar. Desde que foi aberta a área provisória no primeiro andar para abrigar os restaurantes que foram prejudicados no incêndio, ele conseguiu manter as despesas com os funcionários. Mesmo assim, Nunes espera retornar para o piso superior assim que possível, pois lá tinha o dobro de espaço. “Quando pegou fogo a gente perdeu tudo, não se aproveitou nada. Na verdade queimou tudo mesmo”, lamentou.

Por Juliano Antunes/Sul21
Teto permanente já foi colocado em grande parte do segundo andar | Foto: Juliano Antunes/Sul21

A situação de Gilberto Esteves, proprietário do Mamma Mia, foi parecida. “Tivemos perda total. Não conseguimos pegar um talher dali”, contou. Ele fez uma escolha diferente da de Nunes em relação aos funcionários. Optou por indenizá-los, por entender que dessa forma eles seriam beneficiados com fundo de garantia e seguro-desemprego, o que poderia mantê-los bem economicamente durante o período de fechamento. Quando reabriu, retornaram apenas dois ou três dos 12 que antes do incêndio trabalhavam no estabelecimento.

Esteves e sua esposa tinham ido para Imbé, onde têm casa na praia, naquele sábado à noite. Enquanto ele tomava banho, ela começou a receber ligações a respeito do incêndio, que eles não conseguiam assistir pela televisão. Foram procurar na internet para tentar descobrir se seu estabelecimento estava entre os afetados. “A gente teve que ir pra internet tentar descobrir de que lado era o incêndio, não dava pra saber. Liguei pro meu cunhado, que trabalha aqui perto. Ele veio até aqui e nos deu a notícia. Ele disse ‘não tem mais nada, não está sobrando nada, foi do lado de vocês’. Então a gente retornou”, lembrou o permissionário. Eles chegaram ao local por volta das 23h30min e ainda conseguiram acompanhar parte do trabalho dos bombeiros.

Nos meses seguintes, optaram por ficar na casa da praia, retornando apenas quando necessário por causa das obras. “Julho, agosto, setembro e um pedaço de outubro realmente foram bem para baixo. E daí começa a cair a ficha: era nosso negócio, estava indo super bem. O restaurante tinha ganhado dois prêmios de Comida de Boteco, foi incluído nas Sete Delícias de Porto Alegre, participamos de várias revistas”, lamenta. Agora, tiveram que se readequar à demanda e ao novo espaço, mas Esteves considera que “está indo bem” no espaço cedido no primeiro andar.

Foto: Juliano Antunes/Sul21
Segunda parte das obras inicia nesta segunda-feira | Foto: Juliano Antunes/Sul21

O Projeto Monumenta, programa do Ministério da Cultura, que atua em cidades históricas protegidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), perdeu todo seu material em Porto Alegre. Seu escritório ficava em duas salas no segundo pavimento do Mercado. “Perdemos tudo, tudo, tudo, desde os processos dos 13 anos de obras do documento que estavam para ser concedidos para o arquivo do município, das obras que já haviam sido concluídas. Todas as nossas mesas estavam cobertas por processos que acompanhávamos. Perdemos muitos arquivos, todos os livros que nós tínhamos, tudo que dizia respeito a obras e plantas, perdemos todos os registros de imprensa desde 2001, que catalogávamos em pasta, além de todos os computadores”, lamentou Briane Paniz, coordenadora do PAC das Cidades Históricas em Porto Alegre.

Agora, o projeto já está em fase final e a equipe está trabalhando no PAC das Cidades Históricas, que destina recursos para a reconstrução do Mercado, o que torna Briane e seus colegas duplamente envolvidos com a reforma. Ela comemora, apesar das perdas, que a obra já esteja em bom andamento, mas entende que não há prazo para retornar. Até as obras serem concluídas, eles estão alojados na Pinacoteca Rubem Berta, na rua Duque de Caxias. Para continuar o projeto, precisaram coletar novos dados e elementos, pedindo para secretarias da prefeitura e para o IPHAN.

Um pouco de história

Em 1844, o então prefeito Saturnino de Souza e Oliveira formalizou uma sociedade para construção de um prédio com as características de mercado central, que foi erguido na então Praça do Paraíso, área atualmente arborizada da Praça XV de Novembro. Em 1861 foi apresentado projeto para construção de um novo prédio, mas que acabou sendo alterado posteriormente em suas dimensões e características. Esta segunda versão do Mercado Público foi inaugurada em outubro de 1869 e aberto à população apenas em 1° de janeiro de 1870.

Foto: Arquivo Público do RS
Foto: Arquivo Público do RS

Várias obras e ampliações foram sendo realizadas, alterando concepções originais e ampliando suas funcionalidades, com instalações de escritórios comerciais, representações industriais e sedes de órgãos públicos. Ainda em obras, durante o projeto de projeção do segundo piso, em meados da administração de José Montaury, sofreu seu primeiro baque, com o incêndio de 1912, que destruiu todos os chalés localizados na área interna.

O tempo correu e um novo trauma marcou a história deste que é um dos prédios mais queridos e estimados pelos porto-alegrenses e moradores da cidade de todas as origens: a inesquecível e terrível enchente de 1941. Presente na memória de gerações, a grande inundação de 1941 trouxe inúmeros prejuízos físicos ao prédio, que teve novas “baixas” em outros dois incêndios, ocorridos em 1976 e 1979.

Foto: Arquivo Público do RS
Foto: Arquivo Público do RS

Por volta de 1969, quando os prefeitos das capitais eram nomeados e não eleitos pela população, Telmo Thompson Flores bem que tentou demolir o prédio para construção de uma avenida, mas o clamor popular fez com que a decisão fosse reconsiderada. Aliás, sua presença imponente na região central da cidade esteve constantemente ameaçada pela especulação imobiliária, dado sua localização altamente valorizada.

Foi justamente a mobilização da comunidade porto-alegrense que derrubou de vez as ameaças de demolição, movimento que desencadeou o tombamento como Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre (Lei 4.317/77) em 12 de dezembro de 1979. Em 1987, foi criado através da Lei 5994/87 o Funmercado (Fundo Municipal do Mercado Público), formado com a receita arrecadada das permissões de uso, tendo a finalidade de custear a restauração, reforma, manutenção e revitalização do prédio.

Resgate – O prédio em estilo neoclássico foi submetido a um projeto de restauração que levou em conta o resgate do estilo, a garantia da utilização como centro comercial e o destaque para os espaços de convivência. O Mercado Público foi reaberto em dia 19 de março de 1997, sendo que o resultado final da recuperação do acervo arquitetônico foi premiado na 3ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em novembro deste mesmo ano.

Nas mais de 100 lojas, o visitante encontra temperos e especiarias, frutas, legumes, verduras, carnes, ingredientes culinários diferenciados e, é claro, erva-mate, cuia e bomba para um bom chimarrão. A atração para o imaginário religioso fica por conta dos inúmeros rituais celebrados a cada data de reverência aos orixás e entidades da religião africana que levam ao centro do Mercado seus cantos, pipocas, balas e figurinos tradicionais.

 

 


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