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27 de abril de 2012
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22:14

Gravuras, gravuras e gravuras: diversidade e originalidade

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Sul 21
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Em época de galopante avanço das tecnologias digitais, alguns podem se perguntar sobre qual o sentido de uma produção artística tão antiga e tradicional como a gravura. Vista como uma possibilidade de ampliação do alcance da arte, mediante reprodução de cópias com identidade original, a gravura é uma técnica que se caracteriza genericamente por desenhos feitos por incisão em uma superfície dura, sobre a qual posteriormente se coloca a tinta e o papel, obtendo, por pressão, uma série de reproduções.

Consideram-se como originais todas as cópias obtidas por esse processo de impressão, que são numeradas e assinadas pelo artista. De acordo com o material utilizado na produção da matriz, ela recebe uma nomenclatura. As mais conhecidas são: xilogravura (matriz de madeira em que são feitas incisões), litografia (matriz em pedra, trabalhada com óleo), gravura em metal (matriz em placa de metal, trabalhada com ácidos), serigrafia (vedação com estêncil, em processo fotográfico ou não).

Encontram-se atualmente na Pinacoteca de São Paulo três interessantes e diferentes maneiras de abordar essa produção no país. As mostras “Gravura Brasileira no Acervo da Pinacoteca de São Paulo, 100 anos de história” e “Gravura em campo expandido”, ambas com curadoria de Carlos Martins, inauguradas no fim da semana passada, podem ser visitadas até meados de julho, na Estação Pinacoteca. A terceira é constituída pelas gravuras do projeto “Painéis de lambe-lambe | Ação Educativa Extramuros”, expostas nas janelas laterais externas da Pinacoteca.

A primeira mostra, predominantemente histórica, contempla obras de 105 artistas, apresentando mais de 3 mil gravuras, que abordam os grandes temas da história da arte brasileira. Abrangendo desde aprimeira década do século 20 até a primeira década do século 21, os trabalhos não são apresentados de maneira rigidamente cronológica, mas estabelecem laços entre as diferentes produções. Na exposição estão presentes os mais importantes artistas brasileiros, distribuídos em conjuntos como o da Figuração e do Expressionismo, onde podem ser encontradas obras de cunho social, realizadas entre os anos 1920 e 1930. A Nova Figuração e a Arte Pop estão também muito bem representadas por obras que exploram temas relativos à repressão política dos anos 1960 e 70. Expressivo em termos numéricos é o grupo de artistas que se debruçaram sobre a Abstração, tantos os geométricos e construtivos, como os informais. A produção contemporânea é apresentada ao público em sua diversidade temática, de meios e de propostas. Visitar a mostra é fazer uma viagem pela gravura brasileira, desfrutando de um panorama que evidencia tanto a grandeza estética como a representatividade desta produção em diferentes momentos. Alguns artistas apresentados se identificaram preponderantemente com a gravura em sua trajetória artística, como é o caso de Livio Abramo e Fayga Ostrower. Outros, mesmo sendo mais conhecidos por trabalhos em outras técnicas, deixam perceber que a gravura foi para eles um espaço significativo de experimentos e descobertas.

Livio Abramo e Fayga Ostrower | Assessoria de Imprensa da Pinacoteca SP (Clique para ampliar)
Livio Abramo (Clique para ampliar)

A segunda exposição, “Gravura em campo expandido”, contempla uma percepção mais contemporânea da gravura, ampliando suas abordagens e possibilidades de leitura e interpretação. A mostra conta com cerca de 100 trabalhos de 54 artistas apresentando obras realizadas desde os anos 1950 até os dias de hoje. A exposição apresenta trabalhos que lançaram mão de procedimentos inerentes à gravura, no sentido de transferir formas, texturas ou imprimir uma imagem, de um suporte para outro, sem ser necessariamente o papel. Se tradicionalmente a transferência era feita somente por meio de uma matriz, hoje essa transferência acontece das formas mais variadas. O título escolhido, “campo expandido”, informa que as técnicas de impressão e transferência de imagens contaminou outras áreas do fazer artístico como, por exemplo, a pintura e a fotografia, ou mesmo a escultura, borrando fronteiras, como é típico da contemporaneidade.

Agregando tecnologias mais contemporâneas, Vera Chaves faz reproduções de superfícies de pele do corpo em fotocopiadora, e, ao imprimi-las em grandes dimensões, cria uma visualidade ambígua, que se assemelha a paisagens. Maristela Salvatori elabora um painel em monotipias e fotografia em impressão digital que funcionam como um quebra-cabeça, em que cada parte tem um valor plástico próprio, mas em conjunto elas compõem uma paisagem, com derivações quase abstratas. Maria Lucia Cattani, propõem um livro, em que as páginas são dobradas e nelas são gravados caracteres a lazer. As páginas, finamente vazadas, são apresentadas desdobradas, como uma gravura-objeto. Também Emanuel Araujo realiza uma obra tridimensional, utilizando como base de seu trabalho uma xilogravura que recorta e dobra.

Maria Lucia Cattani | Foto: Fabio Del Re (Clique para ampliar)
Maristela Salvatori (Clique para ampliar)

Partindo da ideia básica de monotipias, Daniel Senise transfere resíduos do piso de seu ateliê para telas, posteriormente, essas marcas são utilizadas como base de suas pinturas, e Mira Schendel apresenta as imagens, resultantes da transferência de linhas decalcadas para o papel japonês.

A exposição apresenta, ainda, três filmes, de três minutos cada, que registram a utilização da gravura como arte pública. Maria Bonomi, nos anos 1970, realiza relevos de concreto em fachadas de edifícios,  Alex Flemming imprime serigrafias sobre as paredes de vidro da Estação Sumaré do metrô, e Monica Nador realiza, em conjunto com moradores de comunidades carentes, grandes pinturas murais, a partir do uso de estêncil.

A terceira mostra, localizada nas janelas laterais externas da Pinacoteca, é constituída por 42 painéis, com xilogravuras elaboradas nas oficinas artísticas realizadas pelo Núcleo de Ação Educativa. Esse projeto foi desenvolvido desde 2008, envolvendo duas casas de convivência para adultos em situação de rua, no centro da cidade. As xilogravuras expostas foram realizadas por 19 participantes, e cada um deles realizou ao menos uma xilogravura em grande formato (60 x 90 cm), e outras em distintos tamanhos. A impressão foi realizada em uma gráfica especializada em cartazes de rua, que são colados diretamente em muros e paredes (lambe-lambe). A combinação dos diferentes cartazes nas 42 janelas da fachada foi feita coletivamente pelos autores dos trabalhos. A exposição dos painéis, assim como toda a atividade extramuros, busca interligar o que acontece dentro e fora da instituição. Assim, as imagens retornam para a rua, de onde foram originárias, e para vê-las não é necessário entrar no museu, mas, simplesmente, circular em torno dele.

Foto: Assessoria Imprensa Pinacoteca SP Livio Abramo (Clique para ampliar)
Foto: Assessoria Imprensa Pinacoteca SP Livio Abramo (Clique para ampliar)

Esse conjunto de ações em relação à gravura coloca em evidência que essa modalidade técnica de produção artística pode ser inesgotável para a criatividade humana, no mais simples ou no mais complexo de seu fazer.


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