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24 de novembro de 2011
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02:56

Dois editoriais: 1) O Instituto Ronaldinho já nasceu errado e 2) Quando todos têm razão e ninguém está certo

Por
Sul 21
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O Instituto Ronaldinho já nasceu errado

A polêmica envolvendo o Instituto Ronaldinho Gaúcho e a Prefeitura Municipal de Porto Alegre ainda vai render “muito pano pra manga”. Mesmo que não se consigam as assinaturas suficientes para instalar a CPI na Câmara Municipal para investigá-lo, o Ministério Público o investigará, muito provavelmente, já que o montante de verbas públicas que lhe foi repassado é vultoso e as prestações de contas são suspeitas.

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Mais uma vez, a repetir o que se vem afirmando neste espaço, sempre que se retoma a discussão sobre a atuação das ONGs, a questão central não é a da atuação de uma ONG em especial ou o desempenho de um convênio em particular. O que se deve questionar é o modelo de repasse de recursos públicos e de transferência de responsabilidades do poder público para a iniciativa privada ou, mais precisamente, para o chamado terceiro setor da economia.

O crescimento das demandas de servidos públicos, nas áreas de educação e saúde, principalmente, com a expansão da população com acesso às escolas públicas e ao atendimento pelo SUS, levou à necessidade de uma rápida e ampla expansão da rede de serviços que, na verdade, o Estado (em qualquer de seus níveis, tanto no federal, no estadual e no municipal) não estava habilitado para realizar.

Para sanar a deficiência do Estado e de sua capacidade de expansão e também para satisfazer a ideologia dominante no mesmo período (1970/1990), que afirmava que o Estado deveria se limitar aos serviços essenciais transferindo todos os demais para as esferas não públicas, foram criadas e valorizadas as Organizações Não Governamentais (ONGs), as Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OCIPS) e as Organizações Sociais (OS).

Acontece que, se é verdade que o Estado não está capacitado para prestar os serviços públicos necessários, é também verdade que ele não está capacitado para encomendar e fiscalizar os serviços que ele transfere às organizações do terceiro setor. Nesta condição, ao terceirizar serviços e transferir recursos para o “terceiro setor”, o Estado abriu uma enorme brecha por meio da qual empresários e governantes malintencionados passaram a atuar lesando o Estado e a população.

Sem que se prejulgue aqui o Instituto Ronaldinho Gaúcho e suas atividades, o fato é que sua existência está colocada sob suspeita desde sua criação. A história da elaboração do projeto que o criou encontra-se envolta em brumas até hoje. Circula nos bastidores, que ele foi elaborado inicialmente por uma equipe de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas foi divulgado sob a chancela de uma universidade privada do mesmo estado, em uma versão mitigada, sem que os créditos fossem concedidos e sem que o trabalho de sua elaboração fosse pago aos seus primeiros elaboradores.

Talvez tenha sentido a dúvida do conselheiro do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense que assistiu, impotente, às contendas envolvendo Ronaldinho Gaúcho, seu irmão Assis e aquele clube: “Se Assis conseguiu enrolar o próprio Berlusconi, o que ele não será capaz de fazer?”. No caso presente, que envolve o Instituto Ronaldinho, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e até mesmo o Ministério da Justiça, que transferiu verbas à PMPA com a condicionante de que a execução do convênio fosse confiada ao Instituto, talvez o mais correto fosse indagar com quem esteve o erro: com Ronaldinho e Assis, com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e suas secretariais, com os Ministérios federais ou no próprio modelo utilizado?

Ao que tudo indica, independente da punição dos eventuais culpados pelo mau uso das verbas públicas, o mais correto seria a revisão do modelo de contratação e de transferência de recursos públicos para entidades privadas e/ou do “terceiro setor”.

Caso Bourdignon: quando todos têm razão e ninguém está certo

O ex-prefeito de Gravataí e atual deputado estadual Daniel Bourdignon teve os seus direitos políticos cassados por cinco anos na tarde da quarta-feira (23) pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Alega o TJ-RS, pelo o voto de dois dos três desembargadores que julgaram o processo, que ocorreu improbidade administrativa em 1.292 contratações ditas emergenciais durante os dois mandatos de prefeito exercidos por aquele político.

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Ocorre que as contratações estavam amparadas em lei municipal, submetida e aprovada pela Câmara de Vereadores daquele município. Além disso, o ex-prefeito já foi julgado e absolvido pelo mesmo ato, na esfera criminal, em ação submetida a órgão especial do Tribunal de Justiça do RS. Ressalte-se que são ações distintas e que, portanto, as decisões podem também ser distintas.

De acordo com os desembargadores que votaram pela condenação, entretanto, mesmo existindo concurso público e candidatos aptos para a nomeação, o então prefeito optou pela contratação/renovação direta de servidores, sem seleção pública e em favor de suas filiações político-partidárias. Segundo Bourdignon, no entanto, as nomeações emergenciais são normais no cotidiano de um município ou estado, uma vez que muitos servidores concursados tiram licenças temporárias, o que torna impossível a contratação de servidores concursados para substituí-los.

Nem o argumento das substituições para licenças nem o da aprovação de lei municipal serviu, entretanto, como justificativa para os desembargadores do TJ-RS. Segundo a manifestação de um deles, a improbidade pode ocorrer mesmo quando há lei autorizando os atos do Executivo municipal. Segundo sua declaração de voto, é amplamente conhecida a ascendência dos Executivos sobre os Legislativos, “onde, em nome da governabilidade, muitas vezes unem Deus e diabo e aprovam o que querem, como querem, quando querem”. Mais uma vez, portanto, percebe-se que o Poder Judiciário se posiciona acima dos demais poderes, se auto concedendo o direito de colocá-los sob suspeita prévia.

Ao fim e ao cabo, ao que tudo indica, no presente caso todos têm razão e todos estão equivocados. Não se trata de o Sul21 se auto outorgar a infalibilidade de interpretação dos fatos, mas simplesmente de se perceber que o erro é sistêmico e não meramente pontual.

Ocorre, sim, de maneira geral, abuso do direito de contratação emergencial nas prefeituras e nos governos de todos os níveis, com a concessão de prioridades a candidatos alinhados com os governantes de turno. Existe sim, ao mesmo tempo, a necessidade de contratação emergencial e sem concurso de servidores para suprir vagas temporárias que, muitas vezes, se tornam (quase) permanentes. Estabelecem-se, sim, em inúmeras oportunidades, conluios entre poderes, com vistas à concessão de benefícios para apaniguados e o fortalecimento das forças políticas dominantes.

Mais do que a punição de eventuais culpados por práticas danosas ao bem público, o que se deve buscar, no entanto, é o aperfeiçoamento das instituições políticas e as regras de funcionamento dos serviços e órgãos governamentais. Remendar falhas e punir transgressões é importante, mas o fundamental é a construção de um modelo de gestão pública e de funcionamento de serviços públicos que seja eficiente, possibilite transparência e proporcione bem estar coletivo.

Uma palavra final

Urge, pois, para buscar um caminho de superação dos males tratados nos dois editoriais acima, que se execute uma ampla e profunda reforma do Estado e dos serviços públicos, incluindo-se o próprio sistema Judiciário, modificando as bases de sua estrutura e as linhas gerais de seu funcionamento. Não se trata de diminuir o Estado ou de enfraquecê-lo, trata-se de torná-lo eficiente e de dotá-lo de melhores condições para servir à população.


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