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5 de outubro de 2011
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19:14

Arquiteto defende aproveitamento de prédios ociosos nas cidades

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Sul 21
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Apelidado de "esqueleto", edifício no centro de Porto Alegre está abandonado há décadas e poderia ser utilizado para comunidades autogestionárias, defende arquiteto Marcelo Gotuzzo | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Vivian Virissimo

Os prédios ociosos nos centros das grandes cidades precisam ser aproveitados, de modo sustentável, para a criação de habitações populares e espaços culturais. Quem afirma é o arquiteto Marcelo Gotuzzo, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Ufrgs. Defensor da ampliação das comunidades autônomas em Porto Alegre, Gotuzzo tem projetos para geração de renda na comunidade Utopia e Luta e para o aproveitamento do “esqueleto”, como é chamado o edifício abandonado no centro da capital.

“As cidades do futuro não podem conviver com espaços ociosos nos centros urbanos. São locais com alto nível de infraestrutura, acesso a serviços e dotados de grande mobilidade”, defende Gotuzzo.

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O pesquisador explica que comunidades autônomas se diferenciam de outras propostas de habitação popular porque, além da destinação para moradia, agregam centros culturais e projetos de geração de renda. “As comunidades autônomas tentam se aproximar de modelos de autogestão, fomentam atividades em todos os campos das artes, além de desenvolver projetos de geração de renda para ampliar as atividades, não para o enriquecimento individual”, diz Gotuzzo.

O arquiteto projetou uma “floresta vertical” a ser implantada no prédio do Utopia e Luta, assentamento urbano instalado em um antigo prédio do INSS no centro de Porto Alegre. A comunidade já desenvolve atividades de hidroponia no terraço do edifício, mas a proposta é ampliar o projeto utilizando o espaço ocioso acima do edifício. “A ideia é que haja um impacto visual com as paredes verdes que terão capacidade de equilibrar a umidade dos ambientes internos, possibilitando maior conforto térmico no verão, além de inibir pichações”, acrescenta Gotuzzo. O projeto também estabelece espaços para economia solidária, bem como um café, um miniauditório e um atelier.

Projeção da "floresta vertical" planejada pelo arquiteto para o prédio do Utopia e Luta, no centro de Porto Alegre | Foto: Divulgação

Outra ideia é que as lojas que funcionam sob as escadarias da Borges de Medeiros, que são concessionárias do local que pertence à Prefeitura, também sejam incorporadas ao projeto com o objetivo de facilitar o acesso à população que circula no local. Gotuzzo destaca a sustentabilidade do projeto que vai empregar materiais leves e pré-fabricados de rápida montagem. “Será uma obra limpa e contrastante com a edificação original, respeitando a sua pré-existência”, explica, acrescentando que a estimativa é que a obra possa ser concluída em 12 meses, após conclusão dos projetos e liberação de verbas.

Esqueleto

Para a revitalização do “esqueleto” da Praça XV, prédio abandonado há décadas no centro de Porto Alegre, o arquiteto defende em estudo acadêmico a criação do Residencial e Centro Comunitário Autônomo Autogéré. O prédio que tem mais de 6.500 m² começou a ser construído há 60 anos e ainda está inconcluso. “O edifício tem potencial de uso nos moldes da participação coletiva. Esta grande estrutura ociosa situa-se em local de fácil acesso a todas as comunidades do grande perímetro urbano da capital”, afirma Gotuzzo. Um laudo técnico atestou a viabilidade da reutilização da estrutura já existente.

“O projeto academico inicial prevê cerca de 100 apartamentos com com espaços internos contíguos, com possibilidade de versatilidade de arranjos, de acordo com o desejo de cada morador”, explica.

“Movimentos são catalisadores da mudança”

Segundo o arquiteto, está prevista a realização de um seminário no final de novembro para ampliar o debate e a participação de cooperativas, associações e ongs em projetos de interesse social para a cidade. A intenção é que os movimentos sociais que militam pela reforma urbana participem da reunião para encaminhar as articulações políticas e econômicas para concretização destes projetos. Os movimentos Utopia e Luta, Movimento Circuito Fora do Eixo, Grupo SOMA e Associação Comunitária do Centro Histórico de Porto Alegre já participam dos debates.

Segundo Gotuzzo, existe viabilidade tanto com recursos da Caixa Econômica Federal quanto investidores privados nacionais e internacionais. “Transformar um projeto em realidade é uma coisa que sempre dá trabalho, mas transformar um projeto, com mudança de paradigma da realidade, é bem mais difícil”, analisa. Os delegados da Região de Planejamento 1, instância independente da Secretaria Municipal de Planejamento, já sinalizaram favoravelmente para a execução da obra. “Os delegados gostaram do projeto e já indicaram várias possibilidades. Existem vários editais que contemplam habitação de interesse social.”

Exemplos mundiais

Gotuzzo dá exemplos de comunidades autônomas espalhadas pelo mundo. Eles são chamadas de culturesquats, utilizadas para habitação e atividades culturais. O arquiteto conta que as primeiras revitalizações de prédios ociosos ocorreram em Nova York, no Soho. Na década de 1960, armazéns e fábricas abandonadas começaram a ser apropriadas por artistas vinculados ao movimento da pop art e expressionismo abstrato. “Andy Warhol construiu seu ateliê para experimentações artísticas. Hoje em dia, esse bairro aproveita espaços abandonados com restaurantes, galerias e lojas”. O exemplo de Berlim também é citado. “Na mesma época, em Berlim, arrasada pela 2ª Guerra Mundial, num contexto de destruição e crise financeira teve prédios destruídos parcialmente ocupados por jovens da contracultura em protesto contra a falta de moradia e especulação imobiliária”.

O pesquisador menciona também que não se trata de transpor modelos da Europa e Estados Unidos para o contexto brasileiro. “Nos países desenvolvidos notamos que muitas pessoas adotam este estilo de vida por ideologia, não significa que falte alguma coisa, até porque muitos governos garantem moradia para pessoas desempregadas. Mas no caso do Brasil, existe um processo muito mais complexo e de necessidade, miséria e falta de opção. Pela demanda habitacional que existe e o grande espírito de cooperação que vemos dentro das comunidades, nosso potencial é muito maior que o desses países desenvolvidos”, fala Gotuzzo.


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