Geral
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13 de julho de 2011
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20:07

Moral e sigilo militar

Por
Sul 21
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Inadmissível o sigilo e a prorrogação do inquérito sobre estupro em quartel em Santa Maria. Ocorrido há 47 dias, a investigação sobre o fato ainda não foi concluída e, absurdo dos absurdos, os advogados do jovem soldado que teria sido violentado por quatro colegas de caserna dentro de um quartel do Exército ainda não tiveram acesso aos autos do processo, mesmo tendo encaminhado, conforme alegam, vários requerimentos neste sentido.

Conforme noticiou o Sul21 no dia 30 de maio, “o soldado teria sido rendido por quatro colegas, que se revezaram nos abusos enquanto os demais seguravam o agredido. Após a violência, que teria sido denunciada no dia seguinte por um sargento, o jovem ficou oito dias internado no hospital militar, sendo liberado no último dia 25. Durante metade desse período, o soldado não teve nenhum contato com seus familiares, que não sabiam sequer que o crime sexual havia ocorrido. Quando foi ao hospital visitar o filho, a mãe do jovem teria recebido ameaças veladas, além de insinuações de que o sexo teria sido consentido e que o jovem violentado era homossexual. Segundo a família, a alegação foi de que o soldado era maior de idade e só ele poderia decidir se queria comunicar ou não seus pais a respeito do incidente.”

Até esta quarta-feira (13), os suspeitos da violência continuam soltos, pois não houve flagrante de delito, e a investigação, que só se iniciou depois que o caso veio a público, foi prorrogada por mais 30 dias. Enquanto isto, nem mesmo o Setor de Comunicação da 3ª Divisão de Exército, onde está lotado o major encarregado de atender a imprensa, presta esclarecimentos sobre o fato. A desculpa apresentada pelo oficial, depois das diversas tentativas da reportagem do Sul21, de que não se encontrava em Santa Maria e que, por este motivo, não estava em condições de se manifestar sobre o caso, é inaceitável, além de absurda.

Conduzido no âmbito militar, por ter ocorrido na caserna, o inquérito tenderá, se prosseguir no ritmo e de acordo com os procedimentos até agora adotados, a ser postergado indefinidamente, até cair no esquecimento público ou, quem sabe, de a vítima ser responsabilizada pelos acontecimentos. Conforme a avaliação do deputado estadual Jeferson Fernandes (PT), que visitou Santa Maria na última quinta-feira em nome da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia  Legislativa do Rio Grande do Sul, o inquérito militar tende a não caracterizar o estupro.

Contrariando o laudo do exame de lesões corporais solicitado pela família da vítima, que comprova a violência sexual, os indícios apontariam, segundo o Exército, para um desentendimento ou mesmo para uma relação consensual entre os envolvidos. O exame de corpo de delito feito pelos militares, por exemplo, teria constatado apenas uma pequena lesão, insuficiente para caracterizar violência sexual.

Informada pelo Sul21, logo após os fatos, a Ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, chocada e após consultar alguns advogados, chegou à conclusão de que o caso deveria estar sendo tratado na Justiça comum. “Trata-se de um crime comum, cuja responsabilização deveria se dar na Justiça comum e exclusivamente na Justiça comum”.

Passado tanto tempo a investigação está emperrada e continua transcorrendo exclusivamente no âmbito do Exército; em flagrante desrespeito às leis, os advogados da vítima estão sendo impedidos de ter acesso ao inquérito. Deve interessar a alguém a omissão e o silêncio. Talvez à moral machista (ainda) vigente na caserna.

Cabe aos movimentos organizados da sociedade civil, mormente os de defesa dos direitos humanos, à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ao próprio governo federal, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e do Ministério da Defesa (cujo titular, aliás, é natural da cidade onde ocorrem os fatos) se movimentar e exigir transparência e celeridade nas investigações.

Militares são cidadãos como todos os demais e devem se submeter às mesmas leis que regulam a vida social de todos os cidadãos.


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