Conselhão está consolidado e não é mais visto como ameaça ao Legislativo

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Conselhão está consolidado e não é mais visto como ameaça ao Legislativo
Conselhão está consolidado e não é mais visto como ameaça ao Legislativo
Ex-presidente Lula na última reunião do CDES de 2010 / Foto Agência Brasil

Rachel Duarte

Criado em 2003 por Tarso Genro, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CNDES), o Conselhão, está consolidado. Passados oito anos, o Conselho não é mais visto como uma ameaça ao Poder Legislativo, mas como o que realmente é: um órgão de formulação de políticas e diretrizes específicas e, também, de mediação entre a Presidência da República e a sociedade civil organizada. São medidas propostas de políticas públicas, de reformas estruturais e de desenvolvimento econômico e social. E este é exatamente o papel do Conselho proposto por Tarso aos gaúchos, desde que assumiu o governo do Rio Grande do Sul. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do RS é “um ente público não estatal”, como costuma ressaltar o governador.

Bruno Alencastro/Sul21
Marcelo Danéris / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Ao propor a criação do Conselho, uma novidade na administração gaúcha, o governo já esperava por alguns questionamentos. O secretário executivo do CDES, Marcelo Danéris, afirma que “o órgão é de consulta e assessoria do governador, e não apresenta qualquer prerrogativa ao Poder Legislativo”. Danéris nega a possibilidade de o Conselho representar algum constrangimento ao parlamento gaúcho. “O CDES apresentará propostas e diretrizes ao chefe do estado e não um projeto de lei pronto para ir à votação. O governador traduz estas diretrizes e faz os encaminhamentos que quiser”. O Conselho proporá a criação de programas estruturantes ou projetos de lei, que serão submetidos à análise dos parlamentares e à sua votação. Danéris acredita que “com o CDES não haverá constrangimentos à Assembleia Legislativa gaúcha”.

Unanimidade

Edson Brum

Os líderes de partido do PMDB, PP e PSDB, siglas que estão na oposição ao governo Tarso, são unânimes em afirmar que o CDES poderá um órgão auxiliar ao Parlamento. Para o deputado Edson Brum, líder do PMDB, “o Conselho poderá orientar os projetos de lei que serão propostos pelo executivo ou mesmo corrigi-los. Se ele for encarado com seriedade pelo governo, tudo que será enviado para a Assembleia será de fato algo que já tem consenso na sociedade”. O deputado ressalta: “É preciso levar todos os temas (para o CDES), como por exemplo, o projeto de corte e remuneração dos CCs, que o governo apresentou direto em sessão extraordinária. Este também poderia ter entrado na discussão do CDES”.

Silvana Covatti / Foto: Agência de Fotos da Assembleia

Sílvana Covatti, líder do PP, considera o Conselho importante para os legisladores. “Ele não interfere na criação das leis aqui na AL. Pelo contrário, os projetos do governo virão mais bem elaborados para nós. O Conselho é positivo e não tira o papel do legislador, porque ele é formado por membros da sociedade”. Segundo a progressista, “o que modificará para os deputados talvez seja o aumento da responsabilidade na discussão e encaminhamento dos projetos que vierem com o aval do CDES”.

Divulgação
Adilson Troca | Foto: Divulgação

Líder do PSDB, Adilson Troca afirma que “o CDES é uma proposta do executivo para auxiliar o governo em posições políticas. A Assembleia Legislativa é fiscalizadora, aprova ou não propostas. Portanto, uma coisa não interfere na outra”. Para o tucano, “o Conselho será um órgão para aconselhamento político e não terá interferência no trabalho dos legisladores”.

Resultado contrário

Doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e ex-membro do Conselho nacional, Sonia Fleury lembra que o CNDES provou, em seus oito anos de atuação, que não oferece qualquer perigo ao parlamento. Deputados e senadores não perderam força política, com a criação deste espaço em que a população participa e opina.

De janeiro de 2003 a dezembro de 2006, Sônia participou do Conselho. Ela esclarece que o órgão não é vinculante ou deliberativo. Portanto, o governo federal não é obrigado a seguir as diretrizes discutidas e sugeridas pelo Conselho. “É um canal que se cria para a sociedade dialogar com as autoridades, mas principalmente entre si. A importância não é tanto na efetividade do que é proposto, mas, no fato de as propostas serem construídas com base em um diálogo político amplo”, acredita.

Sonia Fleury integrou o CNDES de 2003 a 2006 / Foto: Divulgação

Sônia também salienta que, dentro da cultura elitista que predomina no Brasil, é fundamental a criação de espaços para democracia participativa. “Unir entidades, empresários ou intelectuais que nunca haviam se encontrado antes para que os diferentes atores da sociedade confrontem suas posições e busquem um consenso, é importante”, ressalta.

Para a cientista política Mercedes Cánepa, que também integrou o Conselhão nacional e agora integra o CDES gaúcho, desde a concepção do órgão, a busca de consensos sempre foi a principal finalidade do Conselho. “Não se trata de uma sobreposição de papéis. Eu participei nos quatro primeiros anos e percebo as contribuições do Conselho para o trabalho de vários ministérios e a criação de políticas públicas importantes como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o Minha Casa, Minha Vida”, exemplifica.

As contribuições do Conselhão para a formação de uma agenda nacional de desenvolvimento também são ressaltadas por Sonia Fleury. “Muitas coisas viraram lei, como a proposta da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas e o Simples. Mas, como tem muitos setores representados, às vezes, alguns temas acabam não avançam para soluções efetivas, como a proposta que eu fiz sobre a redução da taxa de juros, que, por reivindicação de alguns setores, o governo federal acabou não adotando naquele momento”, revela.

Experiência e questionamento

A experiência de Conselhos de Desenvolvimento Econômico e Social é bem sucedida em mais de 40 países. O prefeito de Canoas, Jairo Jorge, foi secretário executivo do CNDES e defendeu a integração do Brasil na Associação Internacional dos Conselhos Econômicos e Sociais e Instituições Similares (AICESIS). Segundo ele, o Conselho nunca prescindirá da sociedade ou concorrerá com qualquer outra forma de exercício da democracia, seja ela participativa ou representativa. “A sociedade continuará organizada ou organizando-se em movimentos e fóruns. Mas, existe um novo instrumento de construção de vontades coletivas, que é o CDES. Pode não representar toda a sociedade, pela limitação de conselheiros, mas, os consensos poderão dar uma diretriz mais plural para atender a maioria da população”, fala.

Jairo Jorge /Marco Quintana/Sul21
Foto: Marco Quintana/Sul21

O cientista político e ex-assessor do CNDES Benedito Tadeu César questiona a funcionalidade do Conselho proposto por Tarso Genro, tanto em nível nacional quanto estadual. “O Conselho não é estatal, mas é do governo”, afirma. Benedito reclama da demora na publicação de um regimento interno do órgão e contesta o fato de as regras serem elaboradas pelos próprios integrantes do Conselho. “Como uma pessoa que criou nacionalmente o Conselho é a que cria o mesmo órgão no RS, a expectativa é de que seja a mesma coisa. As próprias pessoas que compõem o CDES foram convidadas pelo governador”, critica.

Benedito faz suas críticas baseado na forma como são constituídos os Conselhos de outros países. Um de seus questionamentos é sobre o próprio Poder Executivo ter proposto a criação do CDES. “Em países como a Alemanha, França, Espanha e Portugal, os Conselhos são autônomos e o governo é que é convidado a participar”, salienta.

Em alguns países, os conselhos deliberam sem precisar que o governo lhes encaminhe projetos de lei e sem nem mesmo precisar da aprovação do legislativo. “Em países escandinavos, por exemplo, o CDES é um órgão auxiliar do legislativo e não do executivo. Um corpo amplo de técnicos responde as demandas trazidas do parlamento para os conselheiros”, explica.

Convivência

Os entrevistados pelo Sul21 entendem que está superado o debate sobre a possibilidade de as democracias representativa (os eleitos para Assembleia, Câmara Municipal, Câmara Federal, Senado) e participativa (Orçamento Participativo, CDES, Comissões, Movimentos, Sindicatos) conviverem harmonicamente. Elas não são excludentes.

Para a futura coordenadora do Orçamento Participativo, deputada estadual Cecília Hypólito (PT), as duas formas são diferentes, porém, não são únicas. “O legislativo não é a única forma de organização da sociedade. Ele é uma delas, para a qual as pessoas escolhem seus representantes para tratar de projetos de seu interesse. Os conselhos, sindicatos e movimentos sociais também são legítimos. Então, criar um novo espaço para que todos participem é mais uma forma de democracia”, explica.

Cecília recorda a criação do Orçamento Participativo no Rio Grande do Sul, durante a gestão de Olívio Dutra (1999 — 2002). “Na época, foram apresentadas mais de 1,5 mil emendas na votação do Orçamento do governo. Eram dos Coredes e outros conselhos. Como os recursos para o OP eram uma parte menor do todo, tivemos que equalizar todas as emendas de modo a equilibrar o orçamento para que não ficasse descaraterizado e atendesse o apresentado pelo governador. E não se questionou o número excessivo de emendas. Se achou normal”, compara.

O Projeto de Lei Orçamentária causou uma reação dos deputados de oposição ao governo Olívio, levando o legislativo a criar seu próprio processo participativo: o Fórum Democrático. O argumento para justificar esta postura foi o mesmo suscitado na criação do CDES de Tarso Genro hoje: a sobreposição de poder. Na visão da oposição, os coordenadores do OP iriam se sobrepor ao papel desempenhado pelos Coredes.

“Em 89, quando o OP foi criado em Porto Alegre, surgiu este debate, que voltou, agora, quando foi criado o Conselhão. Isto já foi superado. Todos são instrumentos de diálogo e é normal que gerem reações nos setores, mas o OP e o Conselhão são exemplos de que essa democracia participativa só fortalece o trabalho dos governos, de forma propositiva para as políticas públicas calibradas”, avalia o prefeito de Canoas Jairo Jorge.

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