Opinião
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18 de novembro de 2022
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08:22

Como apequenar uma Conferência Municipal do Meio Ambiente em Porto Alegre (por InGá)

Parque da Redenção, um dos alvos do desmonte da política ambiental em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21 )
Parque da Redenção, um dos alvos do desmonte da política ambiental em Porto Alegre. (Foto: Luiza Castro/Sul21 )

InGá (*)

As conferências de meio ambiente são espaços preciosos de diagnósticos e construção democrática de políticas ambientais na dimensão holística da problemática, em diferentes âmbitos: nacional, estadual e municipal. Reúnem-se para discussão e elaboração de propostas a sociedade civil, em particular da área ambientalista, técnicos de órgãos de meio ambiente, universidades e público em geral preocupado com estas pautas.

O presidente eleito, Lula, em seu primeiro discurso após o resultado das eleições de 2022, deu destaque à retomada das conferências que incorporem a sociedade na construção das políticas socioambientais.

As entidades ambientalistas, e neste caso podemos destacar aqui um documento do Ingá do ano de 2020, assinalaram que, para o município de Porto Alegre, as retomadas das Conferências Municipais de Meio Ambiente eram fundamentais. A última foi em 2012, ou seja, há 10 anos, interrompendo-se um processo que deveria ser contínuo no acompanhamento da pauta ambiental e das metas, via resoluções, e moções aprovadas nas conferências anteriores.

Assinalamos em várias reuniões do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam), há mais de um ano, que era condição para a realização da atual Conferência, a realização de um diagnóstico das políticas adotadas em nível municipal, entre o período da conferência anterior e a atual. Sem isso, as conferências recorrentemente se tornam vitrines governamentais de boas intenções, mas um fracasso em resultados efetivos. A não realização de diagnósticos e monitoramentos quanto ao aperfeiçoamento das políticas públicas demandadas em conferências, avaliando-se sempre o que foi ou não atingido, entre os respectivos eventos, retomando-se os temas sempre na estaca zero, cria uma sensação questionável de que existe intenção e possibilidades verdadeiras de enfrentamento aos problemas ambientais, a despeito da realidade em situação que se agrava em diferentes âmbitos.

É imprescindível que as conferências tenham o protagonismo da sociedade, com visão crítica que aponte lacunas e necessidades qualitativas, quantitativas e temporais (curto, médio e longo prazos), que possam ir além da temática da emergência climática, incorporando a perda da biodiversidade, as áreas naturais e rurais (agroecologia), a questão dos resíduos e o drama dos galpões de reciclagem, a poluição, a educação ambiental, tudo isso que já foi realizado com brilhantismo nos diferentes grupos de trabalho (GTs) na V Conferência de 2012.

Na V Conferência, foram nomeados 12 membros, por meio da Portaria 39 de 30/01/2012, sendo 8 membros da sociedade, com acento no Comam, e 4 membros da secretaria, incluindo seu corpo técnico. Cabe destacar que o êxito da Conferência de 2012 se deu em grande parte pelo empenho incansável, na garantia da democracia e da efetividade daquela rodada de discussões e elaborações, por parte dos saudosos professores da UFRGS, a Dra. Georgina Bond Buckup e do Dr. Ludwig Buckup, que nos deixaram durante o ápice da Covid-19, representando a ONG Igré e demais membros de outras entidades, como o Instituto Econsciência.

Infelizmente, a atual VI Conferência Municipal de Meio Ambiente de novembro de 2022 foi montada de forma autoritária, como é o perfil da atual gestão da administração municipal do governo Sebastião Melo, um prefeito apoiador da candidatura e continuidade do governo de Jair Messias Bolsonaro, que destruiu a política ambiental no Brasil, envergonhando o país perante o mundo. Lembramos que o atual prefeito e seu vice também apoiaram nas eleições de 2022, para o governo do Estado, o nome do ex-ministro da Casa Civil, igualmente negacionista da gravidade da pandemia de Covid-19 e das mudanças climáticas, Onix Lorenzoni. No rol de negacionismos e obscurantismos, o vice-prefeito de ultradireita, Ricardo Gomes, oriundo do MBL, chegou ao ponto de se manifestar contra os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS-2030), assinalando tratar-se de uma “pauta de esquerda”, quiçá de comunistas…

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, na montagem desta conferência, reduziu o espaço de construção de sua elaboração e programação somente para o Comitê Executivo, formado por três pessoas, sendo um representante da Secretaria e dois outros de entidades que fazem parte do Conselho de Meio Ambiente. Ao Comam restou receber as informações das iniciativas por eles tomadas, mas sem diálogo para receber as propostas apresentadas. Cabe lembrar que, desde 2021, as entidades ambientalistas (Amigos do Meio Ambiente, Agapan, posteriormente Ingá e Igré), além do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, vinham reivindicando a realização prévia de um balanço das resoluções da última, como forma de se avançar nas debilidades das políticas ambientais, no presente espaço da VI Conferência, sugerindo a inclusão de pautas tão importantes como a das Mudanças Climáticas, como havia ocorrido em 2012.

Portanto, na programação do atual evento entre os dias 17 e 19 de novembro de 2022, abstraiu-se a avaliação do andamento das Resoluções e Moções aprovadas na última e V Conferência, excluindo-se o rol diverso e necessário de temas e maior participação interna do Comam neste evento.

Infelizmente, esta forma autoritária vem sendo regra na condução tanto do Comam como do Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA), gerenciado pela mesma secretaria, SMAMUS, tendo o mesmo presidente o Secretário Germano Bremm, que vem impondo temas de interesse do setor imobiliário e limitação forte da participação da sociedade, situação que ficou evidente na mudança do regime urbanístico de uma Área de Proteção ao Ambiente Natural para de Uso Intensivo, contemplando interesses da empresa responsável pelo empreendimento Arado Velho, no bairro Belém Novo.

No caso, parece ser conveniente eliminar temas indigestos em uma conferência que trata de temas ambientais, para um governo que é permissivo aos setores empresariais imediatistas que querem virar o Plano Diretor de cabeça para baixo. O novo Plano prevê contemplar os interesses dos grandes setores que investem na especulação imobiliária e na expansão descontrolada via megacondomínios sobre áreas naturais e rurais. Obviamente, existem outros temas espinhosos como no caso de uma cidade que vê sua arborização ser amplamente mutilada, as unidades de conservação abandonadas, falta crônica de técnicos em várias áreas, a privatização a passos largos de parques e de áreas verdes, com desfiguração da paisagem cultural e histórica de Porto Alegre, sem falar na poluição ambiental e na ausência de um programa decente de reciclagem e de uma rede de monitoramento da qualidade do ar, entre outros exemplos. Estes temas são denunciados frequentemente pelas entidades ambientalistas, e aqui lembramos, entre outros alertas, o documento de fevereiro de 2021: “Entidades denunciam desmonte da proteção ambiental em Porto Alegre”.

Assim, este estrangulamento da democracia não ocorre por acaso. O grande setor empresarial, que promoveu em 2021 uma motociata (propaganda eleitoral antecipada) em prol do presidente Jair Bolsonaro, tem acento e influência no Conselho Municipal de Meio Ambiente, com objetivos nem sempre de avanços na política ambiental municipal.

Os desvios do interesse público acontecem também, infelizmente, pela ajuda de alguns setores não governamentais no Conselho de Meio Ambiente, alinhados aos interesses da Secretaria e da Prefeitura. Entretanto, o enfraquecimento do Comam surgiu a partir de 2017, quando do então secretário da SMAM, Maurício Fernandes, na gestão do prefeito Nélson Marchezan Jr. O então secretário elaborou, de forma unilateral, um edital que excluía a indicação (representatividade histórica de mais de 30 anos) do setor ambientalista, via Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (Apedema-RS), reconhecida no CONSEMA, para compor as quatro vagas do setor no Conselho Municipal de Meio Ambiente. Tal situação se repetiu em 2020 e 2022, com o agravante da inclusão de um sorteio obrigatório para as entidades ecologistas que se candidatassem ao Conselho, à semelhança de um processo de “bingo da sorte”, criado por um decreto de Jair Bolsonaro em 2019, para eliminar as eleições no CONAMA que resguardavam a representatividade das entidades ambientalistas que tivessem maior número de votos.

Não por acaso, uma entidade ambientalista que, sem representatividade reconhecida perante seus pares, vem disputando e obtendo uma vaga no Conselho, por meio de sorteio, à revelia da Apedema, tendo se alinhado ao governo, votando em grande parte contra as entidades ambientalistas da Apedema e inclusive tomando espaço, mesmo que por votação interna do Conselho, no Comitê Executivo do Comam, definindo-se assim um “petit comité”, tutelado pelo governo, na programação desta Conferência.

Neste sentido, fica aqui nosso protesto, destacando que InGá e MJDH, quando de sugestões apresentadas à atual Conferência, tiveram suas inscrições e a palavra cortadas pela decisão unilateral da presidente-adjunta do Conselho, Sra. Ângela Molin, na última Reunião Ordinária do Conselho Municipal de Meio Ambiente, ocorrida no mês de outubro de 2022.

De qualquer maneira, já é importante pensarmos em uma nova Conferência Municipal de Meio Ambiente, alinhada às Conferências Nacionais que virão, e que seja construída democraticamente, de baixo para cima, abarcando GTs que reavaliem as Resoluções aprovadas anteriormente e as confrontem com a realidade atual, em temas diversos, além da importantíssima pauta das mudanças climáticas, como biodiversidade e agrobiodiversidade, educação ambiental, poluição, resíduos, democracia e qualidade da gestão de Meio Ambiente, entre outros.

(*) InGá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (17/11/2022)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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