Opinião
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8 de agosto de 2022
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11:19

“Prefiro morrer” (por Cassio Machado)

Protesto em Porto Alegre lembra vítimas da covid-19. (Foto: Avico/Divulgação)
Protesto em Porto Alegre lembra vítimas da covid-19. (Foto: Avico/Divulgação)

Cassio Machado (*)

Poderia ser a fala de um filme dublado da Sessão da Tarde, e a cena poderia ser composta por um casal em um carro de ângulos retos que estaciona em frente a uma joalheria, ou dois jovens escondidos por uma mesa virada, no que pretendia ser um plano perfeito, ou ainda um dos encapuzados sentados na carroceria de uma caminhonete enquanto puxa o ferrolho de um fuzil. 

“Eu atiro para matar, mas ninguém me leva preso.”

Poderia? Sim, poderia, mas essa frase foi proferida por aquele eleito pelo voto popular, para, durante quatro anos, desempenhar a função de chefe de Estado, criando políticas públicas e programas governamentais, gerindo a administração federal, sugerindo novas leis, escolhendo ministros, vetando ou sancionando projetos de lei aprovados pelo Legislativo. 

Ponderar que o responsável pela administração pública federal, durante uma pandemia com mais de 679 mil mortes, quando questionado sobre a possibilidade de policiais baterem em sua porta após deixar o cargo, demonstra claro receio de responder por crimes e ter sua liberdade privada. Tal fato talvez seja uma das melhores sínteses, não apenas de um governo (o atual), mas também das relações estabelecidas entre ele e a pandemia. 

Não foram dois, três, ou cinco especialistas da área da saúde, uma categoria profissional ou uma instituição isolada que construíram e defenderam a tese que todas as ações governamentais voltadas ao enfrentamento da pandemia e suas reverberações foram imprecisas, desacertadas e despropositadas. A Organização Mundial da Saúde calcula que o real número de mortes atreladas à pandemia deva ser até 3 vezes superior ao apresentado, pois, segundo a Organização, deve-se considerar também o número causado pela desassistência resultante da superlotação dos serviços. Nessa fórmula nos aproximamos hoje do patamar de 2 milhões de mortes relacionadas à pandemia. Outros estudos, como o da Universidade Federal de Pelotas, descrevem o quantitativo de mortes evitáveis, aquelas cujo desfecho poderia ser diferente caso medidas adequadas fossem adotadas. Segundo os pesquisadores no Brasil, esse número poderia chegar a 60% das perdas. 

Embora atualmente ele seja acusado apenas de abuso de poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea, outras denúncias já estão protocoladas no tribunal de Haia, responsável por investigar e julgar indivíduos acusados de crimes contra a humanidade, como, por exemplo, o genocídio.

“Prefiro morrer”, ele disse, entre muitos que não tiveram escolha.

(*) Psicólogo, atua no Grupo Hospitalar Conceição (GHC) ([email protected])

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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