Opinião
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1 de abril de 2022
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09:00

Os efeitos da guerra na economia brasileira (por Flavio Fligenspan)

Foto: Stringer/TASS
Foto: Stringer/TASS

Flavio Fligenspan (*)

Passado mais de um mês da invasão da Ucrânia pela Rússia, discutem-se no Brasil os efeitos econômicos do conflito. Para além do horror que qualquer guerra representa e da cada vez mais intensa manipulação das informações sobre o que realmente acontece e quais os interesses envolvidos, a atividade econômica segue ao redor do mundo e os mercados tentam se reposicionar diante dos acontecimentos. Há um debate em voga no Brasil sobre as consequências da guerra, com algumas certezas e muitas dúvidas.

O que já parece certo é a alta de preços internacionais de commodities em geral, energéticas, agropecuárias e metálicas, com repercussões inevitáveis sobre a inflação brasileira; e, em função do aumento da inflação, a elevação dos juros e a persistência de um patamar de juros altos por mais tempo, antes de começar um novo ciclo de baixa. Estes dois fatores não apenas já estão dados para 2022, como devem transferir seus efeitos negativos para 2023 ou talvez até mais além, a depender da extensão do conflito, da duração e alcance das sanções impostas à Rússia e da resposta russa às sanções.

Um ponto que parece menos claro no momento é que impacto a guerra traz para o crescimento da economia brasileira em 2022, e talvez até para 2023. Lembre-se que no primeiro ano da pandemia o PIB caiu 3,9% e em 2021 cresceu 4,6%, portanto, no ano passado se repôs tudo que foi perdido em 2020 e ainda restou um pequeno acréscimo. Contudo, há que se fazer duas qualificações a este respeito: primeira, a recuperação de 2021 sofreu uma nítida perda de “fôlego” desde o segundo trimestre daquele ano, quando praticamente parou de avançar; e segunda, o ritmo atual de crescimento não é muito diferente do que se viu desde 2017. E a pior notícia, o PIB do final de 2021, mesmo repondo além do que foi perdido em 2020, ainda é 2,8% inferior ao do início de 2014, antes da penúltima recessão.

Ou seja, a discussão sobre o crescimento deste ano se dá neste ambiente de uma economia “anêmica”. Pois bem, diante da guerra e seus efeitos sobre a inflação e os juros, tudo indicava que as projeções de crescimento, já fracas, estariam comprometidas. Porém, à medida que o mês de março foi passando, começaram a aparecer projeções que alteravam os números anteriores para cima, e não para baixo, numa variação de 0,2 pontos percentuais a até 0,7 pontos percentuais. Tais alterações se basearam, principalmente, em dois fatores.

O primeiro, uma entrada significativa de dólares no primeiro trimestre deste ano, atraídos por taxas de juros elevadas e por oportunidades na bolsa brasileira, principalmente pela valorização de empresas que exportam as commodities com preço em alta no mercado internacional. Esta entrada de dólares valoriza a moeda nacional, torna as importações mais baratas e ameniza um pouco a inflação. E segundo, as exportações de commodities geram renda e emprego no Brasil, com efeitos diretos e indiretos em diversas cadeias produtivas. Há um fator adicional que guarda uma relação indireta com a guerra, são os gastos do Governo Federal e dos Estados em ano eleitoral, turbinados recentemente na tentativa de angariar apoio popular, numa resposta ao projetado aumento da inflação.

A pergunta é se estes fatores de estímulo à atividade seriam suficientes para compensar outros tantos negativos, a saber. Taxas de juros mais altas e mais persistentes travam o consumo e o investimento, aliás este é exatamente o objetivo do Banco Central no que se refere ao controle da inflação. No caso do consumo, a situação é bem ruim, já que o mercado de trabalho tem crescido basicamente pelo aumento da informalidade e com rendimentos médios em baixa, o que diminui a massa de rendimentos dirigida ao consumo das famílias. Conjunturalmente, o quadro não é bom, pois os indicadores de endividamento e de dívidas em atraso têm crescido, assim como o percentual de famílias com dívidas no cartão de crédito, sabidamente com taxas de juros muito altas, o que leva a um círculo vicioso de endividamento.

Sobre o investimento, o dólar mais barato ajuda as importações de máquinas e equipamentos, mas o juro alto e a incerteza do ano eleitoral jogam contra. Na construção civil, um destaque positivo em 2021, novamente os juros altos têm um efeito contrário, pois encarecem o financiamento; além disso, os custos do setor aumentaram bastante desde 2020. Outro elemento importante é o fato de que muitas empresas pequenas e médias ainda estão “digerindo” a conta dos empréstimos especiais tomados em 2020, no auge da pandemia, que esperavam pagar com a retomada da atividade. O problema é que a retomada tem sido lenta e os juros desses empréstimos cresceram, o que as deixam sem fôlego financeiro para investir ou mesmo para tocar o seu dia a dia.

Para complicar, existem ainda problemas diversos não resolvidos em todo o mundo desde o início da pandemia, como a desorganização das cadeias produtivas, a escassez de semicondutores, as dificuldades de logística e o encarecimento do transporte marítimo, fatores que geram aumentos de custos de produção, agora agravados com a guerra. Sem esquecer, é claro, a própria incerteza sobre o surgimento de novas cepas do coronavírus, influenciando a duração e a gravidade da pandemia.

Enfim, o balanço destes vários fatores foi suficiente para muitas instituições e operadores do mercado financeiro refazerem suas projeções de crescimento da economia brasileira para cima em 2022, mas não muito, dado o ambiente de pouca força desde 2014. Outros analistas se renderam à incerteza causada pela guerra e seus efeitos, que nem se sabe quanto tempo vão durar, preferindo não fazer projeções. Me parece que os aspectos negativos são suficientemente importantes para se imporem, sobretudo considerando o ambiente frágil que vivemos há pelo menos sete anos e que não favorece o crescimento.

De qualquer forma, é bom não perder de vista que este debate se refere a variações marginais de um PIB estruturalmente fraco. E ainda devemos ficar atentos para algo pior que pode acontecer: o transbordamento dos efeitos negativos para 2023, pois que a urgência de remontar institucionalmente o país já vai exigir um sacrifício suficientemente grande a partir do ano que vem.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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