Economia
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28 de dezembro de 2021
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09:43

As previsões econômicas e a trajetória que realmente importa (por Marcelo Milan)

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Marcelo Milan (*)

As previsões econômicas, em geral, têm o valor de uma cédula de R$ 3,30 (na verdade, o valor inicialmente pensado era de R$ 3,00, mas a inflação acumulada em 12 meses até Novembro quebrou o recorde de quase duas décadas, remetendo à herança maldita dos anos FHC e sugere a atualização monetária do exemplo). Esta elevação acelerada dos preços médios, como se sabe, resulta da Nova Matriz Econômica seguida pelo Ministro Guido Mantega desde 2016, que insiste em brincar com coisa séria, adotando o teto da meta de inflação como novo centro para definir a taxa de juros natural ou neutra (perdão pelas gargalhadas). Para reduzir a inflação, garantir a credibilidade da política (perdão novamente) e controlar as expectativas, é preciso austeridade fiscal e monetária e um n-ésimo conjunto de reformas liberais. Por isso sugere-se a troca do Ministro desenvolvimentista por alguém com conhecimentos profundos de economia, não necessariamente da economia, como o Chicago “Boy” Paulo Guedes. Ou talvez Joaquim Levy? O executivo federal poderia aproveitar a virada do calendário para nomear alguém que efetivamente entenda de economia e possa reduzir a inflação e promover a retomada do crescimento e do emprego, colocando fim à malfadada experiência criptocomunista.

Incompetência macroeconômica à parte, que, enfatize-se, não é fundamental para a dinâmica da economia no longo prazo, é interessante conjecturar sobre o papel das previsões econômicas. Como igualmente sabido, as últimas foram criadas para tornar a astrologia respeitável e justificar as as medidas fiscais e monetárias para concentrar a renda. Mas elas são inevitáveis. Dada a existência da incerteza fundamental no sentido de Knight-Keynes-Rumsfeld, em que o futuro no plano cronológico (calendário Gregoriano) é totalmente imprevisível, trazendo desconforto para aqueles que precisam acumular capital em uma forma específica (ou não universal), e que a mensuração da atividade econômica não é feita nem divulgada de forma instantânea, surge a indústria das previsões. Ou seja, há agentes que pagam (e caro!) por projeções sem qualquer valor efetivo em comparação com um símio atirando dardos em números aleatórios (e que o faria por algumas bananas) (pausa para recuperar o fôlego – e os músculos do diafragma).

Outro elemento esclarecedor sobre as previsões é que elas, na maioria das vezes, são feitas para períodos curtos, quando a quantidade de elementos passíveis de mudança rápida é menor. No longo prazo a direção, as fontes e a intensidade das mudanças torna as previsões ainda mais irrelevantes. E nem com intervalos curtos de tempo os analistas econômicos que se dedicam à cartomanc, ops, futurologia conseguem acertar – pelo menos para além da mera sorte… O ano de 2021 está terminando e ainda há previsões sobre o PIB sendo feitas. E esses “erros de previsão” frequentes não dizem necessariamente respeito ao comportamento dinâmico da economia, o que seria, até certo ponto, justificável, ao se abraçar a incerteza e a complexidade. As previsões tentam controlar os múltiplos efeitos cumulativos e recíprocos entre as variáveis econômicas transformando uma boa parte delas em parâmetros, ou seja, transformando dinâmica em estática. Não é surpreendente que não funcionem.

Para além do afastamento da realidade econômica, haveria outras razões para os erros de previsão? Um primeiro elemento explicativo não econômico parece ser o título de eleitor. Como a economia não está isolada da evolução política, as previsões introduzem um elemento adicional de mudança, com intervalos e intensidade igualmente mutantes, o que proporciona sempre um componente adicional de incerteza e uma desculpa pronta para a falha das previsões (o problema é quase sempre a política, quase nunca o funcionamento da economia). Cabe enfatizar neste caso que um dos principais instrumentos de “análise” econômica é o título de eleitor. E a carteirinha de filiação partidária. A previsão se torna reflexo de visões político-partidárias.

Assim, por exemplo, nas eleições de 2018 as previsões de colapso econômimco em caso de vitória do candidato de esquerda, com o dólar disparando (nota: a moeda estadunidense alcançou mais de R$ 5,5 nos últimos dias – Chicago “Boy” Guedes, conhecido por suas previsões acuradas – vide o caso do gás – afirmou tempos atrás que teria de fazer muita besteira para o preço do dólar alcançar R$ 5,0 – sem mencionar que sua fortuna no paraíso fiscal seria correspondentemente multiplicada). E o cenário se repete para as eleições de 2022. Um exemplo mais apropriado não vem de previsões em períodos eleitorais, mas de avaliações do desempenho econômico conforme a coloração partidária. Assim, o Índice de Miséria, soma das taxas de inflação e da taxa de desemprego, era utilizado para desancar o segundo mandato de Dilma Rousseff, não as políticas austericidas de Joaquim Levy. Em 2015 e 2016, cálculos de índices de miséria pululavam na esgotosfera. Hoje, aparentemente, desapareceram. 

Um segundo componente não econômico é o estado mental dos analistas. Em meados dos anos 2000, o excelente analista financeiro (CFA) Robert Parenteau, ao discutir a financeirização da economia norte-americana, notou a discrepância entre o comportamento efetivo dos lucros empresariais e as previsões dos analistas de Wall Street para o crescimento dos rendimentos das ações das empresas de um importante índice do mercado acionário. Ele atribuiu esta divergência gritante ao estado mental dos analistas após fumarem alguma substância alucinógena. Este é um ponto que não pode ser ignorado. Ao tomar conhecimento de algumas previsões econômicas, é difícil evitar a conclusão de que foram feitas após inalar tolueno ou cheirar meia de maratonista (depois da maratona). Se bem que a turma da bufunfa, para emprestar expressão do genial Paulo Nogueira Batista Jr., pode apelar para éster de ácido benzoico de elevado grau de pureza. E assim são feitas muitas previsões: o título de eleitor em uma mão e a lata/meia/nota de dólar pronta para a carreira na outra. Entre uma cafungada e outra, uma “análise científica” da economia e a previsão com forte embasamento…

A tese de Parenteau não pode ser descartada, até porque ele conhecia bem o público de que falava (e há uma forte correlação entre o preço médio da coca e as previsões de alta nos indicadores econômicos). Contudo, ela não pode obliterar a possibilidade de que a fantasia seja real. A fantasmagoria pode bem ser um estado natural destes analistas, não necessariamente estimulado por substâncias e odores psicotrópicos. Keynes, na edição d’Os Economistas da Abril Cultural, argumentava que “Além do mais, acontece que as características do caso especial assumido pela  teoria clássica não são estas da sociedade econômica em que efetivamente vivemos, com o resultado que seu ensino é equivocado e desastroso se nós tentarmos aplicá-la aos fatos da nossa experiência.” (Keynes, 1983, p.43, grifos adicionados). Faltou ao pensador bretão responder: desastroso para quem? Não obstante, no caso dos analistas econômicos e suas previsões, houvesse mais estilo, riqueza vernacular e carga de leitura, seria possível até uma tentativa de aproximação com o realismo mágico latino-americano, com menos realismo e mais pensamento mágico. Cria-se um mundo à parte, uma realidade paralela para ofuscar a verdadeira realidade e os interesses econômicos e políticos. Os estudantes franceses de economia corretamente identificaram esse mundo alternativo com o autismo. Como acertar previsões sobre o mundo real com base em outra realidade?

A segunda melhor metáfora para a análise econômica ortodoxa e suas previsões é a do bêbado que procura uma chave embaixo do único poste iluminado da cidade. O ébrio é então abordado por um policial. Este, para não perder o costume, bate primeiro e interroga depois. O bebum confessa sob tortura que não sabe onde perdeu a chave, pois estava escuro e sob o poste está o único ponto iluminado. Se o mundo real é complexo e incerto, é melhor criar um mundo paralelo em que as conexões causais e comportamentais são simples, diretas, lineares e controladas pelo próprio analista. E a melhor metáfora é aquela em que o bêbado é cego (o que não impede que seja espancado) e o poste não tem luz em razão do apagão. 

O Chicago “Boy” Guedes, paciente dileto do Dr. Simão Bacamarte, delira que a economia brasileira está decolando quando nova recessão parece muito mais provável. Como explicar a trajetória em И (letra cirílica I – a esta altura os símbolos para descrever graficamente a trajetória temporal da economia já foram exauridos)? Voluntarismo político-partidário? Cola estragada? Fantasia ortodoxa orgânica? O alienista sabe que a loucura pode ser calculada. Substituindo ‘economia brasileira’ por lucros e outras rendas do capital, tudo fica claro e a previsão é artifício de malandragem, tal qual o paraíso fiscal. A questão é que este movimento cria uma armadilha. A discussão se volta a saber se o PIB vai cair 0,16% ou 0,28% no próximo intervalo temporal escolhido. Ao não se questionar este “debate”, a agenda fica presa à evolução temporal com três pontos temporalmente próximos (no caso do crescimento, valor inicial do PIB, valor mínimo do PIB e valor de chegada do PIB). Ao tentar prever a trajetória até o quarto ou próximo valor do PIB desloca-se a discussão para o curto prazo, fazendo eco ao próprio movimento do capital financeirizado, a busca de lucros a serem extorquidos no menor prazo possível e que já sinaliza a derrota do objetivo de desenvolvimento. É o salve-se-quem-puder generalizado, com o Estado e os trabalhadores sendo saqueados em múltiplas frentes sob a previsão de que o sacrifício social para o ganho da minoria será recompensado na próxima esquina (ou no próximo PIB). 

É preciso olhar para estes movimentos contra um quadro que considera a trajetória histórica e como as oscilações na economia se relacionam com ela. Ou seja, o ciclo não deve ser analisado isolado da tendência. A sequência mecânica do ciclo econômico, recessão, recuperação, prosperidade e desaceleração não permite observar como os desvios da trajetória contribuem para sua própria materialização no período recente, passado, presente e futuro (dica para quem vive de previsão), nem como as flutuações refletem o dinamismo (ou falta de) de longo prazo. Uma economia cronicamente estagnada não pode gerar oscilações explosivas. Portanto, a previsão relevante é, na verdade, uma constatação: a retomada ou recuperação, sinalizando simplesmente a saída da fase de recessão, é a convergência para uma tônica de estagnação que exige uma brutal desigualdade para manter as rendas do capital em expansão. Comporta, no máximo, surtos curtos de expansão conjuntural do PIB. Em resumo, a conjuntura cíclica é irrelevante em um quadro de estagnação estrutural.

Como o foco na trajetória estrutural não acontecerá, fixe-se eternamente na conjuntura de curto prazo e nas políticas de desestabilização da trajetória estagnada. E já que não se encontram índices de miséria tão facilmente nestes dias de inflação recorde e desemprego estratosférico (se bem que não foi feita nenhuma busca mais apurada neste sentido, nem mesmo seguindo o rastro das latas/meias), ele está na casa dos 22% (pouco mais da metade devido ao desemprego). Culpa do desenvolvimentismo e das políticas intervencionistas da Nova Matriz Econômica, que serão depurados apenas com um Golpe político envolvendo os quatro poderes e mudança na orientação das políticas econômicas…

(*) Bacharel, Mestre e Doutor em Economia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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