Opinião
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24 de novembro de 2021
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11:14

Qual diálogo, secretária Janaína? (Coletivo de professoras e professores de Filosofia)

Manifestações do dia 15 nas ruas de Porto Alegre, em frente à Secretaria de Educação e em frente à Prefeitura. (Foto: André Pares)
Manifestações do dia 15 nas ruas de Porto Alegre, em frente à Secretaria de Educação e em frente à Prefeitura. (Foto: André Pares)

Coletivo de professoras e professores de Filosofia da Rede Municipal de Educação de Porto Alegre (*)

A exclusão da Filosofia das escolas públicas de Porto Alegre foi comunicada sumariamente pela Secretária de Educação no fim da tarde de sexta, 12 de novembro, através de um documento burocrático, via redes sociais, autointitulado de “Carta à Comunidade Escolar”. Às vesperas de um feriadão, Janaína Audino ratificou de forma autocrática a reforma curricular que ainda diminui horas de História e Geografia e minimiza a presença do Espanhol, entre outras tantas perdas. A ‘Proposta Pedagógica’, como é chamada pela SMED, não dialogou com professoras e professores da Rede Municipal de Educação, nem com estudantes, nem com as comunidades, nem com Conselhos Escolares, nem com Universidades, e sequer com o Conselho Municipal de Educação – cujo parecer determina a necessidade de um Congresso, dado o vulto das modificações curriculares.

Depois de imposta a reforma pretendida, inclusive desmentindo as sua própria palavra empenhada, como gestora pública, em reuniões, audiências e textos publicados, de que seria uma “construção coletiva”, de “abertura para apresentação de ‘cenários alternativos’” e de “acolhimento de propostas da rede”, a Secretária diz que quer dialogar?

Fomos comunicados da possibilidade de um diálogo com a Secretária – não por seu desejo, mas provocada por iniciativa de parlamentar historicamente ligada à causa da educação pública, a deputada Sofia Cavedon, nossa colega que muito nos orgulha por sua trajetória e compromisso. A Secretária Janaína aceitaria dialogar com professoras e professores de Filosofia da Rede – a princípio, no Auditório da Secretaria; em seguida, seria apenas com quatro profs, e depois, seria online. Em reunião, o Coletivo deliberou declinar dessa nova tentativa de dialogar com a Secretária. Os motivos, que não são novos, são expostos a seguir:

O único grupo que a SMED (e não a Secretária, pois não esteve presente em nenhuma reunião) decidiu supostamente dialogar, durante o processo de implantação da sua reforma pedagógica, foi o que se chamou de GT de Supervisões – do qual, de acordo com a SMED, só poderia participar uma/um supervisora/or de cada escola. Após uma série curtíssima, de pouco mais de dois meses de encontros sem diálogo, e sem respostas, inclusive sobre pedido das supervisões para ter as gravações das reuniões, em 14.10 a SMED decidiu: a) não aceitar a proposta eviada pelo GT (que já tinha sido modificada de acordo com os critérios da própria SMED; b) anular seu prório cronograma que previa uma votação entre a sua proposta e quaisquer outra(s) inscrita(s) (que passassem pelo seu crivo) e, o melhor; c) dizer que a proposta final era de “consenso”, mesmo o GT solicitando para que se retirasss esse termo. Ou seja, com a representação docente não dialogou e cooptou a seu favor o processo, falso em si própio (mais no texto “A SMED Mente”).

Após a entrega em mãos, na SMED, do documento Solicitação de Esclarecimento à SMED, assinado por mais de 50 Conselhos Escolares, em 01.10, contendo uma série de perguntas à Secretaria sobre seu processo impositivo e sem regras claras da reforma curricular, conseguiu-se marcar uma reunião com a Secretária Janaína no dia 08.10. O que segue é o relato de quem esteve nessa reunião: “Além de alguns conselheiros não terem sido autorizados a entrar na reunião, houve uma série de desrespeitos durante a conversa. Ao relatarem sua insatisfação pela forma de construção da matriz curricular apresentada pela SMED, e por a secretária não ter se preocupado em oferecer um espaço para que as comunidades escolares pudessem participar da construção dela, as e os representantes de conselhos escolares escutaram que haveria respaldo legal para que a matriz curricular fosse construída dessa forma e que assim seria feita. Ao contrapor o que era apresentado pela Secretária Janaína e pelo seu então coordenador de Ensino Fundamental, o graduando em história Clark Sarmento, escutaram falas como “isso é apenas o ponto de vista de um pai”, “não tenho culpa se não consegue entender” e que “dialogar não significa concordar”, o que evidencia a indiferença e o desrespeito às necessidades das comunidades escolares.

Ainda foi marcada uma nova reunião para o dia 11.10 que teria a participação de um maior número de representantes, e que foi cancelada no mesmo dia. Soube-se dias depois que o documento “Solicitação de Esclarecimento” foi encerrado via processo eletrônico sem ter sido respondido, pelo então coordenador do Ensino Fundamental. Ou seja, em relação aos Conselhos Escolares, sem diálogo com essas que são as instâncias máximas de poder dentro de cada escola.

Dia 18.10, o professores Ricardo Crissiuma (Coordenador da Graduação em Filosofia/UFRGS), Leandro Raizer (Pró-Reitor de Graduação/UFRGS), João Francisco Rodrigues (Filosofia/Rede Municipal de Poa) e Priscilla Spinelli (Docente Orientadora da Residência Pedagógica – Filosofia/UFRGS), participaram de uma reunião na Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre – SMED. O que segue é o relato do grupo:

“Inicialmente, a reunião havia sido agendada com a secretária Janaina Audino, mas os professores foram recebidos pelo então coordenador de Ensino Fundamental, Clark Sarmento. As e os professores defenderam a importância da filosofia na grade curricular do Rede Municipal de Ensino, bem como um processo que contasse com ampla participação democrática dos profissionais da Rede e da comunidade escolar, o que seria possível somente por meio do Congresso Municipal de Educação. No entanto, a SMED não se demonstrou disposta a ceder no que se refere à manutenção da filosofia na grade nem quanto à adoção das vias legítimas de discussão da reforma curricular. O Coletivo de Professoras e Professores da Filosofia não aceita uma proposta que não garante à filosofia o justo lugar de disciplina que correlaciona os demais conteúdos de forma a apresentar a estudantes o próprio sentido da vida escolar. Mais do que isso: o Coletivo e os professores da UFRGS defendem o lugar da filosofia na grande curricular municipal como elemento
essencial na constituição da consciência crítica dos estudantes e na sua formação para a cidadania. Ou seja, sem nem presença para o diálogo com professoras e professores
universitários (ainda que se tenha sido dito, pela base aliada da Secretária, na Câmara de Vereadores, no mesmo dia, em público, que Janaína teria recebido o grupo).

No dia 10.11, a secretária da Educação de Porto Alegre, Janaína Audino, esteve na EMEF Judith Macedo de Araújo, para uma entrega simbólica de cestas básicas, junto a grande comitiva de assessores. Segue relato do professor de filosofia da escola: “Pensamos, então: aqui uma oportunidade da Secretária nos ouvir, de ouvir a todos…”. Como os nossos alunos sabem da importância das aulas de Filosofia e do modo arbitrário que a secretária tem levado essa nova grade curricular às escolas, perguntamos se eles gostariam de falar com ela, já que a Secretária da Educação, junto com o prefeito, estariam na nossa escola. (Soubemos depois que o prefeito Sebastião Melo não viria). Foi surpreendente ver a disposição dos três alunos escolhidos para conversar com a secretária. Ela buscou dizer que a Filosofia estava “concretizada” como fora da “Base Nacional Comum Curricular”. A BNCC é uma política curricular para o ensino no País.

Os alunos questionaram que tinham amigos e conhecidos de escolas particulares que tinham essa matéria e que ela não seria retirada dessas escolas. Pensamos: “A BNCC só concretiza a retirada da Filosofia dos pobres ou daqueles que não têm como pagar por ela, numa escola particular?”, Ao ser confrontada com esses fatos, a secretária Janaína não conseguiu convencer os nossos alunos. No fim, a secretária levantou-se e finalizou o “diálogo”, deixando uma sensação de injustiça e autoritarismo entre todos que a escutavam.Arrisquei oferecer que ela assistisse uma de nossas aulas de Filosofia antes de decidir por sua retirada. Ela, porém, já havia decidido e o falso diálogo se encerrou”. (texto completo em “Quando não querem nos ouvir de verdade“)

Assim, o Coletivo de Professoras e Professores de Filosofia da RME de Porto Alegre, ao mesmo tempo em que agradece a iniciativa de Dep. Sofia Cavedon, delibera por não estar presente em espaços cujas condições são exclusivamente as determinadas pela atual gestão da SMED, que já deu suficientes mostras de seu desprezo pela democracia e pelo diálogo construtivo e sua afeição pelas falácias e uso de argumentos inválidos – o que a aproxima a perfis autoritários.

A retomada da presença da Filosofia nos currículos escolares como componente curricular, ainda recente, bem revela a fragilidade de nossa democracia e do papel da escola pública como garantidora da autonomia e alteridade para gestores pouco afeitos ao debate e o diálogo libertador. Por isso, não descansaremos no processo de luta pela permanência da filosofia como disciplina escolar, ainda mais na escola pública, como servidoras e servidores públicos que somos. Aliás, luta que já nos toma, historicamente, bem mais tempo que esses três meses nos quais fomos, surpreendentemente, obrigados a resistir a uma Proposta Pedagógica esdrúxula, sem justificativa e/ou fundamentação teórica plausíveis e que atropela o processo democrático.

Assim, dia 10 de dezembro, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Filosofia estará presente, na ágora, em uma aula pública, que privilegiará o diálogo aberto, sem imposições. Ainda que tenhamos tido as recentes experiências comprobatórias de não afeição a este modo de dialogar pela atual gestão da SMED, reforçamos aqui nossa disposição e abertura ao encontro de falas e escutas significativas (como são, sobretudo, as aulas de Filosofia), e consideramos a Secretária Janaína Audino nossa convidada especial. Qual diálogo será possível?

(*) Coletivo de Professoras e Professores de Filosofia da RME de Porto Alegre

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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