Opinião
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23 de novembro de 2021
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18:57

Projeto de Melo enfraquece o SUS e o controle social em Porto Alegre (por Miguel Rossetto)

"Aqueles que testemunham o fechamento de leitos do SUS temem perder seus empregos Foto: Luiza Castro/Sul21

Miguel Rossetto (*)

Não é hábito ler as justificativas dos projetos encaminhados pelo Executivo ou por parlamentares. Infelizmente, pois a leitura ajuda muito a compreender as preocupações e as vontades que orientam as iniciativas propostas. O Projeto de Lei Complementar 026/21, encaminhado à Câmara de Vereadores, reduz os membros do Conselho Municipal de Saúde (CMS), altera competências, impõe representantes da prefeitura e retira a autonomia do CMS. As justificativas apresentadas, pelo prefeito Melo, para reduzir a importância do Conselho Municipal de Saúde impressionam e valem a leitura. Depois de afirmar “premissas dogmáticas” sobre a necessidade da participação social no SUS e que a ele cabe cumprir a lei nacional (sic), o prefeito afirma, também, que a participação social representa, “prima facie”, um sinal de “boas vibrações de uma democracia saudável ou ainda existente” (sic).

O que se espera depois deste falatório todo é a valorização da participação social, mas isso não acontece; o que aparece é uma vontade de acabar com aquelas chamadas “boas vibrações de uma democracia saudável “ainda existente em Porto Alegre. Agora, o prefeito enxerga naquelas “boas vibrações de uma democracia saudável”, que, segundo ele próprio, frequentam Porto Alegre há mais de três décadas, algo que invade a competência constitucional do gestor, uma intrusão indesejável. Ora, o papel do Conselho Municipal de Saúde é exatamente o de compartilhar a gestão da saúde no município, tal qual a lei federal determina.

Em resumo, é para isto que servem os Conselhos Municipais de Saúde, para exercerem o controle social, base estratégica da governança democrática do Sistema Único de Saúde (SUS), aqui, em Porto Alegre, e em alhures. Aliás, é este controle social o responsável pela força do SUS como política de Estado e não de governos transitórios. Segue o prefeito preocupado em corrigir aquilo que considera um grave erro: Porto Alegre tem o dobro de participantes, no Conselho Municipal de Saúde, do que outras capitais. Erro grave uma representatividade ampliada da sociedade porto-alegrense para a gestão do SUS da nossa cidade? Uma capital com quase 1,5 milhão de habitantes, com gestão plena do SUS, e que responde por boa parte dos serviços de saúde prestados à população do RS.

Os recursos para a saúde em Porto Alegre chegam a quase R$2 bilhões, por ano, e devem sim ter sua aplicação orientada e fiscalizada com rigor. O prefeito, preocupado com as “boas vibrações de uma democracia saudável”, reduz dos atuais 85 membros para 42, a composição do Conselho Municipal de Saúde e altera suas competências. Sempre sem negar a importância dos conselhos, numa repetição cínica do verdugo que, antes de matar, anuncia o apreço pela vida-, o prefeito anuncia que a organização do Conselho se deu em uma época de “hipervalorização “da participação e do controle social aqui na capital, e que é momento de pôr “ordem na casa”: tolher a democrática participação social que incomoda tanto.

Essa “hipervalorização” dos conselhos fez de Porto Alegre modelo de implantação do SUS. Com o Orçamento Participativo (OP) e os Conselhos fez-se da nossa cidade referência mundial de democracia e qualidade de vida. Ao final, o diagnóstico inaceitável, vindo de alguém que um dia jurou respeitar a democracia e a participação popular: a democracia é ineficiente e prejudica a população. Os problemas da população de Porto Alegre são de responsabilidade do Conselho Municipal de Saúde. Alguém acredita? É preciso dar velocidade às decisões, diz o prefeito; é preciso sim dar qualidade e eficácia às resoluções e o tempo faz parte desta qualidade. Em definitivo, o controle social e a transparência são condições para uma boa gestão pública, capaz de garantir a qualidade aos serviços de saúde que a população precisa e tem direito.  

Dar velocidade foi o mesmo argumento, utilizado por Bolsonaro, para eliminar de uma só vez 60 Conselhos Sociais Nacionais; a democracia é perda de tempo, diria o ditador. Marchezan, nos seus quatro anos de governo, em meio a brutal pandemia, nunca participou de nenhuma reunião do conselho, nunca escutou os representantes populares dos usuários, dos profissionais da saúde e apostou em um conflito permanente com a participação popular, impondo uma gestão autoritária. 

Não deixa de ser surpreendente que Melo, ontem, jurando compromisso com a participação popular, hoje, procure acabar com as “boas vibrações de uma democracia saudável” e reproduza esta relação autoritária e de conflito destrutivo. O que se espera de um prefeito é outra coisa, é uma postura construtiva, de diálogo com os profissionais da saúde, com os usuários e com as entidades que representam a população porto-alegrense. Sem isso, perde o SUS, perde Porto Alegre. Que a Câmara de Vereadores da cidade e a mobilização popular não permitam este retrocesso, nossa cidade não merece.

Porto Alegre não precisa de menos SUS e menor participação, precisa de mais SUS e maior participação.

(*) Miguel Rossetto foi deputado federal pelo PT, vice-governador do Rio Grande do Sul e Ministro do Trabalho e Previdência Social

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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