Opinião
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24 de novembro de 2021
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06:47

A falácia da Terceira Via (por Céli Pinto)

Eduardo Leite e João Dória (Foto: Gustavo Mansur/Divulgação)
Eduardo Leite e João Dória (Foto: Gustavo Mansur/Divulgação)

Céli Pinto (*)

É possível processos eleitorais com dois polos ideológicos opostos e um mediador sendo a terceira via? A resposta é simples: sim é possível. Em países pluripartidários, não há razão para se pensar diferente. A busca pelo eleitor de centro, nas eleições em países que contam apenas com dois partidos (bipartidarismo), é um clássico das análises da ciência política. Parte-se  da ideia de que há uma parcela considerável da população que não está interessada em política, ou que tem medo de extremos, e tende a votar em candidatos que se aproximem mais do senso comum.

Mas o fato de ser possível não significa que seja inexorável sua presença. Não há nenhum princípio essencial na presença de uma terceira via, de um centro. Isto é importante para avançar no argumento que pretendo desenvolver aqui a partir da pergunta: existe um centro a se constituir, diferente do PT e seus aliados de esquerda e da extrema-direita de Bolsonaro, para ser chamado de terceira via?  Começo por uma resposta peremptória: Não. E explico por quê.

Darei três razões, mas possivelmente há muitas mais. A primeira é que opor Lula a Bolsonaro como dois extremos ideológicos é muita ingenuidade ou má intenção.  São, certamente, polos adversários, mas isto não é sinônimo de dois extremos. Lula foi, por duas vezes, presidente do país e seu partido ganhou quatro eleições presidenciais; Bolsonaro é o atual presidente do Brasil. A comparação entre os governos é fácil de ser feita.  Apesar das aberrações discursivas dos donos do pato amarelo, nas primeiras vezes em que Lula se candidatou, os  seus governos posteriores foram de concertação. No melhor estilo do que André Singer chamou de Lulismo, isto é onde “todos ganham”. E os banqueiros ganharam muito. Ao mesmo tempo, o Brasil saiu do mapa da fome, o salário mínimo teve aumento real de 75%, houve importantes políticas públicas para os mais pobres, inclusive o formidável avanço da política de cotas para negros e estudantes das escolas públicas em geral. Lula fez um governo de centro-esquerda por um simples fato: gostemos ou não, Lula é um político de centro-esquerda.

Já Bolsonaro e sua parentela têm feito um governo de desmanche de extrema-direita, para dizer o mínimo. Prometeu isto e está cumprindo. Atua no sentido de desconstruir não o governo petista anterior, mas as bases da frágil mas valente democracia brasileira, ancorada na constituição de 1988.

O mais trágico para seus apoiadores do andar de cima é que não cumpriu suas promessas ultraneoliberais, que ele próprio não sabia o que era, mas confiava num  Chicago’s Elder, que se revelou de uma incompetência exemplar.  O ex-capitão e sua parentela chegam a 2022 com um grupo pequeno de apoiadores fanatizados e muitos militares bem pagos em cargos de confiança, além de uma trupe venal que habita o Congresso Nacional e que não costuma afundar com o barco.  Tendo por base as condições do fim do ano de 2021, Bolsonaro tem munição para, em tese, dar um golpe de estado, mas não para ganhar as eleições.

A segunda razão para que não exista um centro é que a questão não é um candidato de centro, mas um candidato que substitua Bolsonaro nos corações e mentes da Faria Lima e dos setores da classe média que costumam se arrastar atrás de qualquer um que prometa manter seus privilégios e empobrecer ainda mais os mais pobres.  Bolsonaro até pode ser candidato, e muito possivelmente será, mas há necessidade de um novo candidato de extrema-direita para completar a “obra” do desmonte. E aí despontam algumas figuras. Temos os candidatos de sempre do PDT e do PSDB. O eterno Ciro não sabe se é ultra-inimigo de Bolsonaro ou se pode até fazer uma aliança velada, de ocasião, com forças reacionárias. Sua ambição é puramente pessoal, uma mistura de caudilhismo gaúcho, característico do fundador de seu partido, com o velho coronelismo nordestino. Pari passu vem o PSDB, que perdeu todo o aplomb, pretensamente sustentado por seu maior líder, que até título real tinha para se definir profissionalmente: o príncipe da sociologia. Após o melancólico desastre de 2018, quando Alkmin não conseguiu 5% dos votos, pretendia voltar com o prefeito de São Paulo.  Doria é um tucano de pobres plumagens, segundo alguns, compradas na 25 de Março. É rico, mas brega, e o PSDB gosta de rico com origem na USP.  

Mas era o que se apresentava na ocasião, e sua mediática (e até eficiente) administração da pandemia de covid-19 o cacifava como um candidato de peso. No entanto o partido, mesmo em frangalhos, se dividiu, e um jovem governador apareceu para aqueles que não engoliam o apresentador de TV disfarçado de governador, como o novo, a salvação da lavoura. Deu no que deu, o PSDB viveu algumas semanas gloriosas e a grande mídia também. Parecia que finalmente tinham encontrado o substituto de Bolsonaro, pouco importando se fosse Doria ou Leite. Mas o evento correspondeu à crença de que um moribundo melhora um pouco antes de morrer.  As prévias do partido viraram uma luta de rinha de galos sem regras. Lá se foi o sonho do “centro” novamente…

Resta Sergio Moro, que depois de cometer todos os disparates como servidor público da justiça federal, após negociar com acusadores contra os réus, prender o candidato que poderia ganhar as eleições de seu futuro patrão e ter levado um pontapé nos glúteos daquele a quem foi tão servil, volta. E como? Com a velha, surrada, mas perigosa lenga-lenga do salvador da pátria, um homem de fora da política que vem salvar o país da corrupção. Moro é o homem sem qualidades e um pouco mais civilizado do que o ex-capitão, ideal para cumprir o papel de representante da família margarina e pet de estimação da banca internacional e dos donos do pato amarelo. Resta saber se terá fôlego para uma campanha e se convencerá parte significativa do eleitorado. Parece-me de tiro curto, mas é um elemento de extrema-direita perigoso. Não podemos perdê-lo de vista.

A terceira razão para que não haja candidatura de centro para presidente da república é que o centro, no sentido político do termo, esteve sempre ao redor do PT, e o Partido dos Trabalhadores nunca lhe negou guarida. Ao contrário, abusou da hospitalidade. Se este é o grande problema do PT ou não, é difícil afirmar, pois muitas outras variáveis precisariam ser analisadas.

A pergunta que fica em aberto é: quem será o vice de Lula?  Aí saberemos se o centro participará das eleições presidenciais de 2022. Eu apostaria que sim. Terceira via não existirá. Será novamente uma luta da centro-esquerda contra a extrema-direita, esteja o ex-capitão na contenda ou não.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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