Opinião
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8 de outubro de 2021
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07:41

Sem refresco (por Selvino Heck)

Cozinha Solidária da Azenha, organizada pelo Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), em Porto Alegre | Foto: Luiza Castro/Sul21
Cozinha Solidária da Azenha, organizada pelo Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), em Porto Alegre | Foto: Luiza Castro/Sul21

Selvino Heck (*)

Os tempos são difíceis, complexos? Mais que difíceis, mais que complexos. Mas algumas coisas chamam a atenção nos últimos dias e semanas, além das grandes mobilizações de rua de 2 de outubro. A ocupação da Bolsa de Valores em São Paulo em protesto contra a fome e uma ocupação de um terreno quase no centro de Porto Alegre pelo MTST, por exemplo. Desobediência civil em estado puro, no momento justo.

Em terreno da Avenida Azenha em Porto Alegre, vazio e desocupado há décadas, o MTST organizou uma Cozinha Solidária, oferecendo centenas de refeições para a população pobre da região. Visitei a Cozinha, junto com Conselheiros do CONSEA/RS. Belo local, com árvores talvez centenárias. Militantes e voluntários trabalhando, preparando a comida, iniciando uma horta, reformando a casa abandonada e cuidando da natureza. Os moradores e comerciantes da região, solidários com a solidariedade do MTST, passaram a apoiar a Cozinha, marcando presença e trazendo alimentos, e, portanto, apoiando ativamente a ocupação.

Mas a Justiça federal, sempre a Justiça do lado dos ricos e poderosos, não está aí para os pobres e para quem passa fome! Mandou desocupar o terreno vazio e sem utilidade por muitos anos, sem qualquer trégua ou negociação! 

Estamos na reta final de 2021, um ano para entrar na História. Como 1984 com as Diretas-Já, 1989 e a primeira eleição presidencial direta depois de muito tempo, 1992 e o impeachment de Collor, 2002 com a eleição de Lula, 2010 eleita a primeira mulher presidenta do Brasil, e, finalmente, 2016, mais um golpe no Brasil.

Há um governo ultraneoliberal e neofascista, há a direita brasileira, as elites e suas offshores de sempre. Como diz Ladislau Dowbor, “nada se compara ao parasita brasileiro”. Os Pandora Papers e as offshores em Paraísos fiscais mostram o predomínio do capital que não retorna em produção. Diz Ricardo Franzói, Coordenador Técnico do DIEESE/RS: “O Brasil vive crescimento em ‘K’, a perna de cima representa os ricos que ficam cada vez mais ricos e a perna de baixo representa os pobres que ficam cada vez mais pobres” (Walmaro Paz, Brasil de Fato RS, 06.10.2021). 

Há um relativo e crescente enfraquecimento de Bolsonaro, o que não quer dizer que ele esteja fora do jogo. Muito pelo contrário. A possibilidade de impeachment e o Fora Bolsonaro não estão no horizonte imediato, mas estão cada vez mais na boca do povo, e acontecerão mais cedo ou mais tarde, seja pelo impeachment, seja no processo eleitoral de 2022. O povo está felizmente cada vez mais nas ruas, única forma, como em outros momentos da história brasileira, de mudar as coisas, de garantir a soberania e a democracia.

É hora, sim, além da mobilização na rua, de desobediência civil, como vemos nos exemplos e ações do MTST e outros atores sociais. As greves do final dos anos 1970 eram todas ilegais, acontecidas em plena ditadura. Mas fizeram avançar a democracia e a garantia dos direitos mínimos e de melhores condições de vida para trabalhadoras e trabalhadores.

As eleições de 2022, um ano antes de sua realização, são uma incógnita. As pesquisas não indicam nada definitivo. Quais serão mesmo os candidatos? Quais serão as alianças? Como vai estar o quadro econômico, social e ambiental e a conjuntura política na metade do ano que vem? Impossível saber hoje. A direita brasileira sempre tira novidades do bolso e arquiteta de todos os jeitos a derrota do campo democrático-popular, inclusive à base de golpes, se possível e necessário, na sua ótica.

A unidade do campo democrático-popular é fundamental neste momento histórico, tanto do ponto de vista político, quanto nas ruas. É fundamental construir um sólido projeto de país e Nação e um programa de governo que garanta direitos, retome políticas públicas com participação popular, recomponha a soberania e a democracia, e não seja refém dos conservadores de plantão.

Muito trabalho, pois, pela frente, apoiado pela desobediência civil bem-vinda do MTST e outros atores sociais, acompanhado de muita formação na ação, de organização popular e conscientização, de luta contra a fome, a miséria e desemprego. Nas palavras de Juliana Morra, uma das Coordenadoras da Cozinha Solidária, “o MTST vai seguir cozinhando, seja nessas 48 horas, seja nas próximas 72 horas. O Movimento não vai parar de cozinhar em qualquer momento” (‘Juíza dá prazo de 4h para Cozinha Solidária deixar imóvel na Azenha’, Sul21, 06.10.2021). 

Eles, o lado de lá, como se vê todos os dias, não dão refresco para o campo democrático-popular, para os pobres, as oprimidas e os oprimidos, as jovens negros e os jovens negros, o povo LGBTQIA+. Assim, quem está do lado da justiça, da liberdade, da igualdade também não pode e não vai dar refresco e descanso para os poderosos, para os genocidas, para os corruptos, para os que acabam com a democracia.

Na boa luta, em 2021, apesar de tudo, ESPERANÇAR.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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