Opinião
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4 de agosto de 2021
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19:56

O biocídio ambiental de Eduardo Leite (por Sandro Ari Andrade de Miranda)

Ato contra o PL 260/2020, em frente ao Palácio Piratini. Foto: Anahi Fros
Ato contra o PL 260/2020, em frente ao Palácio Piratini. Foto: Anahi Fros

Sandro Ari Andrade de Miranda (*)

Tantas são as tragédias que o país enfrenta dentro do contexto da política corrupta e de morte imposta por Bolsonaro na Presidência da República que, muitas vezes, a sociedade gaúcha deixar passar sem discussão os volumosos retrocessos causados pela gestão ambiental destrutiva do atual governador, Eduardo Leite (PSDB/RS).

Não se trata apenas de uma agenda econômica neoliberal, na qual é colocado em prática o desmonte de estruturas públicas, mas de algo muito mais grave, sem precedentes, em termos de retrocessos, na história recente do Rio Grande do Sul. Tanto que não encontro um melhor adjetivo para caracterizá-la, do que “biocida”. Sim, o governo de Eduardo Leite, assim como de Bolsonaro, também é um “governo da morte”. E aqui não estão sendo contabilizados apenas os mais de 30 mil gaúchos e gaúchas que perderam a sua vida em razão da desastrada estratégia de cogestão no enfrentamento da pandemia, mas de uma matança que será permanente, e inclui diversas formas de vida, que conformam o ecossistema do Estado, sem contar os danos à própria vida humana.

Avesso ao debate e à democracia, Leite se aproveitou de um arranjo conservador na Assembleia e já no primeiro ano de seu mandato destroçou o Código Estadual de Meio Ambiente, Lei que, na sua versão anterior, havia levado mais de 10 anos para ser construída, em amplo debate que envolveu todos os setores da sociedade gaúcha. Na proposta do governador tucano, não houve debate. Ao contrário, assim como na revogação dos plebiscitos sobre privatizações de estatais, a aprovação do novo Código afastou qualquer discussão com a população e a sociedade civil.

Nessa nova normativo, o Estado passou a adotar medidas como o “inconstitucional” autolicenciamento ambiental, chamado de Licença Ambiental de Compromisso – LAC. Quando às Unidades de Conservação, reduziu a zona de amortecimento de 10 para 3 Km, retirando estas das Unidades de Uso Sustentável, as quais passaram a ser desconsideras no processo de licenciamento de grandes empreendimentos, inclusive aqueles submetidos a Estudo de Impacto Ambiental. Também, antes até do Governo Federal, criou os mecanismos para privatizar parques e reservas ambientais estaduais, autorizou a pulverização com agrotóxicos em locais próximas a áreas protegidas e acabou com a restrição para financiamento, por bancos públicos estaduais, a empresas que descumprem normas ambientais, dentre de uma série de outras medidas que visavam limitar a “radicalização” na defesa do interesse público existente na Lei anterior.

Leite foi menos espalhafatoso, mais eficiente e mais rápido do que Bolsonaro no desmonte das estruturas ambientais, mas tão agressivo e violento quanto o Presidente que ajudou a eleger. Além disto, a prática biocida do Governador Gaúcho não ficou limitada ao desmantelamento normativo do Código Estadual do Meio Ambiente. Empresas de mineração que pretendem se instalar em áreas ambientalmente sensíveis, como a Região Metropolitana de Porto Alegre (Minas Guaíba), Reserva da Biosfera do Parque Nacional da Lagoa do Peixe (Projeto Retiro) e o próprio “Pampa Gaúcho” (Lavras do Sul e Caçapava do Sul), passaram a ser incentivadas pelo poder instalado no Piratini, tendo a mudança do Código Estadual como principal ponto de sustentação jurídica.

Soma-se a isto, o retrocesso gigantesco na política de controle de agrotóxicos. O Rio Grande do Sul foi pioneiro, na década de 1980, na institucionalização do princípio da precaução para evitar que trabalhadores rurais, consumidores e consumidoras fossem vitimados pela utilização de veneno sem análise dos órgãos sanitários do Estado. Com a aprovação do PL 260/2020, agora produtos que tenham a sua utilização negada nos países de origem podem ser comercializados em território gaúcho, desde que registrados pelo governo federal. Não há como calcular o dano para a saúde da população e para a biota, dentro de um contexto em que vários órgãos de saneamento têm encontrado resíduos de agrotóxicos, com valores acima do permitido, em amostras de água nas suas bacias de captação.

Evidentemente, algumas destas medidas ainda podem ser barradas no Poder Judiciário. O autolicenciamento ainda não possui respaldo em norma federal, ao contrário. E, no âmbito da competência concorrente, os governos infranacionais não podem ser menos protetivos do que a União. Da mesma forma, a Constituição é clara quando diz que a proteção do meio ambiente é dever do Estado e o direito brasileiro é regido pelo princípio do não retrocesso social e ambiental. Logo, cabe ao Ministério Público e aos partidos de oposição barrar estes absurdos. No entanto, os prejuízos já estão na rua, não se restringem a questões ambientais em sentido estrito. Envolvem um embargo contra a democracia, alimentam privilégios e dão voz ao que há de mais atrasado no mundo capitalista, que é o desejo de poder e de ganhar dinheiro sem nenhuma preocupação com a vida.

(*) Advogado, doutorando em sociologia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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