Opinião
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28 de agosto de 2021
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08:09

As consequências econômicas do senhor Parente (por Marcelo Milan)

Pedro Parente (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
Pedro Parente (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

Marcelo Milan (*)

Keynes inaugurou uma tradição em 1925 ao criticar a decisão do então chanceler do tesouro real, Winston Churchill, de promover o retorno do Reino Unido ao padrão ouro. O próprio Keynes havia considerado, no ano anterior, o padrão ouro uma relíquia bárbara. Neste arranjo monetário, o metal deve servir como grilhão para acorrentar as mãos dos bancos centrais, de forma que políticas monetárias consistentes com níveis elevados de emprego, em geral inconsistentes com o rentismo, não sejam possíveis. Além da farra dos rentistas, ou como expressão dela, Keynes temia os efeitos deflacionários e o consequente desemprego desta barbeiragem de Churchill, retornando a libra esterlina à paridade que vigorava até a Primeira Guerra Mundial, valor claramente desfavorável às exportações britânicas. Por óbvio, as consequências econômicas do senhor Churchill eram na verdade os desdobramentos da política que Churchill decidiu seguir, mas que necessariamente promovia interesses específicos. Não se trata, portanto, de personalizar uma questão que é antes de tudo política e social. 

Já no atual Brasil bananeiro, mesmo com mobilidade de capitais e taxa de câmbio volátil, a política monetária segue agrilhoada pelo regime de metas. E não sem razão, a instabilidade macroeconômica persiste. A inflação explode e ultrapassa a meta irrealista, enquanto o desemprego se mantém persistentemente elevado. Em particular, a taxa de inflação, que avança para se igualar à taxa de desemprego e assim proporcionar um índice de miséria sem precedentes recentes, é alimentada também por uma outra medida instituída desde o golpe de 2016, com a nomeação de Pedro Parente para presidir a Petrobrás. Aliás, com exceção do atual governo neofascista, Parente fez parte de todos as administrações federais não progressistas desde o fim da ditadura civil e militar. A política de preços introduzida pelo senhor Parente passou a vincular os preços internos aos externos, somados à correção cambial. Ou seja, à volatilidade dos preços financeirizados do petróleo, fixados nos mercados de derivativos, adicionou-se a volatilidade especulativa da taxa de câmbio de uma moeda periférica. O resultado tem sido uma grande transferência de renda dos consumidores para os acionistas, que se transmite pelos aumentos frequentes nos preços do petróleo e derivados, como gasolina, diesel e GLP.

Mudanças drásticas nos preços dos recursos energéticos não são raras. Entre outubro de 1973 e março de 1974, em meio à crise política no Oriente Médio, o preço médio do barril de petróleo bruto foi de US$ 3 para US$ 12 pela decisão da OPEP. E novamente entre abril de 1979 e março de 1980 o preço do barril foi de aproximadamente US$ 16 para US$ 40. No Brasil, este comportamento altista é também resultado de decisões políticas. Tome-se o preço do botijão de gás de 13 kg ou GLP. Segundo dados da ANP, em maio de 2016, quando a presidenta Dilma foi afastada, o valor do botijão para o Brasil era de cerca de R$ 53 (já embutido o choque tarifário do Ministro Levy), lembrando que há diferenças regionais nos preços. Em maio de 2018, pouco antes de o senhor Parente ser demitido pela crise no preço do Diesel, não do GLP, o botijão custava R$ 69 para o Brasil. Em julho de 2021 a política do senhor Parente fazia com que o preço nacional do botijão alcançasse R$ 92. Diferente do petróleo nos anos 1970, o aumento no preço do gás de cozinha não apresenta uma trajetória de choque. Os aumentos não se concentram no tempo, mas se distribuem ao longo dos meses por variações semanais, evitando uma reação da maioria prejudicada. E com falsas promessas de reversão. Em abril de 2019, o Chicago “Boy” Guedes afirmava que “Daqui a dois anos, o botijão vai chegar pela metade do preço na casa do brasileiro. Vamos quebrar os monopólios e baixar o preço do gás e do petróleo”. Sabe tudo de economia este “rapaz”!

Este Sul21 tem debatido nos últimos meses as causas e as consequências desta opção pró-capital instaurada pelo golpe, incluindo o descalabro macroeconômico, que se mostra um sucesso em alcançar seus objetivos de concentrar renda e riqueza e logo de aumentar a pobreza e a miséria. Para a população já muito depauperada, os efeitos reforçadores da política de Parente são nefastos. Trata-se portanto de uma tecnologia política de natureza histórica e que se mostra muito efetiva em concentrar renda e promover interesses específicos em detrimento da maior parte da população.

Em algumas situações, esta política, mesmo sem choques recorrentes, gera explosões sociais, como a greve dos caminhoneiros de 2018, que levou à demissão de Parente, mas não à mudança na regra ‘acionistas acima de tudo, detentores de ações acima de todos’. O rápido derretimento do preço das ações da empresa à época, de cerca de R$ 17 para pouco mais de R$ 10, isto é, a rápida desvalorização patrimonial dos acionistas, provavelmente contribuiu mais para a queda do executivo do que os desarranjos econômicos e políticos gerados pela greve. O exemplo do choque do petróleo nos anos 1970 e a greve dos caminhoneiros do Brasil sugerem que uma consequência desta política de transferência de renda e riqueza é desajustar um setor fundamental para uma economia baseada em movimentos de mercadorias: o de transporte. Choques nos custos deste segmento afetam a estrutura de produção e custos da economia, começando com os segmentos intensivos em recursos energéticos. Incentivar isso de forma deliberada só se explica pelos interesses que favorece. 

Novamente, não é escolha pessoal, é opção política de concentrar renda. A política de preços do senhor Parente se tornou permanente. Isso porque, embora o executivo tenha sido demitido em Junho de 2018, Ivan Monteiro, seu substituto, não a modificou (reforçando a ideia de que Parente caiu pelo efeito riqueza, não pelo desajuste econômico no resto da economia). Já na administração neofascista, Roberto Castello Branco, Chicago “Boy” como Guedes, que fora lastimavelmente indicado ao Conselho da empresa ainda na gestão da presidenta Dilma, também não. Neste ano de 2021, Castello Branco foi trocado por um general (mais um), cujo conhecimento especializado do funcionamento do mercado de petróleo e derivados, para não mencionar os conhecimentos técnicos sobre prospecção, perfuração e extração, deveria fazer o valor das ações da empresa virarem pó. Isso se o mercado de ações fosse racional. Mas o ponto é outro. A política iniciada pelo senhor Parente não mudou, e as mudanças na presidência da Petrobrás são a la Lampedusa, pois devem prevalecer os interesses específicos da minoria.

Atrelar o preço doméstico ao preço internacional dos recursos energéticos em um país com significativa capacidade de produção, com as reservas do pré-sal, não faz sentido econômico se se quer atender aos interesses da maioria. Os recursos energéticos têm sido objeto de disputas geopolítica há décadas. Existe um conflito exacerbado entre quem produz, quem vende, quem compra e quem especula. Não é por outra razão que os Estados Unidos têm invadido militarmente países com reservas de petróleo ou interferido nas políticas domésticas do Oriente Médio e da América Latina, favorecendo rupturas da ordem constitucional quando os golpes servem seus interesses energéticos (e outros). A lição dos anos 1970 gerou um protocolo permanente de resposta. O país tem elevadas reservas de petróleo e recentemente passou a adotar tecnologias danosas para o meio ambiente para manter sua soberania energética e evitar as rupturas potenciais provocadas pelos movimentos nos preços. É claro, não poderia ser assim na colônia. Na verdade, os desdobramentos energéticos do golpe no Brasil ainda não se fizeram sentir totalmente nesta dimensão externa. No futuro próximo será preciso identificar as mudanças na origem da propriedade dos estoques (reservas) e ativos corporativos, isto é, da participação do capital estrangeiro e dos fluxos registrados no Balanço de Pagamentos, pois a transferência de renda e riqueza tem aqui uma importante dimensão internacional. 

E isto não diz respeito apenas ao setor de petróleo (e gás), pois a política de concentração de renda e riqueza é mais ampla. O choque tarifário da energia elétrica que acontecerá nas próximas semanas, sem eliminar a chance de apagão, permitirão explicitar ainda mais as consequências econômicas do senhor Parente. Não é mera coincidência que ele, como representante típico desta política, fosse também o Ministro de Minas e Energia quando do apagão em 2002. O quadro atual só não é pior porque a presidenta Dilma apostou na energia eólica, que supre mais de 15% das necessidades energéticas atuais do País (em condições econômicas de estagnação, que fique bem claro).

Se não há luz no fim do túnel para a maioria da população, seja pelo apagão ou pelo preço inviável destes bens e serviços, e os acionistas também seguem com seus lustres candelabros bem acessos até o apagão (enquanto não criarem redes de distribuição privativas e desconectadas do grid nacional), há outros grupos satisfeitos com esta política favorável à minoria. São os nossos velhos conhecidos, os economistas pró-capital. Se, ao se deparar com o preço exorbitante do GLP, a população passa a utilizar álcool e madeira para cozinhar e aquecer a água do banho, e se, ao não conseguir pagar a conta de luz (enquanto há luz), lançam mão de velas. Nem mesmo dá para voltar para a época das lamparinas, dado o preço do querosene. Os economistas pró-capital regojizam! ‘Vejam o efeito substituição em ação!’ diriam eles! A teoria funciona! Valei-me São Slutsky! (Autor de trabalhos convencionais sobre a substituição entre bens quando o preço relativo deles muda). A população, ainda mais pauperizada pelo aumento no preço, com pouco dinheiro para comprar gás de cozinha mais caro, passa a substituir o GLP pelo álcool ou madeira, mais baratos, para preparar alimentos e tomar banho quente. Como o preço dos alimentos também aumentou excessivamente, talvez o problema já esteja resolvido pela complementariedade entre este bens, deixando os economistas pró-capital em êxtase completo! O que os economistas convencionais chamam de bens complementares (cai o consumo de alimentos e logo o de GLP) é conhecido entre a população depauperada como fome e carestia. E então outros Santos Padroeiros da ortodoxia podem ser invocados: Santo Auspitz e São Lieben (os primeiros a tratarem dos bens complementares).

Talvez sobre até algum efeito multiplicador, já que os hospitais precisam cuidar das queimaduras decorrentes da substituição de combustíveis. E os bombeiros precisam apagar os incêndios causados pelas velas nas moradias precárias. Se o número de barracos destruídos pelos incêndios for grande, até mesmo o setor imobiliário pode lucrar. Claro, no caso do GLP trata-se meramente de um sacrifício necessário para que os acionistas da Petrobrás possam adquirir as bétulas para suas lareiras de quartzo e incrustadas de jadeites durante o inverno (serão apenas R$ 32 bilhões em dividendos neste final de ano, sendo que R$ 9 bilhões vão para os cofres do governo para honrar compromissos, como o SUS que – ainda – atende as queimaduras, mas principalmente com os beneficiários das outras políticas de agrado aos rentistas).

Enquanto no setor extrativista, de refino, de geração e distribuição a transferência de renda e riqueza avança, outra empresa fecha uma planta produtiva no Brasil. A Panasonic deixa de produzir produtos que incorporam tecnologia, como televisores e áudio, em sua planta na Zona Franca (sonho liberal de não pagar imposto usufruindo das regalias do Estado) de Manaus. Estes movimentos estão interligados, pois o primeiro reduz o tamanho do mercado interno potencial. Este movimento deve se aprofundar com a boiada das reformas pró-capital liberais passando no Congresso Nacional, como já havíamos apontado em contribuição anterior para este Sul21.

(*) Bacharel, mestre e doutor em economia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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