Opinião
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29 de junho de 2021
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10:33

Os 100 anos de Fernando Ferrari, o político das Mãos Limpas (por Fernando Ferrari Filho)

Fernando Ferrari (Foto: Divulgação ALRS)
Fernando Ferrari (Foto: Divulgação ALRS)

Fernando Ferrari Filho (*)

Apesar dos artigos dos professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul publicados no Sul 21 serem, predominantemente, relacionados a tópicos de Ciências Econômicas, tomo a liberdade para escrever um breve texto para lembrar a passagem dos 100 anos de nascimento de meu pai, Fernando Ferrari, que ocorreu no último dia 14 de junho.

Nascido em São Pedro do Sul, então distrito de Santa Maria, Rio Grande do Sul (RS), Fernando Ferrari formou-se em Contabilidade, Economia e Direito e exerceu a atividade política, tanto em nível estadual quanto na esfera federal, durante 16 anos, entre os anos de 1947 e 1963.

Como político, elegeu-se, para o período 1947-1950, deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – partido no qual foi um dos ideólogos e fundadores –, tendo sido o relator da Ordem Econômica e Social da Constituição do RS. Entre os anos de 1951 e 1963, foi deputado federal, obtendo, em 1958, uma das mais expressivas votações de todo o Brasil, aproximadamente 148 mil votos – diga-se de passagem, na ocasião essa votação representou 12,5% do colégio eleitoral gaúcho. Na Câmara dos Deputados, Ferrari foi várias vezes líder do PTB e do Bloco da Minoria, bem como foi reconhecido como um dos maiores defensores dos direitos dos trabalhadores, especialmente os do campo, e da reforma agrária. 

Em 1960 Ferrari, inconformado com os rumos políticos do País e a corrupção na administração federal, candidatou-se à vice-presidência da República, lançando a Campanha das Mãos Limpas. Com parcos recursos e sem o apoio de uma organização partidária estruturada e ramificada em todo o território nacional, uma vez que Ferrari concorreu de forma independente – diga-se de passagem, na ocasião ele havia saído do PTB devido às suas divergências político-ideológicas com Leonel Brizola e João Goulart –, mas com energia, capacidade de mobilização e o dom de orador, Ferrari percorreu o Brasil de norte a sul. Não logrou êxito, mas conseguiu expressiva votação, triunfando em alguns estados, inclusive no RS. Uma das consequências da referida Campanha foi a fundação do Movimento Trabalhista Renovador (MTR), cujos princípios programáticos e ideológicos eram alicerçados na harmonia das relações sociais de produção, no cooperativismo e na economia solidária, no nacionalismo e na justiça social. Em 1962, pelo MTR, concorreu ao governo gaúcho, não obtendo vitória eleitoral.

Em 25 de maio de 1963, aos 41 anos, um desastre aéreo interrompeu a trajetória política de Ferrari. Dois importantes legados foram deixados por ele: o Estatuto do Trabalhador Rural – pilar do processo, ainda em construção, da reforma agrária em nosso País –, Projeto de Lei nº 4.214/63 que foi sancionado pelo presidente João Goulart meses após a sua morte; e as Mãos Limpas de homem político combativo, coerente, honesto e idealista.

Ao longo dos últimos 100 anos, o Brasil passou por transformações substanciais nas esferas política, econômica e social. Intercalamos períodos de turbulências políticas e regimes de exceção com democracia, deixamos de ser uma economia subdesenvolvida e passamos a figurar no seleto grupo dos 10 maiores produtos internos brutos mundiais e houve avanços, ainda que tímidos, dos indicadores sociais e na distribuição da renda. 

A vida política de Ferrari, mesmo que curta, seja por suas manifestações e ações no Legislativo, seja em suas campanhas à vice-presidência da República e ao governo gaúcho, contribuiu para que as referidas transformações pudessem ocorrer no Brasil. Ademais, não é exagero dizer que os ideais dele continuam atuais e são necessários para que possamos articular e propor, democrática e coletivamente, um projeto de Bem-Estar Social, ou desenvolvimentista-social, para o País baseado, entre outros, na autonomia nacional, na liberdade política, na sinergia entre Estado, Mercado e Instituições, no crescimento econômico robusto, sustentável e com inclusão social e na redução das desigualdades da renda e da riqueza. 

(*) Professor Titular da UFRGS e Pesquisador do CNPq. 

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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