Opinião
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12 de fevereiro de 2019
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10:25

A Reforma da Previdência do governo Bolsonaro (por Calino Pacheco Filho)

Por
Sul 21
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A Reforma da Previdência do governo Bolsonaro (por Calino Pacheco Filho)
A Reforma da Previdência do governo Bolsonaro (por Calino Pacheco Filho)
(Reprodução/TVT)

Calino Pacheco Filho (*)

Parte I – Previdência, Seguro Social e Seguridade Social

Seguro Social – Na Alemanha comandada por Oto Von Bismarck, na segunda metade do século XIX, foi criado um sistema de proteção social caracterizado como um Seguro Social, cujo acesso estava condicionado ao prévio pagamento de contribuições de empregados e empregadores, sob a gestão do Estado. A contribuição dos trabalhadores tinha como contrapartida o direito à aposentadoria e a alguns outros benefícios resultantes de situações de risco.

No Brasil, até 1988, o sistema de proteção social seguia o modelo de seguro social contributivo compulsório, abrangendo o trabalho formal, excluindo, portanto, a grande parcela de trabalhadores informais existente no país. Neste modelo, quando ocorre crescimento econômico a partir de determinado nível as receitas previdenciárias são maiores do que as despesas há um superávit ou, na pior das hipóteses, um equilíbrio; quando o crescimento econômico é baixo ou a economia encontra-se estagnada existe um déficit; neste caso, as despesas previdenciárias são maiores do que as receitas.

Seguridade Social – O sistema de Seguro Social espalhou-se pela Europa e pelos Estados Unidos e foi sofrendo alterações no século XIX e ao longo do século XX. A crise capitalista de 1929 gerada pela queda da Bolsa de Nova Iorque trouxe um alto índice de crescimento do desemprego e da miséria, tornando-se claro que a mão invisível do mercado não necessariamente produziria a harmonia entre o interesse egoísta dos agentes econômicos e o bem-estar global. A intervenção estatal proposta pelo modelo Keynesiano tinha como objetivo garantir o equilíbrio entre oferta e demanda, para superar a crise econômica, promovendo o pleno emprego e a harmonia social, naquilo que foi denominado de Estado de Bem-Estar Social.

Na Inglaterra, em 1941 no cenário de uma guerra que devastava o país, inundava a Europa e se espalhava por várias partes do planeta, um economista liberal chamado Sir William Beveridge  elaborou um documento, com clara influência Keynesiana, onde era definida a responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos, por meio da regulação da economia de mercado, a fim de manter o nível de emprego e da prestação pública de serviços sociais universais, como educação, assistência médica e habitação. Essa concepção específica de políticas públicas foi denominada de Seguridade Social e, apesar de estar integrada com o conceito de Estado de Bem-Estar Social, não se confunde com ele e, até, vai além. O Plano Beveridge padronizou os benefícios existentes na Inglaterra e incluiu novos como seguro de acidente de trabalho, salário-família, seguro-desemprego e outros seis auxílios sociais: funeral, maternidade, abono nupcial, benefícios para esposas abandonadas, assistência de donas de casa enfermas e auxílio-treinamento para quem trabalhava por conta própria. Sem dúvida o modelo Beveridgeano é um avanço em relação à proteção social consubstanciada no seguro social Bismarckiano. No Brasil, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que estabelece as regras para o setor privado, caracteriza-se como uma mescla dos modelos Bismarckianos e Beveridgeanos.

No Brasil, após mais de duas décadas de regime ditatorial, os anseios  da cidadania , particularmente no que se refere aos direitos e à proteção social, foram amplamente discutidos na Assembleia Nacional Constituinte e, de certa forma contemplados na nova Constituição promulgada em 1988. No artigo 194 desta é inserido o conceito de Seguridade Social como o conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade relativos à saúde, à previdência social e à assistência social.

Foi também definida pela Constituição uma pluralidade de fontes de financiamento para garantir o funcionamento do sistema de Seguridade Social. Essa diversidade de fontes está assim definida na Constituição:  a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais, forma de impostos que seriam “carimbados” para financiar a Seguridade Social, oriundos da sociedade, do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada.

Contribuições sociais –  Foram criadas contribuições sociais que incidem sobre o faturamento das empresas, como a Contribuição da Seguridade Social (COFINS), que pode ser utilizada em qualquer programação da seguridade social, e o Programa de , Social (PIS) destinado ao pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial. Também foi implantada a Contribuição Social sobre o  Lucro Líquido (CSLL), que é uma tributação sobre o lucro das empresas. Em 1996 foi instituída a  Contribuição Provisória sobre as Movimentações Financeiras (CPMF), destinada a financiar a Saúde e, posteriormente, até sua revogação pelo Congresso Nacional, passou a financiar também a Previdência e a Assistência Social. Há também a contribuição social denominada Concurso de Prognósticos, cujas receitas são provenientes das loterias, administradas pela Caixa Econômica Federal.

ANFIP – A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, anualmente, há mais de duas décadas  apresenta uma análise sobre a seguridade social destacando o seu orçamento próprio (com suas receitas advindas das fontes de financiamento, definidas pela Constituição Federal, bem como de suas despesas). Segundo a ANFIP, o Orçamento da Seguridade Social (OSS) apresenta, via de regra, resultados positivos, inclusive no ano de 2009, quando foram sentidos, no Brasil, os reflexos da crise financeira internacional. Já em 2010, com a recuperação da economia brasileira, que registrou crescimento de 7,5%, cresceu o número de trabalhadores com carteira assinada, aumentou o rendimento médio real, a massa salarial, a produção industrial e o volume geral de vendas. Esse conjunto de fatores produziu resultados muito positivos para o financiamento da seguridade social e, até mesmo, o resultado do orçamento do Regime Geral de Previdência – RGPS (seguro social administrado pelo INSS) resultou positivo. Segundo o Fluxo de Caixa do INSS no Brasil, em 2010, no seu Resultado Operacional apresenta um saldo positivo em valores correntes de 0,517 bilhão de reais.   Isso demonstra que a crise apenas interrompeu o crescimento econômico com distribuição de renda que o país experimentava desde 2005.

A ANFIP ressalta, ainda, que o OSS não foi criado, para ser superavitário. A sobra de recursos que ocorre hoje está na contramão das carências, das precariedades e das tarefas que se colocam para o conjunto de ações que ele financia, principalmente nas áreas de saúde e no combate à pobreza e a miséria.  No período de 2005 a 2007 ocorreu um aumento significativo de crescimento do PIB da ordem de 13,8%. Entretanto, o crescimento real das receitas advindas das contribuições sociais cresceu 24%, quase o dobro do aumento do PIB. No triênio de 2008 a 2010, o PIB aumentou 12,9% e a receita média das contribuições cresceu menos (10,09%) porque pesaram alguns efeitos da crise ( compensação de prejuízos, na base de cálculo sobre os juros) como também o fim da CPMF a partir de 2008, resultante de forte pressão dos empresários capitaneados pela FIESP,  assim como uma propaganda massiva nos grandes órgãos midiáticos. No período de 2011 a 2014, a economia diminuiu o ritmo, mas continuou crescendo, o PIB aumentou 9,7% e a receita das contribuições sociais, 17%, quase o dobro.  Por fim, de 2015 a 2017 a economia caiu 6% e as receitas também caíram, 6,6%, na média desse período.

Segundo Eduardo Fagnani, economista da UNICAMP (2008), “Em função das altas taxas de juros e de seus reflexos sobre a dívida pública, a estratégia macroeconômica restringiu as bases financeiras do Estado, limitando as possibilidades de gasto social. Com relação ao gasto com previdência da ordem de 7,5% do PIB, que é considerado pela mídia e por certos especialistas muito elevado e considerado como uma generosidade do Estado Brasileiro”, o autor enfatiza que “a sociedade brasileira tem de optar: ou os contribuintes pagam 8% do PIB em despesas com juros e com o serviço da dívida (que estima-se, beneficiam 100 mil famílias); ou, os trabalhadores e empregadores pagam 7,5% do PIB com a previdência que beneficia direta e indiretamente mais de 80 milhões de pessoas.”

(*) Economista, membro do Front – Instituto de Estudos Contemporâneos.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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