Eleições 2022
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9 de novembro de 2022
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17:57

Advogada denuncia perseguição ao estilo nazista a eleitores de Lula em Casca (RS)

Por
Luís Gomes
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Advogada denuncia perseguição ao estilo nazista a eleitores de Lula em Casca (RS)
Advogada denuncia perseguição ao estilo nazista a eleitores de Lula em Casca (RS)

A advogada Janaíra Ramos participou nesta quarta-feira (9) de audiência da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, onde relatou as perseguições políticas que ocorrem no município de Casca (RS) a pessoas identificadas como eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Janaíra é autora das denúncias de que bolsonaristas do município criaram listas de supostos comerciantes petistas que deveriam ser boicotados após eleição, o que considera uma prática inspirada no movimento fascista italiano e no nazismo alemão da década de 1930.

O Sul21 conversou com a advogada, por telefone, nesta terça (8). Ela conta que os primeiros casos de perseguição ocorreram logo após a confirmação da vitória de Lula no segundo turno, quando apoiadores do presidente eleito saíram às ruas para comemorar e alguns deles foram agredidos e tiveram seus carros depredados por bolsonaristas. A advogada diz que está com três processos criminais em seu escritório que tratam das agressões.

Além disso, no dia seguinte, começou a circular uma lista com o nome de 19 comerciantes e pequenos empresários que seriam eleitores de Lula e deveriam ser boicotados pelos bolsonaristas. “Cheguei na segunda-feira para trabalhar, me ligaram: ‘Janaíra, nós estamos numa lista’”, conta.

A advogada pontua que a maioria dos comércios da lista foram identificados pelas mulheres proprietárias, mesmo diversos deles sendo familiares. “Foram identificadas as mulheres dos estabelecimentos, não botaram os homens”, diz.

O nome da advogada aparece na lista com a grafia errada, Janaína, junto com o de outra advogada que também fez campanha para Lula nas redes sociais. Janaíra diz que, após tomar conhecimento da lista, consultou uma advogada eleitoral e foi orientada a fazer a denúncia dos fatos ao Ministério Público com base em violações do Código Eleitoral.

 

Lista com nome de estabelecimentos a serem boicotados foi divulgada por bolsonaristas de Casca | Foto: Reprodução

“O meu nome na lista, ou fora da lista, não importa muita coisa, porque todo mundo sabe como eu voto. Mas quem viveu a experiência pela primeira vez ficou desesperado”, diz.

Junto com a lista, começaram a circular nos dias seguintes publicações de bolsonaristas em redes sociais defendendo que os comerciantes que votaram em Lula deveriam identificar seus estabelecimentos com uma estrela. “Eu disse: ‘O quê? Isso é apologia claríssima ao nazismo’, porque o nazismo identificou os judeus em 1933. ‘Imagine, é brincadeirinha’. Eu digo: ‘Isso não é brincadeira, é gravíssimo”.

A alusão feita pela advogada é a prática adotada por nazistas, durante o governo de Hitler, de identificar as casas de judeus com uma estrela de Davi.

 

Postagem defende identificação de petistas | Foto: Reprodução

Paralelamente, ela começou a receber em seu escritório trabalhadores que alegam que foram demitidos por votarem em Lula. Ela considera que não há provas que confirmem as denúncias. Contudo, diz que empresários locais entregaram cartas a trabalhadores em que diziam em quem eles deveriam votar.

A advogada morou na cidade e hoje apenas trabalha em Casca, residindo na localidade de Santo Antônio do Palma, distante pouco mais de 10 km. Janaíra pontua que Casca é um município de 9.070 habitantes, com a maioria do eleitorado sendo de direita — Bolsonaro recebeu 72,28% dos votos válidos da cidade no 2º turno. A advogada destaca que os militantes tradicionais de MDB e PP, que compõem grande parte do eleitorado local, apoiaram o presidente, agora derrotado, desde o 1º turno.

“A campanha foi extremamente opressiva. Eles fizeram movimentos no 7 de setembro, fizeram antes disso. Cada vez que o Bolsonaro dava um insight de golpe, eles concordavam com o golpe”, diz. “Nós, da esquerda, não nos manifestamos publicamente, porque a coisa é muito intensa. Nem bandeira, nem adesivo, pouquíssimo movimento, alguma coisa no nível do Edegar [Pretto] e recebemos deputados, mas foi uma campanha extremamente acanhada porque a gente sabia da violência que estava envolvida”.

Janaíra diz que é facilmente identificável quem são os empresários locais que coordenavam a campanha de Bolsonaro em Casca, mas que, no caso das manifestações golpistas, ninguém quis se apresentar como liderança. “A gente não sabe quem está financiando essa bronca. Suspeita, mas não pode afirmar. Acho que veio de fora para tudo isso aí, porque é muito dinheiro”, diz.

A advogada afirma que, após a derrota de Bolsonaro, seus apoiadores locais bloquearam os acessos à cidade pelas rodovias RS-129 e RS-234. “Ninguém ia e ninguém vinha de Casca. Eles dizem que são manifestações ordeiras, mas não é, estão impedindo as pessoas de ir e vir”.

Janaíra diz que a pauta das perseguições explodiu no último domingo (6), quando expôs a existência da lista em uma live com o psiquatra Táki Cordás, doutor pela USP, que tem dezenas de milhares de seguidores nas redes sociais. A live, intitulada “Cidade de Casca (RS) e a sua ‘agenda black’ de quem ousou divergir na eleição” contava com 42 mil visualizações no Instagram nesta quarta.

Janaíra explica que foi convidada por Cordás para a live após o psiquiatra tomar conhecimento da existência da lista por meio de uma seguidora, que era uma das comerciantes de Casca alvo do boicote.

A participação aumentou o nível das ameaças contra a advogada. Ela conta que, após o assunto ganhar repercussão — foi noticiado também por GauchaZH no início da semana –, na noite de segunda-feira (7), a entrada de seu escritório de advocacia em Casca foi vandalizada, com o interfone tendo sido destruído a socos. “Eu estou tendo que reforçar a minha segurança, estou mudando os itinerários. Esses caras sabem tudo da vida gente, todo mundo sabe de tudo aqui”, diz.

Por outro lado, a advogada diz que pessoas de centenas de municípios entraram em contato com ela desde segunda pedindo ajuda para lidar com situações semelhantes que ocorrem em suas localidades. “Esse é um problema endêmico, todo mundo passando por isso das listas”, afirma.

Ela explica que os comerciantes se sentiram tão intimidados pela lista de boicote que, mesmo aqueles que foram identificados como petistas, aderiram à “greve geral” convocada por bolsonaristas para a última segunda-feira (7).

“Os comerciantes foram convidados ‘gentilmente’ a aderir com o argumento: ‘a maioria aqui é bolsonarista, você não vai aderir mesmo? Foram 154 estabelecimentos que pararam em Casca. Ou melhor, estavam trabalhando internamente, mas a portas fechadas. E as grandes empresas não entraram nesse movimento, a tal de greve geral que só aconteceu aqui em Casca”, diz.

Para Janaíra, a conclusão óbvia é que o movimento tem inspiração fascista. “Dizem que só pode comprar de patriota, fazem lista de quem não pode negociar, tudo isso aconteceu em 1933. E depois ocorreu o quebra-quebra de empresas, a Noite dos Cristais, que foi o que aconteceu no meu escritório”.

Em reação, uma vereadora da cidade denunciou, na Câmara local, que Casca teria sido “vilipendiada” nas falas de Janaíra e que a população sofreu um “abalo moral coletivo”. Nesta quarta-feira, um movimento que se identifica como de “cidadãos livres” divulgou uma resposta às denúncias feitas pela advogada. A carta, apesar de não oficial, traz o brasão do município de Casca e diz: “Nós últimos dias, nosso município de Casca foi vítima de uma onda de ataques internos e externos. Forças políticas locais, ressentidas por serem minoria na cidade, passaram a fazer um grande esforço para destruir a reputação da nossa terra e da nossa gente perante o Estado e o País”.

 

Foto: Reprodução

“Eu já disse para a minha família, eu não sei se eles não me matam, porque é muito intenso”, diz a advogada.

Janaíra diz que deve ajuizar uma ação indenizatória em nome dos comerciantes que aparecem na lista de estabelecimentos a serem boicotados.

Na reunião da Comissão de Cidadania da Assembleia desta quarta, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) propôs a realização de uma audiência pública sobre os diversos casos de ameaças, intimidações, perseguição e violência que vêm ocorrendo contra moradores e comerciantes que supostamente teriam votado no presidente eleito Lula no Estado.

Em nota, o Ministério Público do Rio Grande do Sul em Casca informou que, a partir de denúncia recebida nesta quarta-feira (9), a promotora eleitoral Ana Maria Dal Moro Maito irá “investigar postagens que estão circulando em redes sociais que pedem que pessoas que votaram no candidato Luís Inácio Lula da Silva coloquem uma estrela do PT nas portas de suas casas”. O fato foi incluído na notícia de fato que já havia sido instaurada pela promotora para investigar a existência de listas com nomes de comerciantes e pessoas que teriam votado em Lula para boicote.


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