Política
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24 de maio de 2022
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08:03

Entidades acusam Bolsonaro de crimes contra a humanidade, no Tribunal Permanente dos Povos

Por
Marco Weissheimer
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Povos indígenas sofreram violação massiva de direitos durante governo Bolsonaro. (Foto: Cimi/Divulgação)
Povos indígenas sofreram violação massiva de direitos durante governo Bolsonaro. (Foto: Cimi/Divulgação)

A Comissão Arns, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coalizão Negra por Direitos e a Internacional de Serviços Públicos denunciarão, nesta terça-feira (24), na 50ª sessão do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), uma série de crimes que teriam sido praticados pelo presidente Jair Bolsonaro nos últimos dois anos, ao longo da pandemia da covid-19. O TPP é um tribunal de opinião dedicado aos direitos dos povos, com sede em Roma, na Itália. Foi criado em 1979 e é herdeiro do Tribunal Russell, constituído em 1966 para investigar crimes e atrocidades cometidos na guerra do Vietnã. A sessão pode ser acompanhada pelo canal da Comissão Arns no Youtube.  

As acusações se referem aos crimes cometidos pelo presidente contra povos indígenas, população negra e profissionais de saúde durante a pandemia e também ao caráter autoritário da condução do governo ao longo da crise dos últimos anos.

A 50ª sessão do TPP será realizada nesta terça (24) e quarta-feira (25), a partir das 9 horas, nas cidades de São Paulo e Roma (Itália), e examinará a ocorrência de violações e crimes contra a humanidade cometidos por Jair Bolsonaro e seu governo, atingindo populações negras, povos indígenas e trabalhadores da área de saúde ao longo da pandemia de Covid-19. Essa não é a primeira acusação feita contra Bolsonaro em tribunais e instituições internacionais por violações massivas de direitos no Brasil, processo que teria se agravado no período da pandemia.

O Tribunal Penal Internacional já recebeu uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro, por “crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio dos povos indígenas”. Em dezembro de 2020, a Procuradoria do TPI comunicou ao Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e à Comissão Arns que o caso protocolado pelas organizações, em novembro de 2019, estava sob “avaliação preliminar de jurisdição”. Em março de 2021, a Procuradoria do TPI enviou outro comunicado às entidades, informando que o caso estava formalmente sob “avaliação preliminar de jurisdição”, o que significa que ele passaria a ser objeto de uma análise mais aprofundada.

No início de 2021, os caciques Raoni Metuktire e Almir Suruí fizeram uma nova representação ao Tribunal Penal Internacional, denunciando o avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia, os ataques do governo Bolsonaro às populações indígenas e o desmantelamento de agências ambientais brasileiras, como o Ibama e o ICMBio. A denúncia aponta Jair Bolsonaro como responsável direto pelas mortes e pela violação de direitos contra povos indígenas brasileiros.

Em maio de 2021, a Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (Famddi) denunciou Jair Bolsonaro como responsável pela grave situação de contaminação de comunidades indígenas pela covid-19 e pelo extermínio dos povos indígenas na Região Amazônica. Entre outros crimes, a Frente acusou Bolsonaro de ser responsável direto ou indireto por ataques de garimpeiros em áreas indígenas, incêndios criminosos, divulgação de propagandas negacionistas sobre a vacinação e descaso no atendimento de indígenas que vivem em áreas urbanas ou em terras não demarcadas. O presidente brasileiro, acrescenta a denúncia, “utiliza o coronavírus como instrumento de sua política de morte”.

O Tribunal Permanente dos Povos será instalado, na manhã desta terça-feira (24), em formato híbrido, com acusação, testemunhas e defesa no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). O secretariado-geral do TPP e o júri internacional participarão da sessão de forma online. O Tribunal Permanente dos Povos é um tribunal de opinião dedicado aos direitos dos povos e não tem efeito condenatório do ponto de vista jurídico. No entanto, assinalam seus organizadores, tem um peso simbólico, pois reúne personalidades de relevância mundial para alertar sobre violações graves de direitos, além de incidir na formulação de legislações nacionais e internacionais.

As entidades citadas acusarão Bolsonaro de ter, no uso de suas atribuições, “propagado intencionalmente a pandemia de Covid-19 no Brasil, gerando a morte e o adoecimento evitáveis de milhares de pessoas, numa escalada autoritária que busca suprimir direitos e erodir a democracia, principalmente da população indígena, negra e dos profissionais de saúde, acentuando vulnerabilidades e desigualdades no acesso a serviços públicos e na garantia de direitos humanos”.

A acusação será sustentada pela advogada Eloísa Machado, professora de Direito Constitucional da FGV Direito-São Paulo e membro apoiadora da Comissão Arns; por Maurício Terena, advogado e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, e por Sheila de Carvalho, advogada e articuladora da Coalizão Negra por Direitos. Já a defesa ficará a cargo de um representante a ser designado pelo governo brasileiro. Caso o governo brasileiro não participe do julgamento, o TPP designará um relator ad hoc, para exercer essa função.

O júri do TPP será presidido pelo ex-juiz italiano Luigi Ferrajoli, professor catedrático da Universidade de Roma. O júri internacional terá doze integrantes de nacionalidades distintas, especialistas na área do direito, das ciências sociais e em saúde global. São eles: 

Alejandro Macchia, médico cardiologista argentino; 

Boaventura de Sousa Santos, professor emérito de Sociologia da Universidade de Coimbra; 

Clare Roberts, advogado, ex-ministro da Justiça, ex-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ex-juiz da Suprema Corte do Caribe Leste; 

Eugenio Raúl Zaffaroni, Professor Emérito da Universidade de Buenos Aires; 

Jean Ziegler, professor de Sociologia da Universidade de Genebra; 

Joziléia Kaingang, geógrafa e antropóloga brasileira da etnia Kaingang; 

Kenarik Boujakian, jurista e magistrada brasileira nascida na Síria; 

Luís Moita, professor de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa; 

Nicoletta Dentico, jornalista e escritora, especialista em saúde global; 

Rubens Ricupero, diplomata de carreira, ex-Secretário de Assuntos Interamericanos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil; 

Vercilene Kalunga, advogada popular com ênfase em Direito Agrário e quilombola do Quilombo Kalunga; e 

Vivien Stern, membro independente da Câmara dos Lordes no Parlamento do Reino Unido e ex-membro da Comissão Parlamentar dos Direitos Humanos


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