Política
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28 de abril de 2022
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18:21

Arquitetos e engenheiros se unem contra PL que ‘fragiliza’ Lei Kiss

Por
Luís Gomes
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Engenheiros e arquitetos ocuparam as galerias da Assembleia na terça (26) contra o projeto | Foto: Divulgação/CREA-RS
Engenheiros e arquitetos ocuparam as galerias da Assembleia na terça (26) contra o projeto | Foto: Divulgação/CREA-RS

Entidades representativas dos profissionais de Engenharia e Arquitetura e Urbanismo reforçaram na manhã desta quinta-feira (28) a união das categorias contra um projeto de lei em tramitação na Assembleia Legislativa que, segundo elas, irá desfigurar a Lei Kiss (Lei Complementar 14.376/13). Durante o 2º Encontro Riograndense de Segurança Contra Incêndio, promovido pelo Sindicato dos Engenheiros (Senge-RS), o presidente da entidade, Cezar Henrique Ferreira, a presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RS), Nanci Walter, e o assessor de Relações Institucionais do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS), Fausto Leiria, manifestam contrariedade à Proposta de Lei Complementar 39/2020, que permite que técnicos industriais realizem projetos técnicos de Plano de Prevenção Contra Incêndios (PPCI), prerrogativa que atualmente é exclusiva de engenheiros e arquitetos.

O PLC 39, de autoria do deputado Paparico Bacchi (PL), foi colocado nas últimas semanas na Ordem do Dia da Assembleia Legislativa, o que o habilita para ser votado a qualquer momento. Na última terça, representantes das entidades ocuparam as galerias da Assembleia, usando capacetes brancos, para protestar contra o PLC, que acabou não sendo votado, mas poderá voltar à pauta na próxima semana.

Na justificativa do projeto, Paparico diz que a lei, em caso de aprovação, colocará à disposição do Estado “uma quantidade de profissionais plenamente habilitados para realização de projetos e execução de serviços nos Planos Simplificados de Prevenção e Proteção de Incêndio (PSPCI)”. Diz ainda que nenhum procedimento administrativo dos órgãos de fiscalização será alterado.

Ele defende que a mudança é necessária porque, antes da Lei Kiss, técnicos industriais ligados ao CREA realizavam atividades no escopo dos PPCIs. “Foram inúmeros os projetos e trabalhos realizados pelos Técnicos Industriais, enquanto representados pelo CREA, até o final de 2013, ou seja, os profissionais de nível médio, legalmente habilitados, sempre realizaram essas atividades de projeto e execução de PPCIs, gerando as referidas ARTs [Anotação de Responsabilidade Técnica], sendo os mesmos sempre fiscalizados pelo Corpo de Bombeiros, que liberava o alvará pertinente às atividades descritas”, diz a justificativa do projeto.

 

Cezar Henrique Ferreira, presidente do Senge-RS | Foto: Morgana Volkart/Senge-RS

Cezar Henrique Ferreira diz que o Senge está vendo a situação com muita preocupação. “Tivemos um evento grande, que foi o sinistro da Kiss, que ainda está muito presente na memória de cada um de nós. Depois do evento, que comoveu toda a sociedade brasileira, a gente teve uma lei que tentou colocar normativas que reduzissem a possibilidade de que esse tipo de coisa acontecesse novamente. Eu lembro que nós contribuímos muito com aquela lei. Mas, de lá para cá, a gente vê uma série de remendos à lei e uma certa ação para que ela não seja implantada”.

Ele pontua que o PLC 39 é uma das mudanças mais graves na legislação, pois confere atribuições a profissionais que não têm formação e conhecimento para tanto. “São temas complexos, envolvem várias legislações, envolvem conhecimento técnico complexo, o que exige formação”, diz.

Organizador do 2º Encontro Riograndense de Segurança Contra Incêndio, o diretor do Senge e doutorando em Engenharia de Segurança aos Incêndios da Universidade de Coimbra, João Leal Vivian, diz que o entendimento do Senge é de que o PL 39 ataca os pilares da Lei Kiss, artigos que combinam os objetivos da lei na prevenção de incêndios com medidas de segurança. “Se não forem atendidos os objetivos da lei ou não forem atendidas as medidas de segurança, a gente tem uma composição que favorece incêndios. Todas as medidas de segurança estão conectadas com a formação do engenheiro e do arquiteto, que são as disciplinas básicas e formativas. Se a gente der condições para profissionais que não estão com essa formação adequada para trabalhar nas medidas de segurança, a gente pode afirmar que estão fragilizando os pilares da lei, porque não vai ter condições das medidas serem implementadas a contento”, diz.

Vivian também pondera que desde o início de 2014 a Lei Kiss já vem sofrendo alterações na questão de prazos para entrada em vigor de medidas de segurança e também em termos de flexibilizações e simplificações. Segundo ele, esses processos facilitam a ocorrência de incêndios. “A gente viu ontem, em Carazinho, numa fábrica de cosméticos. Em São Paulo, na madrugada de ontem, teve um incêndio gigantesco em Guarulhos. A gente tem o próprio caso do prédio da Segurança Pública. Então, isso liga um alerta e a gente tem que alertar que precisamos preservar a legislação, mesmo com algumas questões com as quais a gente não concorda, para garantir que a engrenagem funcione”, diz.

 

João Leal Vivian, organizador do encontro promovido pelo Senge | Foto: Morgana Volkart/Senge-RS

Por outro lado, Vivian saúda o fato de que, após a Lei Kiss, foram lançadas duas especializações na área de segurança contra o incêndio, na UFRGS e na Unisinos. “A gente tem os profissionais se qualificando, com isso a cadeia produtiva está qualificada. Cada vez chegam mais produtos certificados, de qualidade. A gente vê um arranjo da cadeia produtiva preparada para atender essa demanda. Então, quando a gente vê a precarização, parece que todo esse esforço da cadeia produtiva e de formação das universidades está sendo deixado de lado para trazer uma categoria que, no nosso atendimento, não tem a formação para atuar na área e não participa das qualificações. É como se a gente retornasse à estaca zero”.

Presidente do CREA, Nanci Walter diz que é importante pontuar que não se trata de uma discussão sobre qual profissão é melhor, mas sobre as diferenças técnicas. “Tanto o CAU, como o CREA, arquitetos e engenheiros, querem que se cumpra a legislação, que está posta e é bastante clara. Tanto a lei estadual, conhecida como Lei Kiss, e também a lei federal, que chamam de Kiss federal, ambas são claras em dizer que apenas engenheiros ou arquitetos e urbanistas podem fazer projeto técnico de PPCI”.

Nanci esclarecer que o PPCI é um procedimento administrativo e que dentro dele há um projeto técnico, que é de responsabilidade de engenheiros e arquitetos. Ela avalia que esse projeto técnico é “mais complexo” do que é apresentada na discussão aberta pelo deputado Paparico Bacchi. “Infelizmente, o PLC continua em pauta. Na terça-feira nós iremos na Assembleia acompanhar e espero que, assim como nas duas anteriores, não ocorra a votação”.

 

Nanci Walter, presidente do CREA-RS | Foto: Morgana Volkart/Senge-RS

Ela diz que o deputado Paparico convidou as entidades para uma reunião a ser realizada às 9h da próxima terça-feira (3), antes da nova sessão da Assembleia em que o projeto pode ser votado, mas pontua que a defesa do CREA é para que ele “dê um passo atrás” e retire o projeto da ordem do dia, para que possa haver uma discussão mais qualificada sobre o tema. “Impossível haver um debate de qualidade num tema dessa relevância no período de uma semana. O projeto estando na ordem, quando ele não é votado, ele fica automaticamente na ordem do dia para a semana seguinte”, ressalta.

Fausto Leiria, do CAU, diz que não há dúvidas de que o PLC 39 fragiliza a Lei Kiss e salienta que há outras matérias em tramitação na Assembleia que também modificam a legislação. “A lei foi editada em 2013 com um prazo fixado para que a sociedade, as empresas e todo mundo se adequasses aos novos procedimentos. Houve outra lei, que permitiu que o governador postergasse os prazos por decreto, ele postergou. O atual governador postergou também. Vai estourar na mão do próximo governador do Estado”, diz.

Ele pontua que, se existem dificuldades de implementação da lei, seria necessário que o poder público pensasse em formas de facilitar que empresas e condomínios realizassem as adequações, mas não a mudança da lei. “Nós temos que pensar em maneiras criativas de resolver isso. Ou seja, por que o Banrisul não abre uma linha de crédito para os pequenos e médios empresários poderem financiar as alterações que têm que ser feitas para se adequar à lei? O mesmo para os condomínios residenciais. É o momento de ter criatividade para poder aplicar essa lei, que é tão necessária”, afirma.

 

Fausto Leiria, diretor do CAU/RS | Foto: Morgana Volkart/Senge-RS

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