Política
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28 de outubro de 2021
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17:16

Luta contra a Reforma Administrativa une trabalhadores no Dia do Servidor Público

Por
Luciano Velleda
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Mantendo a pressão dos últimos meses, servidores fizeram novo ato em Brasília nesta quinta-feira (28). Foto: Karen Viscardi/Divulgação Sintergs
Mantendo a pressão dos últimos meses, servidores fizeram novo ato em Brasília nesta quinta-feira (28). Foto: Karen Viscardi/Divulgação Sintergs

Tal como em 2020, o Dia do Servidor Público, nesta quinta-feira (28), é marcado pela mobilização das mais diversas categorias de trabalhadores contra a PEC 32, a chamada Reforma Administrativa. Elaborada pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido) e entregue ao Congresso há mais de um ano, o conjunto de propostas da PEC 32 tem sido encarado pelos servidores públicos como de grande risco à sociedade. 

A alegação é que a Reforma Administrativa proposta pelo governo federal facilitará o processo de privatização de serviços públicos essenciais e não essenciais, incentivará a criação de novas “castas” nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, causará a precarização do contrato de trabalho, e afetará a estabilidade de atuais e futuros servidores, com consequências ruins para a qualidade dos serviços prestados à população. 

Em geral, os servidores públicos afirmam que a PEC 32 é um ataque direto ao funcionalismo, pois altera as regras em relação a vínculos de contratação, gestão, avaliação de desempenho e estabilidade do funcionalismo. 

Depois de tanto tempo de mobilização, o presidente do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Rio Grande do Sul (Sintergs), Antonio Augusto Medeiros, acredita que a união dos trabalhadores do serviço público está produzindo efeitos positivos. Para ele, muitos deputados federais têm mudado de posição e hoje se dizem contrários à PEC. 

“A mobilização está fazendo diferença. Hoje a gente devia estar comemorando e, na verdade, estamos comemorando na luta contra a PEC”, afirmou, enquanto participava de uma manifestação em Brasília.

Medeiros diz que o sentimento atual, após mais de um ano de articulações e atos contra a proposta, é de acúmulo de força. “Vamos cancelar essa PEC. O sentimento é de união de forças em defesa do serviço público”, avalia, projetando que o governo não tem hoje os votos necessários para aprovar a reforma administrativa.

Diretor-geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), João Ezequiel afirma que a PEC 32 é a “destruição do serviço público no Brasil”. Ele destaca a possibilidade de ampla terceirização e privatização no serviço público e o fim da estabilidade como caminhos para que os políticos indiquem livremente seus “apadrinhados” para todos os cargos. 

Sobre o fim da estabilidade, Ezequiel recorda que tal princípio foi fundamental para que o servidor do Ministério da Saúde denunciasse o esquema suspeito de compra da vacina Covaxin. “Se o trabalhador não seguir a linha do político de plantão, estará sujeito a represália e demissão”, alerta. 

Para marcar o dia, o Simpa planeja um ato em frente a Prefeitura de Porto Alegre, para cobrar a reposição salarial dos servidores do município. Pelos cálculos do sindicato, são 28% de acúmulo de perdas devido aos cinco anos sem reposição da inflação. “Não é possível que tudo aumenta, menos o salário do servidor. E não é aumento, é reposição da inflação”, explica Ezequiel.

O diretor-geral do Simpa enfatiza que o prefeito Melo precisa apresentar um calendário de reposição e recorda que servidores de áreas como saúde, DMAE e DMLU, entre outros, nunca deixaram de trabalhar presencialmente durante a pandemia, mesmo arriscando a vida. “É importante agora haver reconhecimento e valorização.”

Quem também cobra por valorização são os professores estaduais. Presidente do Cpers, Helenir Aguiar Schürer diz que a pandemia mostrou, mais uma vez, a importância da saúde e da escola pública – e consequentemente, de seus servidores. Ela lamenta, porém, que o Dia do Servidor seja uma data sem motivo para comemorar, tanto para os funcionários do Rio Grande do Sul quanto para os do Brasil, em geral.

“Estamos sob constantes ataques aqui no Estado, e a proposta do Bolsonaro é a iminência do fim do serviço público. Os governos, infelizmente, desrespeitam e desvalorizam o serviço público, mas a população reconhece”, acredita, destaca que é justamente a população mais desassistida e sofrida a que mais precisa do serviço público. 

O discurso de que a reforma administrativa acabará com “privilégios” do servidor público é lembrado por Arlene Barcellos, diretora do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União no Rio Grande do Sul (Sintrajufe/RS). Ela afirma que a proposta do governo Bolsonaro está longe de acabar com “privilégios” e mais distante ainda de modernizar os serviços públicos. “Essa reforma é a privatização desse setor, o ingresso de apadrinhados, a troca de favores, a ‘rachadinha’.”

Arlene enfatiza que servidores públicos concursados e estáveis nos seus cargos, podem prestar atendimento à população sem qualquer pressão do político eleito, quer sejam prefeitos, governadores ou o presidente da República.

“Nosso empenho, na direção do Sintrajufe/RS, e de forma conjunta com as demais entidades da Frente dos Servidores Públicos no Rio Grande do Sul, desde que a PEC 32 foi encaminhada ao Congresso Nacional, em setembro de 2020, é de mostrar à população que o que está em jogo é o acesso à escola, à saúde e à proteção social de forma pública e gratuita. Ou seja, se essa reforma for aprovada, só terá acesso quem puder pagar pelos serviços. Ela representa, sim, o fim dos serviços públicos e gratuitos”, afirma.

A diretora do Sintrajufe/RS diz que a luta, no Dia do Servidor Público, é reforçar junto à comunidade a importância desses trabalhadores na construção, existência e defesa dos serviços públicos à população.

O deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) avalia que o governo dificilmente terá os votos favoráveis para aprovar a PEC 32. “O governo está dizendo que vai a votação, mas o processo como está se dando, o debate, a compreensão de uma parcela cada vez maior da sociedade de que é um desatino o que eles querem fazer, que seria o fim da profissionalização do serviço público. Seria um grau de precarização e de retorno ao clientelismo político dentro do serviço público como nunca se deu, seria um retrocesso de décadas”, diz. 

Para Fontana, um dos pontos mais problemáticos da PEC 32 é a abertura ainda maior para terceirizações de serviços públicos. “Tem um artigo na PEC que permite tu entregar uma universidade inteira para o setor privado através de um convênio. O governo poderia pegar e dizer que a UFRGS não vai ser mais uma universidade federal, eu vou entregar para a instituição tal e ela vai passar a administrar todo o patrimônio. Tu poderia conceder uma universidade do mesmo jeito que tu concede uma estrada, em troca de pedágio. Bom, isso não tem nada de uma reforma administrativa que busca melhorar o serviço público”, afirma. 

O petista avalia que os deputados do Centrão estão fazendo cálculos políticos de que o voto à favor da PEC pode prejudicar as chances de reeleição. “Nós estamos muito perto do período eleitoral e aí eu sinto que alguns até poderiam votar em uma PEC no primeiro ano, com a expectativa de que a memória desse voto seria diluída ao longo dos outros três anos, e eles não vão topar a menos de um ano da eleição”, analisa, acrescentando que o retorno das sessões presidenciais também dificulta o voto, por ser mais fácil aprovar matérias polêmicas em sessões virtuais. 

“E também existe aquele temor de que podem ir para o desgaste para votar na Câmara e depois não passar no Senado. O Senado já segurou diversas coisas. Por exemplo, a autorização para a compra de vacinas por empresas, que era um escândalo, lá na Câmara ligaram o trator e votaram, mas ficou na gaveta do Senado”, relembra. 

Fontana acredita que o governo está correndo contra o tempo e, nesse sentido, se o governo pensa ter alguma chance, seria agora nas próximas semanas. “Se não passar agora, ano que vem não passa de jeito de nenhum.”

A deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) conta haver a tentativa permanente do Presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em levar a PEC para votação em plenário. Para a parlamentar, a estratégia é uma forma de dar estabilidade para um governo cuja rejeição popular cresce, além de sinalizar aos mercados. Ela define a PEC como uma espécie de “reforma trabalhista do serviço público”. 

“Rebaixa globalmente salários do funcionalismo e retrocede para o patrimonialismo, a República Velha. É a flexibilização de direitos por um lado, o fim da estabilidade, e de outro, o aumento do controle político, além da possibilidade de privatização de tudo. Mas a luta dos servidores aumentou muito. A partir das lutas de rua, da organização dos servidores públicos federais, tanto as jornadas à Brasília que semanalmente os sindicatos têm feito, como a luta nos estados e a pressão nos deputados nas cidades, têm feito com que o governo ainda não tenha os 308 votos que eles precisam para aprovar uma PEC. Então, nós temos que seguir essa luta, faltam oito semanas, na prática, para eles conseguirem votar esse ano e quanto mais nós conseguirmos aumentar a pressão e a mobilização contra a PEC, e também contra o governo Bolsonaro, mais fácil é a gente conseguir vencer e não ter uma reforma tão cruel para os trabalhadores”, afirma.

Já o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) avalia que o governo tem uma base que até poderia lhe dar uma vitória na votação na Câmara. “Se depender da Câmara em si, o governo tem votos para aprovar. O governo fez algumas manobras na Comissão Especial, mas mesmo assim, acredito que ele tem votos, apertado, mas tem. Se a gente levar esse debate para a sociedade, para fora do ambiente parlamentar, o governo sucumbe, ele não ganha o debate. Porque a proposta é muito negativa, ela desmonta o serviço público, praticamente fere de morte o serviço público. Isso tudo faz com que o ambiente parlamentar fique fragilizado para sustentar a aprovação da PEC. Mas, se o debate não vir para a sociedade, a PEC passa na Câmara”, diz. 

Contudo, o pedetista também avalia que o governo corre contra o tempo. “Quanto mais tempo tu ganhar, mais difícil de aprovar. Porque, como eu disse, se o debate for para fora do ambiente parlamentar, ele não se sustenta. Mas, se o governo votar rápido, é mais ou menos como a PEC 5, eles queriam votar rápido porque, se fizesse um debate na comissão, ela não andava na forma como tava. Então, quando tem uma dificuldade, se apressa para que as dificuldades não apareçam. Se aparecerem, ela sucumbe. É o caso da PEC 32, ela tem muitos problemas e quanto mais demorar, maior vai ser a pressão. Quando chegar perto da eleição, a pressão vai ser muito pior ainda. Aí o deputado sai do casulo e vem para a base, vai ouvir cobranças e contestações, e isso deixa o deputado constrangido. Então, se ficar para o ano que vem, não passa.”

Mattos ainda pontua que, no debate da PEC 32 na sociedade, é preciso desmontar uma ideia de que o Brasil tem funcionários públicos em excesso. “A média de servidores públicos entre os trabalhadores aptos à atividade laboral é de 22 a cada 100 no mundo. Nos EUA, é 17. No Brasil, é 12, praticamente a metade do mundo, então não tem funcionário demais. E, se tiver demais, ajusta, corrige, aperfeiçoa, mas isso não significa atirar contra o serviço público e atirar na essência, que é o servidor. O professor não é o problema da educação, é a solução. O policial civil e militar não é o problema da segurança, é a solução. O mesmo na saúde. Mas hoje parece que esse pessoal é o problema e aí se foca no mercado, quando a gente sabe que, na pandemia, o mercado desapareceu, quem sustentou foi o serviço público.”

Permite redução de jornada e salários
Em caso de crise fiscal os servidores da União, estados e municípios poderão ter reduzidos em 25% seus salários e jornadas de trabalho.

Permite a contratação de terceirizados por 10 anos
Hoje a possibilidade de contratações temporárias existe, mas é restrita. A PEC amplia as hipóteses de contratação por tempo determinado, por até 10 anos, retirando a menção “excepcional interesse público”, para “atender necessidade temporária”. Poderão ser contratados como temporários, por exemplo, os profissionais da saúde e da educação.

A contratação por tempo determinado para atender necessidades decorrentes de calamidade, de emergência ou de paralisação de atividades essenciais não precisará sequer de processo seletivo simplificado. O agente admitido via contrato temporário não terá proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, seguro-desemprego e garantia de salário inferior ao mínimo.

Permite contratos de gestão e termos de parcerias (privatização)
Órgãos e entidades públicos e privados podem compartilhar a estrutura física e utilizar recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira. Luiz Alberto dos Santo, advogado, consultor Legislativo do Senado Federal e membro do corpo técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), diz que a autorização para cooperação de União, estados e municípios com a iniciativa privada sem contrapartida definida por lei para realização de serviços públicos, é a privatização do serviço público com perda de qualidade do atendimento, desperdício de dinheiro público, falta de transparência e controle, aumento da corrupção e faz com que conselhos de saúde e educação e outros órgãos de controle social percam a sua capacidade.

Define os cargos exclusivos de Estado
A reforma administrativa define o rol de cargos exclusivos de Estado que não podem ter convênios com a iniciativa privada e serão protegidos do corte de despesas de pessoal. São cargos exclusivos de Estado os que exerçam atividades finalísticas da segurança pública, manutenção da ordem tributária e financeira, regulação, fiscalização, gestão governamental, elaboração orçamentária, controle, inteligência de Estado, serviço exterior brasileiro, advocacia pública, defensoria pública e atuação institucional do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, incluídas as exercidas pelos oficiais de Justiça, e do Ministério Público.

A PEC, no entanto, deixa de fora dos cargos exclusivos as atividades complementares, o que pode abrir uma brecha para contratações temporárias, segundo parlamentares de oposição.

Permite demissão de quem está em cargos obsoletos
O afastamento dos servidores em cargos extintos ou obsoletos se dará de acordo com a média do resultado das três últimas avaliações de desempenho. Se houver empate e não for possível discriminar os alcançados por este caminho, apura-se primeiro o tempo de exercício no cargo e, em seguida, a idade dos servidores. O substitutivo preserva os cargos ocupados por servidores estáveis admitidos até a data de publicação da emenda constitucional.

Avaliação de desempenho para perda de cargo
A estabilidade a todos os servidores novos é mantida, mas será facilitada a abertura de processos administrativos para perda de cargo de servidores com avaliação de desempenho insatisfatório. O servidor será processado depois de duas avaliações insatisfatórias consecutivas ou três intercaladas, no período de cinco anos. Atualmente todos servidores têm direito a estabilidade após cumprirem estágio probatório de três anos. A avaliação de desempenho terá participação do usuário do serviço público e será feita em plataformas digitais.

Outros direitos que os servidores perdem:

– Férias superiores a 30 dias
– Adicionais por tempo de serviço
– Aumento de remuneração e de parcela indenizatória com efeito retroativo
– Licenças prêmio e de assiduidade
– Aposentadoria compulsória como forma de punição
– Progressão baseada exclusivamente em tempo de serviço.

Os membros do Poder Judiciário ficam de fora dessas vedações, contidas no artigo 37 da PEC.

*Colaborou Luís Gomes


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