Meio Ambiente
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20 de março de 2023
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18:05

Relatório do IPCC sobre crise climática aponta futuro desastroso e ressalta urgência de medidas

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Sul 21
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Cientistas afirmam que 79% das emissões globais de gases de efeito estufa vieram dos setores de energia, indústria e transporte. (Imagem: PIxabay)
Cientistas afirmam que 79% das emissões globais de gases de efeito estufa vieram dos setores de energia, indústria e transporte. (Imagem: PIxabay)

As emissões de gases de efeito estufa precisam diminuir 43% até 2030 para que a temperatura do planeta Terra não ultrapasse 1,5ºC até o final do século. Caso contrário, a humanidade sofrerá drásticas consequências. O alerta consta no relatório síntese do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, da ONU), publicado nesta segunda-feira (20).

O documento foi divulgado após uma semana de negociação entre governos e cientistas, com os dois “polos” debatendo de modo a garantir que o texto tenha força científica e relevância governamental. Duas cientistas brasileiras — a vice-presidente do IPCC Thelma Krug, e a revisora Mercedes Bustamante — participaram do grupo que redigiu o relatório síntese, que tem 93 autores.

O recado é direto: a emergência climática deu lugar a uma situação de emergência humanitária. Se medidas concretas não forem adotadas agora, o cenário futuro é desastroso.

O conteúdo das 37 páginas do relatório-síntese não é inédito, pois trata de um compilado dos últimos seis relatórios publicados pelo IPCC. De qualquer forma, o documento visa ser a mensagem final dos cientistas nesta década crítica, pois o próximo ciclo de análise só deve começar a ter resultados por volta de 2028.

Segundo o IPCC, em 2019, a concentração atmosférica de CO2 foi a maior em pelo menos 2 milhões de anos, e as de metano e óxido nitroso, as maiores em 800 mil anos. Os cientistas afirmam que 79% das emissões globais de gases de efeito estufa vieram dos setores de energia, indústria e transporte, e 22% da agricultura, silvicultura e de outras formas de uso da terra.

Desde 2018, o IPCC estuda o aumento da temperatura mundial até 1,5ºC. Quase todos os cenários apontam que esse limite será ultrapassado entre 2030 e 2035, ainda que temporariamente (no momento já são 1,1ºC acima da era pré-industrial). Os cientistas projetaram diversos cenários para o futuro, e apenas naqueles em que há ações mais ambiciosas de redução de gases de efeito estufa (GEE), o mundo consegue voltar à temperatura abaixo desse limiar antes do fim do século.

Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, explica que o aquecimento do planeta em 1,5ºC é uma meta de sobrevivência necessária para garantir um futuro climático mais seguro para todos.

“A mensagem que fica, por parte dos cientistas, é de que precisamos garantir que não haja overshoot (quando a temperatura da Terra ultrapassa um determinado limite por algum tempo e depois retorna) ou que ele seja o menor possível, pelo menor tempo possível. Cada fração de um grau de aquecimento importa. Não estamos preparados para a devastação climática que significa ultrapassar 1,5ºC. Vai nos custar mais vidas, tanto humanas quanto de inúmeras outras espécies”, afirma.

Atualmente, os cientistas calculam que entre 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas — quase metade da população da Terra, sobretudo do hemisfério sul — já vivem em condição de vulnerabilidade devido às mudanças do clima. Essas pessoas têm 15 vezes mais chances de serem mortas num desastre climático.

Para evitar ou atenuar o overshoot, o documento toma como parâmetro as emissões de GEE projetadas de 2019 e traça metas bem específicas para os próximos anos. A primeira delas é reduzir a emissão em 43% até 2030 e, na sequência, reduzir em 60% até 2035; 69% até 2040 e 84% até 2050.

Além de estipular metas a serem atingidas para evitar o aquecimento global acima de 1,5º, o relatório-síntese sobre mudanças climáticas divulgado pelo IPCC é categórico ao afirmar que as decisões políticas seguem investindo mais na causa do que na solução do problema.

Relatório anterior do IPCC, publicado em 2022, já apontava que para haver uma estabilização do aumento da temperatura global em 1,5ºC, o uso de carvão mineral precisa cair 95%, o de petróleo 60% e o de gás natural 45% até 2050. As estimativas são vistas como um alerta para o Brasil, que ampliou investimentos no pré-sal e sancionou uma lei permitindo a construção de novas termelétricas a carvão até 2040.

O cientistas são taxativos ao dizer que é urgente promover uma mudança radical no setor de energia. Para atingir as emissões líquidas zero de CO2 e gases do efeito estufa (GEE), é preciso haver a transição de combustíveis fósseis sem captura e armazenamento de carbono (CCS) para fontes de energia renováveis de muito baixo ou zero carbono. Fontes solar e eólica são consideradas as opções de menor custo com o maior potencial para reduzir as emissões até 2030. Para estimular o setor, o preço da energia renovável tem caído. Entre 2010 e 2019, houve queda de 85% no preço da energia solar e 55% na energia eólica. O preço das baterias de lítio, usadas em carros elétricos, também caiu 85%.

  • É preciso frear com urgência tanto a produção de combustível fóssil, como os subsídios para a indústria causadora do problema. O carbono emitido pela infraestrutura já existente, acrescido do carbono que virá das construções ainda planejadas, já é suficiente para superar o orçamento de carbono (a quantidade de gases de efeito estufa que pode ser emitida até a atmosfera esquentar 1,5ºC).
  • O investimento anual em mitigação para 2020 a 2030 em cenários que limitam o aquecimento a 1,5°C ou 2ºC precisa ser de três a seis vezes maior do que o aplicado hoje. Mas há um problema: os fluxos financeiros públicos e privados de combustíveis fósseis ainda são maiores do que os de adaptação e mitigação do clima. Em suma: não falta dinheiro, falta vontade política e econômica, além de inteligência, já que investe-se mais na causa do que na solução do problema. O benefício econômico com corte de gastos em saúde que decorreria da melhora da qualidade do ar seria aproximadamente o mesmo, ou possivelmente ainda maior do que os custos de reduzir ou evitar emissões.
  • Políticas públicas de redução precisam focar em transporte público e em mobilidade ativa, como o uso de bicicleta. É importante haver também campanhas de conscientização dos efeitos do consumo exagerado, para que as pessoas adotem modelos de vida de baixo carbono. Em números: os 10% mais ricos contribuem com 34% a 45% das emissões domésticas globais de GEE, enquanto os 50% mais pobres contribuem com 13% a 15%. Mas são exatamente esses os que estão em risco.
  • Cada aumento acima de 1,5ºC pode ter consequência para a biodiversidade, ampliando o risco de extinção de espécies ou perda irreversível em ecossistemas de florestas, recifes de coral e do Ártico. Aumenta também o risco de atingir pontos de não retorno, com mudanças abruptas e/ou irreversíveis no sistema climático.
  • As mudanças climáticas causadas pelo homem já estão causando impactos adversos generalizados e perdas e danos relacionados à natureza e às pessoas. As comunidades vulneráveis que historicamente menos contribuíram para as mudanças climáticas são desproporcionalmente afetadas.
  • Existem lacunas de adaptação, que continuarão a crescer com os atuais ritmos de implementação. Os atuais fluxos financeiros globais para adaptação são insuficientes e limitam a implementação das opções de adaptação, especialmente nos países em desenvolvimento.
  • Mesmo quando eficaz, a adaptação não impede todas as perdas e danos.
  • Os riscos e impactos adversos projetados e as perdas e danos relacionados à mudança climática aumentam a cada incremento do aquecimento global, sendo mais altos para o aquecimento global de 1,5°C do que atualmente, e ainda mais altos a 2°C.
  • Com o aumento do aquecimento, cada região deve experimentar cada vez mais mudanças simultâneas e múltiplas. Um exemplo: a subida relativa do nível do mar e os consequentes eventos extremos. Atualmente, estes eventos ocorrem uma vez a cada século, mas são projetados para ocorrer pelo menos anualmente em mais da metade dos locais até 2100. Outras mudanças regionais projetadas incluem a intensificação de ciclones tropicais e/ou tempestades extratropicais, e o aumento da aridez e da temporada de incêndio.
  • As políticas implementadas até o fim de 2020 deverão resultar em emissões globais de GEE mais elevadas em 2030 do que as NDCs (da sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, o compromisso de ação climática de cada país) indicariam. Ou seja, sem um fortalecimento das políticas climáticas ao redor do mundo, o aquecimento global projetado até 2100 é de 3,2ºC. As metas anunciadas antes da COP 26 são igualmente insuficientes, mesmo se implementadas na íntegra. Com ela, o mundo poderá chegar a um aquecimento de 2,8ºC até 2100. Em suma: além da “lacuna de emissões”, há também uma “lacuna de implementação”.

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