Meio Ambiente
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7 de outubro de 2022
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12:34

Governo do Estado marca para dezembro leilão do Jardim Botânico de Porto Alegre

Por
Luciano Velleda
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Jardim Botânico de Porto Alegre, um dos espaços ameaçados pela privatização no RS. (Foto: Filipe Castilhos/Sul21r)
Jardim Botânico de Porto Alegre, um dos espaços ameaçados pela privatização no RS. (Foto: Filipe Castilhos/Sul21r)

O edital de concessão à iniciativa privada do Jardim Botânico de Porto Alegre (JBPA) foi publicado pelo governo estadual na última terça-feira (4). Os investimentos previstos são de R$ 27,3 milhões para “requalificação, modernização, operação e manutenção da infraestrutura do Jardim Botânico”.

A concessão do espaço se insere na política iniciada pelo ex-governador e candidato Eduardo Leite (PSDB) e seguida por seu vice Ranolfo Vieira Júnior, que neste ano já concedeu à iniciativa privada os parques estaduais de Canela, Tainhas e do Turvo.

Assim como nos parques estaduais, a modelagem do negócio foi elaborada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), agora com apoio do consórcio Araucárias e do Instituto Semeia.

A política de concessão à iniciativa privada dos parques estaduais tem sido muito criticada por entidades ambientalistas do Rio Grande do Sul e o mesmo já está acontecendo com o Jardim Botânico.

“O projeto de concessão prevê três pilares ligados à preservação ambiental, fomento ao turismo sustentável e a geração de renda e desenvolvimento regional. A Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente) vai continuar sendo responsável pela pesquisa científica e manutenção das coleções da flora nativa, jardim de plantas medicinais, bem como da área de produção de mudas”, informou o governo ao anunciar a publicação do edital.

Localizado no bairro de mesmo nome, o Jardim Botânico tem 36 hectares e conta com estrutura de laboratórios, gabinetes, salas de exposições e coleções científicas, constituindo um acervo diversificado de exemplares de animais, plantas e fósseis que representam a biodiversidade nacional e internacional, com ênfase no RS. É considerado um dos cinco maiores jardins botânicos brasileiros e tem classificação A, conforme a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Professor de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o biólogo Paulo Brack critica o governo estadual por alegar falta de recursos como justificativa para conceder o Jardim Botânico ao mesmo tempo em que R$ 26 milhões em multas ambientais prescreveram há sete anos por falta de mecanismos de cobrança. “Ou melhor, por falta de vontade política em efetuar sua cobrança”, afirma.

Brack aponta que nos estudos e relatórios encomendados pelo governo gaúcho ao BNDES e empresas consultoras, as palavras “comércio” e “comercialização” aparecem mais de 100 vezes, enquanto as palavras “plantas ameaçadas” ou “espécies da flora ameaçadas de extinção” não constam nos documentos.

“No que toca à expansão das atividades em finalidades fora dos objetivos principais de um patrimônio como um jardim botânico, com coleções de plantas, há que se destacar, por exemplo, que o prédio do orquidário seria transformado em um ‘restaurante botânico’, enquanto o antigo prédio que abrigava bromélias (bromeliário) está planejado para ser transformado em lojas de souvenir”, afirma o professor da UFRGS e coordenador-geral do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá).

“O conflito entre os objetivos do Jardim Botânico, do Museu de Ciência Naturais e o concessionário serão inevitáveis, já que são previstas expansões de prédios e estruturas que podem afetar, externamente, coleções botânicas, ou internamente espaços de laboratórios, gabinetes de pesquisadores, salas de exposições, coleções científicas e espaços de acervos de coleções científicas de animais, plantas e fósseis que representam a biodiversidade nacional e internacional, com ênfase no Rio Grande do Sul. O regramento desta relação não está claro”, ele destaca.

Ao anunciar a publicação do edital, o governo do Estado deu ênfase para o recebimento de 36 contribuições durante o período de consulta pública do processo, das quais seis foram acolhidas total ou parcialmente. O governo ainda citou a realização de duas audiências públicas e “reuniões com empresas interessadas na concessão”.

Apesar das iniciativas, o coordenador-geral do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá) alega que o governo estadual não deu retorno quanto ao atendimento ou não das sugestões apresentadas por pesquisadores, entidades ambientalistas e pessoas da sociedade preocupadas com o tema. “O InGá, por inúmeras vezes participou de várias audiências, inclusive referente à concessão do Parque Estadual do Turvo, e a situação foi semelhante: total ausência de respostas”, afirma.

O biólogo também critica a ausência de uma avaliação técnica ambiental isenta, de Estado e não de governo. De acordo com Brack, os técnicos da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) que trabalham na área desconheciam a construção e o teor do edital de concessão. Para ele, estudos deste porte e que afetam um patrimônio ambiental do Estado deveriam ser assinados por profissionais com experiência na área ambiental.

O governo estadual, por sua vez, diz que o trabalho esteve sob coordenação das secretaria de Parcerias (Separ), Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE).

“O Jardim Botânico é um patrimônio de 63 anos, os governos passam, mas o patrimônio fica e deve seguir se desenvolvendo. No caso atual, fica evidente que os estudos e a modelagem da concessão, elaborados por empresas privadas e de fora do Estado, não possuem a expertise e não contaram com a análise técnica ou mesmo participação dos técnicos especialistas da Secretaria do Meio Ambiente que trabalham no Jardim Botânico em conjunto com o Museu de Ciências Naturais, lembrando-se das milhares de plantas de diferentes regiões do Estado e do mundo, e em especial uma centena e meia de plantas nativas do RS, em diferentes categorias de ameaça de extinção”, enfatiza o professor de Botânica da UFRGS.

Em sua avaliação, o modelo de concessão à iniciativa privada do Jardim Botânico favorece as vendas de produtos e não necessariamente contempla as áreas de educação ambiental, pesquisas, manutenção e divulgação de acervos botânicos. “Não se trata de trazer aqui um demérito a setores empresariais, legítimos, mas que estão limitados a temas como turismo ecológico e áreas afins, muito pouco além disso”, pondera.

“O presente conteúdo de concessão exposto no Edital do dia 4 de outubro de 2022 não teve transparência, não atende às finalidades de um Jardim Botânico, tornando-se uma peça meramente comercial e de geração de negócios, o que se contradiz à educação ambiental e aos objetivos deste imenso patrimônio, já reconhecido em Lei”, conclui Brack.

O leilão do Jardim Botânico de Porto Alegre está previsto para ocorrer no dia 8 de dezembro, no Palácio Piratini.

Pesquisadores apontam para o risco de perda do acervo vivo, como já ocorreu com o Cactário, o Bromeliário, o Orquidário e outras coleções de plantas raras. Foto: Maia Rubim/Sul21

Em outubro de 2018, decreto do então governador José Ivo Sartori (MDB) determinou o encerramento das atividades da Fundação Zoobotânica (FZB) do Rio Grande do Sul. Com isso, o patrimônio da Fundação, que incluía o Jardim Botânico, o Museu de Ciências Naturais e o Parque Zoológico, passaram para a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), desde então oficialmente responsável pela sua preservação e proteção.

Segundo o decreto, o Jardim Botânico, o Museu de Ciências Naturais e o Parque Zoológico “são de interesse público em razão do valor ambiental, científico e paisagístico”.

Na ocasião, a decisão foi possibilitada por uma decisão do Tribunal de Justiça, em setembro de 2018, que derrubou a liminar que impedia a transferência do Museu de Ciências Naturais e o Jardim Botânico para a Sema. Com isso, o governo ficou desobrigado de tomar novas medidas, como adotar um plano de ação que explicitasse como irá preservar o patrimônio da FZB, e ficou liberado para promover a extinção.

Em artigo publicado no Sul21 em fevereiro deste ano, um grupo de biólogos destacou que a pesquisa científica realizada no Jardim Botânico foi, durante muito tempo, atrelada a bolsistas de Iniciação Científica (IC), atuando também na formação desses alunos como pesquisadores. Segundo os biólogos, com a extinção da Fundação Zoobotânica (FZB), bolsas de pesquisa não foram mais concedidas ao Jardim Botânico.


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