Meio Ambiente
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13 de janeiro de 2022
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14:12

Projeto de parque eólico dentro da Lagoa dos Patos preocupa pesquisadores e pescadores

Por
Marco Weissheimer
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Edital prevê a divisão da Lagoa em dois grandes lotes que seriam concedidos à iniciativa privada. (Reprodução)
Edital prevê a divisão da Lagoa em dois grandes lotes que seriam concedidos à iniciativa privada. (Reprodução)

A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul (Sema) publicou, dia 29 de dezembro de 2021, no Diário Oficial do Estado um “Aviso de Audiência e Consulta Pública” para apresentação de um Projeto de Concessão de Uso de Bem Público para a instalação de parques eólicos dentro da Lagoa dos Patos. A consulta pública virtual foi aberta dia 3 de janeiro e se estende até o dia 21 de janeiro, com o objetivo, segundo a Secretaria, de receber “sugestões e contribuições da população para aprimorar a futura concessão”. A audiência pública, que também será virtual e transmitida pela Youtube, está marcada para o próprio dia 21 de janeiro, data de encerramento da consulta.

Segundo o projeto do governo gaúcho, a Lagoa dos Patos foi dividida em dois grandes lotes (lote norte e lote sul) com o objetivo de atrair “o maior número de investidores”. Essa divisão foi feita “a partir de uma linha reta que vai do ponto mais ao norte da Laguna até o ponto mais ao sul”. A expectativa do Executivo é que o edital para a concessão das áreas da Lagoa seja publicado até o início de fevereiro de 2022. Ainda segundo o Executivo, com a concessão, “o Estado do Rio Grande do Sul pretende oferecer uma solução de médio e longo prazo para a geração de energia renovável e limpa”, além de “garantir o desenvolvimento sustentável da região com investimentos substanciais”. Todo o processo, diz a Sema-RS, “será desenvolvido respeitando as normas ambientais previstas em legislação”. 

O termo de referência e o texto de apresentação do projeto, no entanto, não apresentam nenhum estudo sobre os possíveis impactos ambientais e sociais da implantação do projeto, tarefa que fica delegada à empresa que vencer o edital no início de fevereiro. A velocidade no cronograma de anúncio do edital, abertura de consulta pública (virtual), realização de audiência pública (virtual) e abertura da concorrência para a concessão, somada à ausência de qualquer estudo sobre os impactos do projeto preocupam pesquisadores e pescadores artesanais que vivem da pesca na região da Lagoa dos Patos, que pretendem acionar o Ministério Público cobrando mais transparência e informações sobre a natureza do empreendimento.

Professora do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Tatiana Walter vê com preocupação o caráter genérico do edital anunciado pelo governo, sem nenhum estudo sobre impacto ambiental e sem informações mais detalhadas sobre a dimensão do projeto. “Não está definido, por exemplo, quantos aerogeradores serão instalados, não há nenhum estudo sobre impactos e o processo de consulta online é super incipiente”, assinala. Comunidades tradicionais como as de pescadores artesanais e quilombolas, salienta a pesquisadora, não têm acesso adequado a esse tipo de consulta e a maior parte dessa população sequer sabe que esse processo está acontecendo.

Os documentos divulgados pelo governo até agora, acrescenta a professora da FURG, também não fazem referência à área de exclusão de pesca implicada pelo projeto, nem às obras de infraestrutura no entorno da Lagoa que serão exigidas para a implementação do empreendimento. 

A pesquisadora chama a atenção também para o debate sobre a implantação de matrizes energéticas mais limpas, como a eólica, que seriam menos poluentes que a da energia termoelétrica, por exemplo. A questão, observa Tatiana Walter, é que não há nenhuma garantia que a implantação de um parque eólico como esse na Lagoa dos Patos vá substituir projetos de usinas termoelétricas em desenvolvimento no Estado. O que estamos vendo acontecer não é isso, observa. 

Liandra Caldasso, professora da FURG que atua na área da Economia do Meio Ambiente, questiona o déficit democrático verificado até aqui neste projeto, anunciado nos últimos dias do ano, com uma rápida consulta online e uma audiência pública “onde participar não é uma coisa trivial e simples”. Tampouco está prevista até aqui, acrescenta, nenhuma consulta aos grupos sociais que serão impactados pelo projeto.

Na mesma linha, Eduardo Forneck, biólogo e também professor da FURG, questiona a suposta destinação da energia prevista no projeto para o “desenvolvimento social” das comunidades da região, lembrando a íntima conexão que vêm marcando os projetos de geração de energia com projetos de mineração. 

Hoje, o extremo sul do Estado é alvo de grandes projetos de mineração nas regiões de São José do Norte e da Bacia do Rio Camaquã. No dia 23 de outubro de 2020, um grupo de 92 entidades representantes do movimento ambientalista, de sindicatos, movimentos sociais e organizações da sociedade civil divulgou a “Carta do Rio Camaquã”, que denuncia a intenção de transformar a bacia do rio Camaquã em um canteiro de obras dos setores de energia e de mineração no Brasil. A Carta foi uma resposta ao acordo de cooperação técnica assinado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Sema-RS e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) para a realização de Estudos de Inventário Hidrelétrico do Rio Camaquã, visando a construção de hidrelétricas. 

Eduardo Forneck também chama a atenção para o fato de que a região da Lagoa dos Patos integra rotas migratórias de diversas espécies de pássaros, algumas delas vindas do Alasca e que vão até a Patagônia, que podem ser diretamente atingidas pelo parque eólico. O biólogo também questiona a competência da Sema para licenciar esse tipo de empreendimento uma vez que, no entorno da Lagoa, há áreas de conservação estaduais e federais.

Invocando o Princípio da Precaução, as pesquisadoras lembram a ausência de outros empreendimentos eólicos instalados em ambientes aquáticos, especialmente em lagoas rasas no Brasil. Os possíveis impactos sinérgicos e cumulativos desse projeto com outros empreendimentos terrestres tampouco são conhecidos, destacam. Não caberia à Secretaria Estadual do Meio Ambiente sistematizar este conhecimento previamente, para subsidiar o debate e, se for o caso, fazer a concessão? – questionam ainda.

Representante da colônia de pescadores Z-3, de Pelotas, integrante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais e coordenador do Fórum da Lagoa dos Patos, Nilmar Conceição também vê com preocupação o projeto anunciado pelo governo Eduardo Leite. “As informações que temos até agora são vagas e inseguras e esse processo de consulta pública está sendo feito a 15 dias do início da safra, o que prejudica a mobilização e participação dos pescadores, ainda mais em uma audiência que não é presencial”, diz o pescador. 

Nilmar destaca que seu descontentamento é principalmente com a falta de informações seguras e com a propaganda de um retorno imaginário que costuma não se cumprir depois. Ele lembra que a cadeia produtiva da pesca na região da Lagoa envolve cerca de 20 mil pessoas e poderá ser diretamente atingida por esse projeto. “Teremos áreas de exclusão da pesca? Quantas pessoas essa exclusão atingirá? E como esse material pesado chegará aqui já que não temos nem estradas para isso hoje. Muitos pescadores estão em pânico, mas não sabem o que fazer”, relata.


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