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27 de maio de 2022
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09:10

Autores de projeto alternativo para o Cais Mauá veem avanços após reunião com governo estadual

Por
Luciano Velleda
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Futuro do Cais Mauá está em debate desde 2021 com visões distintas entre gestão pública e privatização. Foto: Luiza Castro/Sul21
Futuro do Cais Mauá está em debate desde 2021 com visões distintas entre gestão pública e privatização. Foto: Luiza Castro/Sul21

Depois de mais de seis meses de espera, professores da UFRGS e representantes do Coletivo Cais Cultural foram recebidos pelo governo estadual, nesta quinta-feira (26), para apresentar e debater a proposta de ocupação cultural do Cais Mauá. Formulada pelo grupo e apresentada em novembro de 2021, a proposta de revitalização propõe que o Cais seja destinado à promoção de atividades culturais, sem a necessidade de privatizar o espaço.

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O estudo prevê a exploração comercial da área por empreendimentos econômicos e de forma comercial, como restaurantes e bares, assim como também propõe que os espaços sejam ocupados por atividades e setores ligados à economia criativa.

O governo do Estado, por sua vez, apresentou em audiência pública realizada no começo de maio, uma proposta muito diferente. A preferência do governo é conceder o Cais à iniciativa privada, por um prazo de 30 anos, em troca de investimentos na “modernização”, conservação e urbanização do espaço situado no centro de Porto Alegre.

Um dos autores do projeto alternativo, Eber Pires Marzulo, professor do Departamento de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), avaliou a reunião como positiva, embora ressalte a demora do governo estadual em receber o grupo para conversar.

Marzulo avalia que o governo, na figura do secretário Busatto, teve uma postura de interesse em conversar e debater o futuro do Cais, reconhecendo também o tempo perdido nos mais de seis meses em que o grupo solicitou o encontro com representantes do Executivo.

Entre os aspectos positivos do encontro, Marzulo destaca a concordância do secretário estadual de Parcerias, Leonardo Busatto, para a vocação cultural dos armazéns do Cais. O professor da UFRGS recorda que, na década passada, muitas atividades culturais foram realizadas no espaço, com grande aprovação dos moradores da Capital, como a Bienal do Livro, shows, feiras e produções audiovisuais. “O uso consagrado dos armazéns do Cais é para a atividade cultural pública”, ressalta.

Entre os possíveis avanços, o mais significativo foi a sinalização positiva do governo estadual em ceder alguns armazéns do Cais para serem contemplados na proposta de caráter mais cultural elaborada pelo grupo. Sem a definição de quantos armazéns podem ser cedidos, a conversa girou em torno de três armazéns – são 12 ao todo.

Por outro lado, a reunião também serviu para ressaltar alguns problemas na proposta de concessão à iniciativa privada pretendida pelo governo do Estado. Um deles é a demolição do famigerado Muro da Mauá. Segundo Marzulo, a derrubada do muro seria uma exigência de investidores privados como forma de conectar o Cais à cidade, porém, a demolição cria a necessidade de construção de algum outro tipo de contenção das águas do Guaíba em caso de cheia. E, nesse aspecto, quem pagará a conta de tal obra é um problema.

“Isso não estava colocado até agora com esse problema”, pondera o professor da UFRGS. Todavia, a dificuldade colocada pelo governo deu mais fôlego aos argumentos da proposta alternativa elaborada pelo Coletivo Cais Cultural. Isso porque, explica Marzulo, as atividades culturais já realizadas no local sempre foram concebidas com uma estrutura “mais leve” e que, em caso de emergência, é mais facilmente removida ou transportada.

“Não se vai ter grandes problemas porque são estruturas mais leves para atividade cultural. A gente tem a experiência que dá para usar e nunca teve problema. Então a nossa proposta de ocupação dos armazéns é imediata, ao contrário da proposta pelo consórcio do governo”, explica.

Presente no encontro e também um dos autores da proposta alternativa de ocupação cultural do Cais Mauá, o professor do Departamento de Sociologia da UFRGS Luciano Fedozzi também avalia como positivo o acordo de realização de uma reunião com a Secretaria Estadual da Cultura para debater o projeto. De preferência, diz ele, a expectativa é de que a reunião aconteça antes da próxima audiência pública, marcada para o dia 2 de junho.

Inclusive Fedozzi espera que, na próxima audiência, o governo estadual apresente o laudo de avaliação imobiliária com o valor do terreno das docas. “Esperamos ainda esse documento, que provavelmente o Tribunal de Contas do Município vai requerer, porque é um documento chave”, afirma.

Na proposta do Coletivo Cais Cultural, o terreno das docas seria vendido para financiar a restauração e conservação dos armazéns do Cais, com o valor sendo depositado num fundo a ser criado. Já o governo prevê a construção de nove torres na área das docas.

O grupo recebido pelo governo do Estado também manifestou preocupação com os efeitos excludentes de uma ocupação privada do espaço, na hipótese da construção de  comércios, lojas e restaurantes voltados para uma classe sócio-econômica de maior poder aquisitivo. O governo, todavia, acredita que o fato de não haver portão ou ingresso garantirá o acesso público. O argumento não é bem visto pelo professor de sociologia.

“Não basta substituir muro físico mantendo muros invisíveis que vão manter as dificuldades de acesso”, salienta Fedozzi.

O governo ainda colocou objeção legal à criação de um fundo com o valor arrecado com a venda das docas. Segundo o secretário estadual de Parcerias, Leonardo Busatto, seria preciso a aprovação de lei específica para tal fundo. Busatto também destacou que o valor obtido não seria suficiente para bancar todo o projeto dos armazéns, principalmente a construção de uma nova contenção da água do Guaíba que substituísse o muro da Mauá – embora ainda falte o laudo de avaliação imobiliária das docas.

Para Fedozzi, a reunião serviu para mostrar que o modelo de concessão do cais à iniciativa privada é mais uma preferência do governo do que uma necessidade. Entre concordâncias e discordâncias, o professor de sociologia se mostrou satisfeito com a possibilidade do projeto de ocupação cultural ter garantido alguns armazéns do Cais. A expectativa agora é que o debate possa avançar de modo mais propositivo na próxima audiência pública, já que a primeira foi bem tumultuada.


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