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19 de outubro de 2021
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14:53

Obra do DMAE é denunciada por usar estudo de impacto ambiental declarado falso pelo IGP

Por
Luciano Velleda
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O novo Sistema de Abastecimento de Água Ponta do Arado deve beneficiar 16 bairros das zonas Sul, Extremo-Sul e Leste. Foto: Luiza Castro/Sul21
O novo Sistema de Abastecimento de Água Ponta do Arado deve beneficiar 16 bairros das zonas Sul, Extremo-Sul e Leste. Foto: Luiza Castro/Sul21

Obra importante para o abastecimento de 16 bairros das zonas sul, extremo-sul e leste de Porto Alegre, incluindo a Lomba do Pinheiro, o novo Sistema de Abastecimento de Água (SAS) Ponta do Arado é alvo de denúncias e reclamações. No último dia 6 de outubro, integrantes do Movimento Preserva Belém Novo entraram com uma representação no Ministério Público Estadual (MPE) com uma série de questionamentos.

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A principal alegação se refere à ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para o conjunto das sete obras relacionadas ao novo SAA Ponta do Arado. Para realizar as obras, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) apresentou o EIA-RIMA elaborado em 2013 pelo polêmico empreendimento Fazenda do Arado, alegando que tais estudos já envolviam a área onde será construída a Estação de Tratamento (ETA) de Água Ponta do Arado.

O problema, como enfatiza o Movimento Preserva Belém Novo na denúncia ao MPE, é que o EIA-RIMA do empreendimento Fazenda do Arado foi declarado em parte como “falso/enganoso/omisso”. A afirmação consta em laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP), em inquérito da Polícia Civil concluído em maio deste ano.

O Movimento também pondera que o EIA-RIMA usado pelo DMAE se refere exclusivamente a Estação de Tratamento (ETA) de Água Ponta do Arado, que é apenas uma das obras do novo Sistema de Abastecimento de Água (SAS) Ponta do Arado, um projeto maior.

“Como já referido, as 7 (sete) obras relacionadas ao novo SAA Ponta do Arado extrapolam a construção da ETA Ponta do Arado (que ficará dentro da área da Fazenda do Arado) e formam um conjunto de intervenções com características próprias, absolutamente distintas daquelas avaliadas no EIA-RIMA do empreendimento Fazenda Arado Velho”, afirma trecho da representação enviada à Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e a Promotoria da Habitação e Defesa da Ordem Urbanística de Porto Alegre.

“Não bastasse tamanha discrepância e ausência de relação entre os estudos do empreendimento Fazenda do Arado e aqueles necessários para um novo sistema de abastecimento de água para a cidade (no caso concreto do SAA Ponta do Arado), é fato notório, que o EIA-RIMA elaborado pelo empreendedor da Fazenda Arado Velho não é válido uma vez que, investigado pela Polícia Civil e, de acordo com laudo de técnicos do Instituto Geral de Perícias (IGP) é falso, omisso e incompleto”, acrescenta a denúncia.

Ampliar e melhorar o fornecimento de água nos bairros da zonas Sul e Leste da Capital é uma demanda antiga da comunidade, que sofre com a falta de abastecimento, principalmente no verão, quando há alto consumo. Desde 2012 o DMAE estuda ampliar a produção de água para suprir o déficit de abastecimento da região.

A expansão urbana em direção aos bairros da zona sul, em conjunto com a falta de adequada estrutura do saneamento básico, causou na última década uma espécie de “colapso” do Sistema de Abastecimento de Água Belém Novo (SAA Belém Novo), responsável por atender diversos bairros das regiões sul e leste

A situação foi relatada no Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) do DMAE em 2013. “O Sistema Belém Novo fica no sul do município de Porto Alegre, com área de abastecimento se expandindo de 2.538 ha em 2003 para 3.600 ha em 2005, 4.573 ha em 2007 e 5.979 ha em 2012, fazendo limite ao norte com os sistemas Menino Deus e a oeste com o Sistema Tristeza. No ano de 2007, o Sistema Lami foi incorporado ao Sistema Belém Novo, através da implantação da Adutora de Interligação Belém Novo-Lami. Após a interligação, a ETA Lami e o Reservatório Lami foram desativados. Também estão sendo incorporadas ao Sistema Belém Novo, áreas até então abastecidas pelo Sistema Lomba do Sabão.”

Para suprir a crescente demanda, no mesmo documento o DMAE apresenta a necessidade de construir uma nova estação de tratamento de água em Belém Novo, especificamente no “Loteamento Arado Velho”.

“A partir de uma criteriosa análise técnica e econômico-financeira, o Departamento selecionou a alternativa que prevê a implantação de uma nova ETA no Loteamento Arado Velho para 1.500 l/s, em uma área que está sendo doada ao Departamento, mantendo-se ainda a ETA existente em operação com capacidade de produzir 1.000 l/s, porém sem condições de sofrer ampliações em razão do limitado espaço físico”, diz trecho do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de 2013.

Dois anos depois, a proposta de uma nova ETA no Arado Velho foi ampliada para um projeto mais amplo, o novo Sistema de Abastecimento de Água Ponta do Arado.

“A área atendida pelo Sistema tem crescido consideravelmente nos últimos anos acompanhando o crescimento da cidade no sentido da zona sul do município. Observa-se um elevado número de novos empreendimentos, loteamentos e condomínios. Com todo este cenário de expansão na zona sul de Porto Alegre e também nas áreas do Bairro Lomba do Pinheiro, hoje incorporadas ao Sistema Belém Novo, constatou-se ser fundamental a necessidade de obras de ampliação neste sistema já que a ETA atual e muitas das unidades existentes não comportarão o acréscimo de demanda que deverá ocorrer nos próximos anos. Será necessária a implantação de uma nova ETA na região e uma série de obras que comporão um novo sistema de abastecimento”, diz trecho do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de 2015.

Bairros da zona sul e leste da Capital sofrem com desabastecimento de água, causada pela expansão urbana. Foto: Luciano Pandolfo/Smamus PMPA)

Na representação ao Ministério Público Estadual (MPE), além da denúncia de ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para as obras do novo Sistema de Abastecimento Ponta do Arado, o Movimento Preserva Belém Novo também reclama da falta de diálogo e esclarecimentos à comunidade.

O Movimento alega que seis anos depois da publicação do Plano Municipal de Saneamento Básico de 2015, a população do bairro Belém Novo foi surpreendida, em outubro do ano passado, com o cercamento de parte de área pública, em área de preservação permanente, local de um dos três pontos de banho do bairro, conhecido como o antigo restaurante Poleto. Segundo os moradores, o DMAE só agora informou que a obra da nova estação de bombeamento de água deverá fechar o acesso à praia.

“Recentemente pequena parte dos moradores do bairro Belém Novo foram convidados para reunião realizada em 16 de setembro de 2021. Outra reunião, convidando apenas comerciantes e artesãos, foi marcada para 28 de setembro de 2021. Nesses encontros o DMAE se restringiu a informar dos transtornos que a população sofrerá com o início de novas (grandes) obras (trânsito intenso de carretas com possibilidade de danos às construções dos particulares que ficam nas vias onde os veículos passarão, riscos de atropelamentos, poeira, poluição sonora, etc) e de forma sucinta afirmou que a histórica praia Copacabana será utilizada para ampliação das estruturas da estação de bombeamento de água, sendo que a população perderá este espaço de forma definitiva (remanescendo um pequeno acesso para o Guaíba de 10 metros de largura)”, afirma outro trecho da denúncia.

O MPE diz ter instaurado uma “notícia de fato” sobre o novo sistema de abastecimento na zona sul e extremo-sul de Porto Alegre, e requisitou informações acerca dos estudos para a implantação da ETA Ponta do Arado ao município.

No final de setembro, o órgão ingressou com uma Ação Civil Pública com pedido de liminar para que seja suspensa a tramitação na Câmara do Projeto de Lei Complementar elaborado pelo governo de Sebastião Melo (MDB) para mudar o regime urbanístico da Fazenda do Arado, em Belém Novo.

Na ocasião, o MPE apresentou uma séria de justificativas contrárias à proposta de mudança do regime urbanístico, entre elas, o laudo do IGP que concluiu como “falso/enganoso/omisso” o EIA-RIMA apresentado pelo empreendimento imobiliário – o mesmo EIA-RIMA usado agora pelo DMAE.

Na Ação Civil Pública, o Ministério Público Estadual (MPE) argumenta que, ao ser declarado como falso, enganoso ou omisso, é necessária a realização de novo estudo de impacto ambiental para o empreendimento. O pedido de liminar contra o projeto de lei da Prefeitura que muda o regime urbanístico da região para viabilizar o empreendimento imobiliário ainda não foi julgado. A juíza encarregada do caso está aguardando a manifestação do empreendedor, da Prefeitura e da Câmara para então decidir

Procurado pela reportagem, o DMAE informa que tem a “convicção de que a obra é regular dentro de toda legalidade e possui todos os licenciamentos necessários”. O órgão também ressalta que prestará todos os esclarecimentos necessários ao Ministério Público e, por fim, reafirma que as melhorias são imprescindíveis para o futuro da cidade. Na resposta, entretanto, o DMAE não explica a situação da obra da nova estação de bombeamento de água que deverá fechar o acesso à praia de Copacabana, em Belém Novo.

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