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1 de setembro de 2021
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18:33

Entidades acusam governo Melo de censura ao criar por decreto novo código de ética

Por
Luciano Velleda
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Melo, durante  assinatura do novo Código de Ética, de Conduta e de Integridade dos servidores. Foto: Mateus Rauigust/PMPA
Melo, durante assinatura do novo Código de Ética, de Conduta e de Integridade dos servidores. Foto: Mateus Rauigust/PMPA

O novo código de ética e conduta dos servidores públicos de Porto Alegre, estabelecido por meio do Decreto 21.071/21 pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) em junho, tem causado desconforto e reclamação entre os funcionários. Nas últimas semanas, diretores de escola e pessoas com cargo de chefia receberam o Termo de Adesão e Compromisso ao código, e a orientação da Prefeitura é de que todos os servidores assinem o documento. Em caso de recusa, procedimentos disciplinares são previstos pela Corregedoria-Geral do Município (CGM).

Com 17 páginas e 37 artigos, há um ponto específico que tem motivado o descontentamento entre os servidores. Trata-se do Artigo 7º, que estabelece as condutas éticas que todo funcionário público precisa ter. O tópico XXV determina que o servidor deve: “zelar para que a publicação de opinião pessoal nas redes sociais e em mídias alternativas não resultem em prejuízos à imagem institucional do Município, bem como a de seus agentes públicos, estando vedada a utilização de símbolos oficiais do Município para quaisquer fins que não os institucionais”.

No entendimento do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), esse trecho do decreto visa intimidar e restringir a liberdade de expressão dos funcionários públicos, ao fazer referência à opinião do servidor em suas redes sociais particulares.

Diretora de Comunicação do Simpa, Cindi Sandri diz haver tentativa de perseguição ao servidor público e que o cerceamento da manifestação na rede social privada extrapola a boa prática exigida do funcionário público. “Isso é inconcebível num processo democrático, é um absurdo, é o decreto da mordaça!”

O Simpa argumenta que a Lei Complementar (LC) 133/85, conhecida como o Estatuto do Servidor, já estabelece a conduta dos funcionários públicos, que tomam ciência dela no ato de posse. A lei determina o compromisso em executar a política pública com ética e moralidade.

“Não há novidade em termos um código de ética e conduta, a novidade é esse cerceamento à opinião pessoal”, afirma Cindi.

Desde que se reuniu em assembleia no último dia 13 de agosto para debater a questão, o Simpa tem orientado a categoria a não assinar o termo de adesão e compromisso.

A diretora-geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Maria José da Silva, conhecida como Zezeh, também acusa o governo Melo de tentar cercear a liberdade de expressão dos servidores.

Zezeh alega que não cabe à Prefeitura determinar o que o servidor pode ou não dizer nas suas redes sociais particulares. E destaca que o estatuto do servidor já estabelece limites de conduta e regras para que a opinião do funcionário não cause dano ao serviço público.

“Já temos esse compromisso com a lisura das nossas ações. Então esse decreto é um acinte. É uma forma aguda de assédio moral. Já temos o regramento, então por que tem que assinar o termo?”, questiona. “É uma forma de repressão prévia dos servidores.”

A orientação da Atempa é de que professores e funcionários das escolas municipais não assinem o documento.

Secretário municipal da Transparência e Controladoria (SMTC), Gustavo Ferenci pondera que o novo código de ética e conduta não tem novidade em relação ao estatuto do servidor. O decreto, ele explica, integra o manual de compliance do governo Melo, ou seja, boas práticas de gestão.

Ferenci nega haver qualquer intenção de cercear a liberdade de expressão dos funcionários públicos. Ele destaca que o decreto reflete o estatuto do servidor, formulado por lei em 1985, e faz atualizações, pois no começo dos anos de 1980 não havia internet e rede social.

“É só uma atualização. Melo jamais assinaria um decreto que cercearia a liberdade, e eu também não”, afirma.

Questionado se a atualização da Lei Complementar (LC) 133/85 não deveria ocorrer também por meio de lei, ao invés de decreto, Ferenci disse que “pode ser”, mas a Procuradoria-Geral do Município (PGM) orientou não haver essa necessidade.

No entanto, se for preciso realizar a atualização do estatuto do servidor por meio de lei, o secretário disse não haver problema em mudar. “O interesse é o respeito à imagem da Prefeitura, que não é a imagem do Melo, é algo muito maior.”

Ferenci disse que conversará com a PGM para talvez ampliar o prazo da assinatura do termo de adesão, uma reclamação que considera razoável, pois, no mais, não achou que o novo código de ética fosse se transformar em polêmica.

A Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre (Astec) entrou em agosto com ação civil pública questionando a legalidade do decreto ao criar e vedar direitos e obrigações não dispostas em lei. A entidade pediu, em caráter liminar, a suspensão da obrigação de assinatura do Termo de Adesão e Compromisso ao Código de Ética, de Conduta e de Integridade, criado pelo governo Melo. No mérito, requereu ainda a declaração de nulidade do decreto.

Na ação, a associação afirma não ser possível impor penalidade sem que haja lei anterior que a defina, e argumentou que a Lei Complementar 133/85 (estatuto do servidor) já dispõe sobre os deveres, responsabilidades e proibições que devem ser obedecidas pelos servidores, e, portanto, no entender da associação, o decreto pretende submeter o servidor a um novo “regime repressivo”, criando a possibilidade de punição duas vezes pelo mesmo ato.

No entanto, a juíza Marilei Lacerda Mensa, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, decidiu não haver dano na assinatura do Termo de Adesão, pois “revela-se como uma demonstração formal da cientificação dos servidores públicos no que diz quanto aos termos do Código de Ética”.

“A necessidade de assinatura diz com a ciência, no que não vislumbro, nesse nível de cognição sumária, qualquer ilegalidade, como faz crer a entidade autora”, afirmou.

A juíza também indeferiu o pedido de nulidade do decreto. Na decisão, Marilei observou que o servidor não pode se recusar de seguir atos determinados pela Administração Pública, diante da supremacia do interesse público pelo privado.

“Ausente ilegalidade, tenho que não cabe ao Judiciário imiscuir-se no mérito da tomada de decisões do Poder Executivo, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes”, decidiu.

A ação da Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre, todavia, não questionou a legalidade do Artigo 7º do decreto, que se refere a opinião pessoal do servidor nas redes sociais.


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