Geral
|
13 de maio de 2017
|
19:27

Outro lado da maternidade: estereótipos, expectativas e mitos são barreiras para as mães

Por
Sul 21
[email protected]
Outro lado da maternidade: estereótipos, expectativas e mitos são barreiras para as mães
Outro lado da maternidade: estereótipos, expectativas e mitos são barreiras para as mães
A partir do século 19, a ideia de que há uma incondicionalidade natural no amor entre mãe e filho é reiterada, para que a mulher tenha uma única função na vida: ser mãe. Foto: Reprodução TVT

Da RBA

Desde sempre a maternidade é idealizada, seja no ambiente social, em família ou na propaganda. Das mães se espera – e assim são mostradas – que sejam bonitas, fortes, resistentes e que amem seus bebês de maneira incondicional.

E o que acontece com as mulheres que não vivem este estado pleno de felicidade? Com as que se sentem cansadas de uma rotina estressante, frustradas pela interrupção de seus planos pessoais e profissionais? Como não são sentimentos que se esperem delas, tendem a esconder e sofrer sozinhas.

Bebês, crianças, adolescentes, adultos. As mulheres têm de enfrentar todas estas fases da vida dos filhos, certas de que ser mãe é para sempre.

Projetos de vida abandonados em lugar da faculdade, horas e horas lavando louça e preparando café da manhã. Depois o almoço, lanche da tarde e jantar. Essa é a rotina de quem abraçou a maternidade solo.

“É necessário falar das coisas ruins, porque tem muita mãe que se cobra, pois no comercial e novelas, as mães são de outra jeito. Quando elas ouvem outra mãe dizer que está cansada, que não gosta de dar banho ou trocar a frauda, elas sentem um alívio e pensam “eu não sou a única””, diz a doula Mariana Clara de Souza Neves, ao Bom Para Todos, da TVT.

Uma gravidez não planejada aos 23 anos e a vida de Mariana nunca mais foi a mesma. “Eu estava com vários projetos de vida, mas respirei fundo e mergulhei na novidade”, relata. A faculdade foi o primeiro projeto abandonado. Na marra, ela descobriu o que é ser mãe. “É uma rotina com muita correria. Você acorda, vai para a cozinha que é a parte em que eu mais fico durante o dia, lavando louça ou preparando comida.”

A experiência de Mariana é chamada de maternidade solo, apesar de criar o filho sozinha, ela pensa que a tarefa deveria ser dividida, mas não apenas com o pai. O ideal seria uma rede de apoio que dividisse a formação e educação da criança com os pais. “Os seus amigos, sua família, sua comunidade, todo mundo fazendo parte da criação dessa criança.”

Segundo a professora Carla Cristina Garcia, a sociedade espera e exige das mães o amor incondicional pelo filho, criando um mito. “A sociedade espera esse amor há muitos séculos, o relato da Mariana deixa claro o mito do amor materno, ou especificamente falando, sobre o instinto materno, que é um mito. Há um convencimento de mais de 300 anos sobre isso. Não somos mais animais, somos seres humanos que tem um funcionamento diferente em relação a cria, temos inconsciente, temos nossas próprias neuroses”, afirma.

A professora explica que, a partir do século 19, a ideia de que há uma incondicionalidade natural nesse amor é reiterado, para que a mulher tenha uma única função na vida: ser mãe. “Essa exclusão das mulheres como bloco humano de qualquer representatividade vem acompanhada de um convencimento de que o natural é a mulher ser mãe, como se fosse a função biológica social dela. Evidentemente, isso vai criar todo esse transtorno que vemos hoje”, diz Carla.

Amor materno

Para a dona de casa Vanda de Souza, a mãe tem que amar o filho, independente do desejo de tê-lo. “Muitas mulheres não planejam ter filhos, só que quando vem não tem como não dizer que não quer. Você tem que amar aquele ser que depende de você. É tudo um aprendizado importante.”

Carla Garcia lembra que, com o nascimento da criança, algumas mulheres se tornam infelizes, pois abdicam de seus planos de vida para cuidar apenas do filho. “Esse planejamento de você não ter um filho e ele nascer, transtorna a vida de uma mulher que tem planos para ter uma carreira, porque o mundo público que separa as esferas, desde a Revolução Francesa, faz que a maternidade ocupe 100% do tempo e toda sua vida tem que girar em torno disso.”

“A filósofa francesa Elisabeth Badinter escreveu o livro O amor conquistado: o mito do amor materno. Ela viu o tédio e tristeza nos rostos das mães que estavam nos parques de Paris. A solidão de estar sozinha com o bebe. Se o instinto materno trouxesse uma felicidade infinita, o que é essa angústia de você gostar do seu filho, mas odiar o que a maternidade traz. Você entra em um conflito insano com você mesma”, conta.

Auxílio

Há mães que dizem que “não tem o que reclamar”, pois recebem a ajuda do companheiro na criação do bebê. “Quando se fala em “ajuda”, fica claro que não é uma questão compartilhada. A noção de ajuda pressupõe que as tarefas são opostas e este é grande drama entre os casais”, pondera a professora.

Palestras, rodas de conversa, conjunto de profissionais que auxiliam quem está se preparando para o parto ou quem já é mãe. A Casa Materna, em Santo André-SP, ajuda as pessoas que querem viver a maternidade e paternidade de forma consciente. Da gestão aos primeiros anos da maternidade, a casa torna possível o parto humanizado.

“Aqui temos espaços para mães que estão se preparando para o parto, e também para aquelas que já são mães, que são as rodas de apoio. Na roda de gestante, é busca por informações, pois elas querem um parto respeitoso, com um nascimento respeitoso para os filhos”, explica Raquel Nantes Tavares, educadora paternal.

Mais do que informação, na Casa Materna as mulheres encontram acolhimento, com um espaço possível para um desabafo, conta psicóloga Carla Moura. “Ser mãe não é estar no paraíso, são muitas dificuldades, com mudanças no corpo, mudanças mentais, um amadurecimento e, junto com tudo isso, vem um ser quem ela será responsável pelo resto da vida.”

Carla Garcia afirma que há pontos importantes das rodas de apoio. Um deles é tirar a toda a responsabilidade dos ombos das mães sobre a vida da criança. “É muito importante que nessas rodas de apoio se entenda que a criação das crianças não é uma responsabilidade materna, onde a mulher terá de carregar sozinha para a vida toda. Quando a gente pensa em políticas públicas, a licença tem que ser parental, não podemos mais chamar de licença maternidade.”

Outra forma de auxiliar gestantes e mães que já deram a luz é o Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que dispões de vagas para tratamentos de pacientes voluntários e gratuitos, voltados para gestantes de 18 a 45 anos com quadros de depressão e ansiedade. O agendamento para triagem pode ser feito no (11) 2661-6440.

A dor de quem perde um filho

Ter um filho é difícil, perde-lo é mais ainda. O pior é não pode viver plenamente esse luto, pois das mães se espera a força e superação, como se não fosse uma pessoa de carne e osso.

O nascimento de Cecília foi em um parto de emergência na 36ª semana de gestação. Ela permaneceu 56 dias na UTI. “Ela lutou bastante, fez várias cirurgias, passou por um processo de guerreira”, relata a mãe e personal gestante Luciana Barranco.

A perda da filha revelou a pior de todas as dores sentidas por uma mãe. “É difícil vestir o sorriso, seguir em frente, todo dia a gente lembra e chora. É difícil porque vem a cobrança da sociedade também”, desabafa Luciana.

Ela descobriu que, para as mães, não é permitido vivenciar plenamente o luto. “Dizem ‘você tem que ser forte’, ‘você é guerreira’, mas você não quer ser isso, você quer que vejam você fragilizada e tem deem aquele colo. Aí vem a outra cobrança que o ‘outro filho precisa de você'”, conta.

Na rotina da mãe, não há espaço para fragilidade. “As vezes eu vejo isso com a minha mãe, porque eu peço tanto colo para ela e eu esqueço de perguntar como ela está, porque ela tem as dores no silêncio dela.”

A identidade feminina parece morrer no instante que a mulher engravida. A partir daí, ela só pode ser mãe. “A sociedade e a família diz que “você é abençoada por ter um ser no seu ventre”, mas esquecem que você é uma pessoa de sentimento, que chora, que ri e tem suas vontades”, relata a personal gestante.

Para a professora Carla, nada é mais diabólico para a mulher do que a ideia de uma maternidade perfeita. “Esse é um dos mitos mais diabólicos, porque interfere em 100% de você e que vai definir toda a sua identidade.”

Mesma experiência, mesmos obstáculos

Ter filhos é um caminho sem volta. É um trabalho para vida inteira e educar não é das tarefas mais fáceis, o que quase sempre sobra para as mães. ‘A mãe continua sendo sempre mãe. Os filhos saem de casa, mas as preocupações são as mesmas”, diz a pedagoga Valéria Ortega.

A primeira filha nasceu quando Valéria tinha 20 anos. “Eu não nasci mãe, eu era só filha. A Mariana que me ensinou a ser mãe.” Depois de 12 anos, nasceu a Marina. “Ela pegou uma mãe completamente diferente, muito mais segura, com mais experiência.”

Mesmo com as duas maternidades, Valéria enfrentou os mesmos obstáculos. “Ser mãe foi uma escolha minha. As dificuldade vieram, mas eu não tinha mais escolha, eu tinha que ir pra frente, não podia voltar.”

Ter o pais das filhas presente não facilitou em nada a vida de Valeria. “Educar dá trabalho, não é só falar uma vez e resolveu. É um processo continuo, permanente e diário.”

Estereótipo da sociedade

Com os Dias das Mães, as campanhas de publicidade apelam para o estereótipo da mãe ideal e destacam máquinas de lavar, secadoras e outros utensílios domésticos em seus anúncios. “Isso traz junto todo o movimento da sociedade de entender que esses estereótipos dos papeis femininos precisam mudar. No caso da mãe, isso vai ser mais difícil, porque as pessoas não percebem o quanto exploram sua própria mãe. Então, vai levar um certo tempo.”

Em entrevista ao El País, a psicóloga Laura Garcia Agostin, disse que vivemos em uma sociedade que se move aplicando uma moral dupla: você pode sentir algo fora do normal, mas é melhor que não diga. Ela fala sobre boas mães, que em seu consultório, nunca disseram para ninguém, como o arrependimento da maternidade.

A psicóloga passa uma “receita” para enfrentar esse drama: reconheça seus sentimentos e se permita tê-los; dê nome às suas emoções e deixe que saiam; diga em voz alta o que você sente; compartilhe suas reflexões com alguém de confiança; tente identificar as crenças que lhe causam o mal-estar; se não conseguir sozinha, procure a ajuda de um profissional.

“A mulher não nasce para ser mãe se ela não quiser. Não tem nada de errado em não querer ter filhos. O desenvolvimento da espécie humana não nos torna uma fêmea que tem um instinto. Não tem nada de errado, você não vai se arrepender. Uma mãe é feliz sabendo que fez a escolha certa”, diz Carla Garcia.

Assista à reportagem completa do Bom Para Todos, da TVT:


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora