Educação
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24 de março de 2023
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19:28

Novo Ensino Médio: Expectativa de revogação se concentra em Lula em meio a consulta pública

Por
Duda Romagna
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Um dos pontos abordados é a disparidade entre escolas públicas e privadas. Foto: Luiza Castro/Sul21
Um dos pontos abordados é a disparidade entre escolas públicas e privadas. Foto: Luiza Castro/Sul21

No início de março, o Ministério da Educação (MEC) abriu uma consulta pública para avaliação e reestruturação da política nacional de ensino médio, com prazo de 90 dias (com possibilidade de prorrogação pelo mesmo período) para as manifestações. Na prática, isso quer dizer que estudantes, professores e gestores escolares poderão discutir a experiência de implementação do Novo Ensino Médio, por meio de audiências públicas, oficinas de trabalho, seminários e pesquisas. Movimentos estudantis e sindicais esperam por um diálogo com um governo desde que as novas diretrizes curriculares foram estabelecidas em lei, no ano de 2017, pelo governo de Michel Temer (MDB).

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Apesar de importante, o movimento é insuficiente em relação às expectativas de parte da comunidade escolar. Segundo Alex Sarrat, 1° vice-presidente do CPERS, a posição majoritária de alunos e professores é a defesa da revogação total do projeto, o que a portaria da consulta pública não abrange. No entanto, o interesse do presidente da República em discutir as possibilidades é considerado um avanço. “Há um momento político propício, o movimento conseguiu realizar a pressão a ponto do presidente entrar em cena, porque até então quem vinha tratando dessa questão era o ministro, agora o Lula assumiu essa bandeira e essa pauta pra ele”, acredita.

A professora Mariângela Bairros, coordenadora do Grupo de Estudos em Políticas Públicas para o Ensino Médio (Geppem) da Faculdade de Educação (Faced) da UFRGS, que estuda a implantação do Novo Ensino Médio no Estado, relata que, desde a transição de governo, não houve muita participação popular na constituição do MEC. “As principais entidades nacionais não foram contempladas, os movimentos sociais vinculados à educação, mas estranhamente os grupos, as instituições privadas, como Lemann, Itaú, foram.” Entretanto, assim como Alex, a pesquisadora vê na figura de Lula uma possibilidade maior de discussões. “Nós não vemos abertura para esse debate com o ministro, com o ministério. As pessoas que têm conseguido romper essas barreiras têm conversado com o presidente, que sempre nos ouve”, completa.

Para Alex, é preciso retomar a discussão a partir do cenário político do pós-golpe. “É um processo de sete anos atrás, de um governo que não é legítimo mas que se instala dentro de uma perspectiva de uma série de reformas de caráter ultraliberal, e o Novo Ensino Médio foi uma das primeiras delas. Só não aconteceu antes do teto de gastos, mas logo em seguida se mira a educação.” Ele explica, ainda, que a educação é um tema sobre o qual a mobilização social se dá de forma diferente e que é um elemento estratégico para projetos de poder e desenvolvimento econômico.

Mariângela concorda e reitera que a história foi esquecida. “Havia problemas no ensino médio? Sim, havia, mas nós vínhamos construindo uma caminhada de debates que foram desrespeitados. Ali se estabeleceu uma ruptura do que vinha sendo construído com um conjunto de propostas e de metas para alcançar e dar conta dessa defasagem que nós tínhamos no atendimento do ensino médio”, diz.

No Rio Grande do Sul, em prática desde 2021 em escolas-piloto e do início deste ano em toda a rede estadual, o modelo do Novo Ensino Médio prioriza as disciplinas de Português e Matemática e reduz a carga horária de Arte, Educação Física, Ensino Religioso, Sociologia e Filosofia, por exemplo, que só serão ministradas em um único ano do Ensino Médio, com um período semanal. Além disso, foram criadas as disciplinas obrigatórias de Projeto de Vida, nos três anos, Mundo do Trabalho, no 1º ano, Cultura e Tecnologias Digitais, no 1º ano, e Iniciação Científica nos 2º e 3º anos. A partir do 2º ano, os estudantes devem escolher áreas de aprofundamento, os chamados Itinerários Formativos.

Alex reforça que o contexto sociopolítico contribuiu para uma disparidade cada vez maior entre as escolas públicas e as privadas. O Sul21 mostrou, em uma série de reportagens de agosto de 2022, que a Escola Estadual de Educação Básica Presidente Roosevelt, de Porto Alegre, uma das escolas-piloto, tinha somente dois itinerários formativos. A comunidade escolar votou pela Expressão Corporal, que inclui esporte, dança e teatro, e, posteriormente, Empreendedorismo. A Secretaria Estadual de Educação (Seduc), no entanto, não repassou nenhum tipo de material didático para os professores ou novas contratações e concursos.

Já no Colégio Farroupilha, escola privada com mensalidades em torno de R$ 2 mil, são dez as disciplinas eletivas disponíveis para o 1º ano:

  • Estatística aplicada à pesquisa científica
  • Comunicação e expressão
  • Ateliê de linguagens visuais
  • Escape Room: atualidades por meio da gamificação
  • Ciência forense
  • Cultura maker e prototipagem digital
  • Programação e desenvolvimento de web+games
  • Inovação e Saúde
  • Escrita criativa
  • Poder e território: a construção da sociedade ocidental

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Alex relata que o modelo não visa o desenvolvimento do país e é uma “brincadeira de mau gosto”. “Nós não temos problema de trabalhar com áreas de conhecimento, mas tudo isso precisa ter um fundamento, uma base científica, eu não posso criar uma disciplina da minha cabeça, como eu faço em uma receita culinária. A educação é séria demais para ser tratada dessa maneira”, completa.

Para Mariângela, a reforma não parte de um diagnóstico das questões centrais que impactam a educação, como por exemplo a evasão escolar de estudantes que precisam trabalhar para o sustento de suas famílias. Segundo a pesquisadora, a matriz curricular não deu conta de preparar os estudantes para o Enem ou para a possibilidade concreta de entrada na universidade, nem de suprir as necessidades de formação profissional para o mercado de trabalho. “A gente tem visto coisas absurdas, um forte investimento em empreendedorismo. Falar para um jovem de periferia empreender a partir exatamente do quê? Isso foi proposto pela Seduc e virou o chavão dessa reforma.”

Ainda para Mariângela, não há o estabelecimento de nenhum tipo de política pública educacional que garanta a permanência dos estudantes. “Nós precisamos pensar que se o aluno precisa trabalhar, se o aluno tem essa demanda, nós precisamos falar de políticas públicas, como dentre várias que a gente poderia citar, bolsas de estudo. O Estado vem esvaziando a sua função, as suas responsabilidades. Não há como falar em qualificar a educação, em qualificar o ensino médio, se nós não falarmos que os estudantes de escolas públicas e privadas têm que sair todos do mesmo ponto de partida”, completa.

“Para mudar tudo que foi forçado pelo Novo Ensino Médio, temos que ter uma nova diretriz, e aí a participação da sociedade, especialmente das entidades, organizações e movimentos é chave, elas vão dar o tom e fazer a disputa não ficar só nos gabinetes e ir para as ruas, para a escola, para conselhos de pais e grêmios estudantis”, finaliza Alex.


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