Educação
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11 de fevereiro de 2022
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19:11

Reitoras alertam para grave desfinanciamento das universidades: 45% do orçamento de 2011

Por
Luís Gomes
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Debate virtual promovido pela Adufrgs reuniu reitoras da UFCSPA, UFSM e UFPel | Foto: Reprodução
Debate virtual promovido pela Adufrgs reuniu reitoras da UFCSPA, UFSM e UFPel | Foto: Reprodução

Em debate promovido pelo Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do RS (Adufrgs-Sindical) na noite desta quinta-feira (10), reitoras de três das principais universidades federais gaúchas alertaram para a grave crise desfinanciamento vivida pelas instituições e para os impactos dos cortes orçamentários realizados nos últimos anos.

O debate contou com a participação de Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Martha Adaime, vice-reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e Isabela Andrade, reitora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos André Bulhões, foi convidado, mas declinou.

Primeira a falar, Pellanda destacou que o orçamento de custeio (voltado para os gastos correntes, como luz, água, segurança, serviços terceirizados, etc.) de todas as universidades federais brasileiras somadas caiu R$ 3,5 bilhões (em valores corrigidos pela inflação) entre 2014 e 2021. Já o orçamento de investimento (voltado para obras, compra de equipamentos, insumos, etc.) caiu R$ 2,7 bilhões no mesmo período. “Em termos de investimentos, a queda é muito absurda”, disse.

Por outro lado, o número de alunos, apesar de ter aumentado lentamente em comparação com o período entre 2007 e 2014, quando foram criadas seis novas universidades, seguiu estável. “Então, o valor aplicado por aluno tem caído muito. Foi um esforço muito grande das universidades para conseguir gerir orçamentos menores com aumento de despesas. Houve toda uma reorganização, mas chegamos no limite do que conseguimos fazer”, afirmou.

No caso da UFCSPA, Pellanda informou que a universidade tinha, em 2015, um orçamento de R$ 25,3 milhões para investimentos e, em 2021, teve apenas R$ 1,9 milhões. Já para o custeio, a universidade chegou a ter R$ 40,98 milhões em 2018 (em valores corrigidos pela inflação), enquanto teve apenas R$ 26,31 milhões em 2021.

Pellanda pontuou que o orçamento da União, inteiro, é de R$ 4,7 trilhões para 2022. Desse total, o orçamento do Ministério da Educação é R$ 137 bilhões, dos quais R$ 50 bilhões vão para as universidades, sendo que o valor para custeio e investimento de todas as instituições federais de ensino somadas é de R$ 4,7 bilhões.

Por outro lado, destacou que as isenções fiscais somam R$ 457 bilhões e que apenas os valores que o governo deixa de arrecadar por não cobrar IPVA de barcos, lanchas e helicópteros soma R$ 4,6 bilhões, quase o mesmo valor que todas as universidades brasileiras, juntas, dispõem para o custeio de despesas correntes e para fazer investimentos. “A diferença que faria para nós esses 4,6 bilhões é muito grande”, disse.

A reitora também chamou a atenção para o fato de que as isenções fiscais para a produção de agrotóxicos, que chegam a R$ 9,8 bilhões, são mais que o dobro do orçamento discricionário das universidades.

Pellanda destacou ainda que o Brasil prevê o investimento de apenas US$ 100 milhões em 2022 para pesquisas voltadas para o enfrentamento da pandemia, enquanto os Estados Unidos, por exemplo, preveem investir 60 vezes mais, US$ 6,1 bilhões.

Em sua exposição, a vice-reitora da UFSM, Martha Adaime pontuou que o orçamento discricionário total das universidades federais corresponde, atualmente, a apenas 45% do que era em 2011, em valores corrigidos pela inflação. Em 2011, as 59 universidades existentes na época dispuseram de R$ 7,04 bilhões para custeio e investimentos, o que corrigido pela inflação seria equivalente a R$ 13,48 bilhões em valores correntes. Em 2022, com 69 instituições, o orçamento de custeio e investimentos das universidades somadas é de R$ 6,05 bilhões.

“Olhando os números, a gente enxerga o estado de desfinanciamento real que estamos vivendo”, disse Adaime. “Não há outra maneira de levar uma nação senão investindo em educação, saúde, ciência e tecnologia e inovação. Infelizmente, não é isso que nós estamos vendo”.

Dados apresentados por Martha Adaime mostram a evolução das despesas de universidades e institutos federais gaúchos nos últimos anos e dos valores corrigidos pela inflação | Foto: Reprodução

Levando em conta apenas as sete universidades federais gaúchas, o que inclui a Universidade Federal da Fronteira Sul, que tem campi em outros estados, e os três institutos federais, as instituições dispuseram, somadas, de R$ 0,87 bilhões para custeio e investimentos em 2011, o que seria equivalente a R$ 1,67 bilhões em valores corrigidos. Contudo, para 2022, a previsão orçamentária para a área é de apenas R$ 0,76 bilhão, o que também corresponde a 45% dos valores corrigidos de 2011.

Adaime destacou que a Emenda Constitucional 95, do chamado Teto de Gastos, é apontada como a grande responsável pelo corte de recursos para a educação, mas ponderou que mesmo as suas regras permitiam a atualização dos recursos pela inflação. “A EC 95 não veta a reposição da inflação, mas isso nunca mais aconteceu. Não precisa nem ser da área para ver o desmonte que as instituições federais de ensino vêm sofrendo”, afirmou.

No caso da UFSM, ela destacou que a instituição teve, em 2015, um orçamento para custeio e investimentos de R$ 181,66 milhões em 2015, valores que, se atualizados pela inflação, seriam equivalentes a R$ 273,88 milhões em 2022. Contudo, o orçamento da área previsto para este ano é de apenas R$ 125,47 milhões, o que representa um corte de 55% em valores atualizados. “É menor que qualquer orçamento que tivemos em ano de trabalho presencial”, afirma.

O único ano que o orçamento da UFSM para para as áreas seria superior é 2021, quando foi de R$ 108,37 milhões (valor não atualizado pela inflação). “Estamos andando para trás. Nosso país não entende que educação e saúde é o único caminho que temos para soberania”.

Adaime finalizou sua fala destacando que, em média, as universidades federais destinam 10% dos recursos discricionários para investimentos, enquanto a UFSM consegue investir apenas 4% de seus recursos em razão de todas as despesas e contratos em vigor. “Se nós cobramos impostos de lanchas, barcos e helicópteros, teríamos uma boa cifra para investir em educação”, disse, corroborando a fala de Lucia Pellanda.

Reitora da UFPel, Isabela Andrade salientou que a situação apresentada pelas demais reitoras é a mesma vivida pela sua instituição, acrescentando ainda que o problema de corte de recursos é agravado pela não reposição de servidores, o que eleva os custos operacionais das universidades.

Ela informou que, em 2021, a UFPel teve apenas R$ 2 milhões para investimentos, valor que é um quinto dos R$ 10 milhões dos quais dispôs em 2017. “Tentem imaginar o que a gente consegue fazer em termos de investimento com esse recurso reduzido em um momento em que a gente deveria, ao contrário, estar investindo cada vez mais em educação. Mais ainda nesse contexto em que as nossas instituições federais de ensino tiveram um papel tão significativo ao longo de toda a pandemia”, disse.

Andrade afirmou que a UFPel enxugou o máximo possível as despesas operacionais, mas ainda assim fechou o ano com um déficit de R$ 5 milhões. Para 2022, o orçamento, segundo ela, é superior ao de 2021, mas ainda abaixo de 2019. “Em 2022, a gente não está com orçamento de 2019 e ainda temos o déficit de 2021. O nosso objetivo é que a gente feche um ano na ordem de 2,5 milhões, reduzindo o déficit que ficou de 2021”.

Contudo, destacou que, no segundo semestre de 2021, a universidade ofereceu apenas 125 disciplinas presenciais, enquanto a previsão para o primeiro semestre de 2022 é oferecer 475 disciplinas presenciais. Andrade afirmou que o mínimo necessário para manter as atividades regulares da universidade seria a manutenção dos valores do orçamento de 2019 atualizados pela inflação.


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