Economia
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2 de janeiro de 2022
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11:24

Movimento nacional quer comprometer candidatos em 2022 para tributar os super-ricos

Por
Sul 21
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Uma das propostas cria o Imposto sobre Grandes Fortunas para riquezas acima de R$ 10 milhões, com alíquotas progressivas, afetando apenas 0,028% da população. Foto: Divulgação
Uma das propostas cria o Imposto sobre Grandes Fortunas para riquezas acima de R$ 10 milhões, com alíquotas progressivas, afetando apenas 0,028% da população. Foto: Divulgação

Seis propostas que ampliam a tributação sobre altas rendas e riquezas dos 0,3% mais ricos da população foram protocoladas no Congresso Nacional no dia 2 de setembro de 2021. Os projetos para tributar os super-ricos podem arrecadar cerca de R$ 300 bilhões ao ano, abrangendo apenas 59 mil pessoas entre 210 milhões de brasileiros. Um movimento nacional formado por 70 entidades que defendem os projetos se organiza para comprometer os candidatos à presidência da República e ao parlamento a aprovarem essas medidas.

“Sem alterar a estrutura do sistema tributário a desigualdade não será modificada. Historicamente os pobres pagam proporcionalmente muito mais impostos do que os ricos, que pagam menos ou são isentos por conta de um sistema tributário regressivo, que cobra muito pouco das pessoas com maior capacidade contributiva”, afirma Maria Regina Paiva Duarte, presidenta do Instituto Justiça Fiscal (IJF).

Metade da riqueza nacional está na mão de apenas 1% da população. O Brasil tem pouco mais de um milhão de pessoas com renda superior a R$ 135 mil por mês e que com patrimônio médio declarado de R$ 7 milhões. Há 315 bilionários brasileiros no ranking da Forbes, lista que cresceu na pandemia: são 40 a mais do que em 2020.

“Os super-ricos são praticamente isentos de imposto de renda como pessoa física. A renda do capital e as heranças tem baixa tributação. O Imposto sobre Grandes Fortunas consta na Constituição desde 1988 e é o único imposto previsto ainda não cobrado”, destaca Maria Regina, mostrando o tamanho do desafio.

As propostas visam corrigir distorções históricas no Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), como isenção dos lucros e dividendos e a dedução dos juros sobre capital próprio, em vigor desde 1996. Cria alíquotas mais elevadas no IRPF aos que têm altas rendas, e amplia a faixa de isenção para os que menos ganham, desonerando 11 milhões de pessoas.

Institui o Imposto sobre Grandes Fortunas para riquezas acima de R$ 10 milhões, com alíquotas progressivas, afetando apenas 0,028% da população, e amplia a alíquota do imposto sobre heranças e doações para 30%, com progressividade obrigatória e clareza nas competências.

Os projetos ainda desoneram empresas do Simples, minorando a tributação das microempresas com receita bruta de até R$ 360 mil anuais, reduzindo a alíquota em até 60%, beneficiando 75% das empresas. Há ainda regras diferenciadas para repartição de receitas da União entre Estados e Municípios, com acréscimo de R$ 83 bilhões para Estados e R$ 64 bilhões para municípios.

A campanha Tributar os Super-Ricos surgiu em meio à pandemia, com tributaristas, economistas e professores redigindo os projetos entre abril e agosto de 2020. Após essa etapa, as propostas foram apresentadas a entidades de todo o país e 70 organizações sociais se somaram à campanha entendendo a urgência de transformar a estrutura tributária geradora do abismo entre pobres e ricos no Brasil.

Ainda em 2021, após o país ultrapassar 600 mil mortes e 22 milhões de infectados pela covid-19, já tendo sido contabilizados mais de 130 mil órfãos, as propostas foram abraçadas pela Associação Vida e Justiça, como forma de viabilizar o financiamento de ações de proteção e defesa das vítimas da covid em todo o Brasil, agregando aos projetos a previsão de vinculação de receita para este fim.

Foram agregadas duas medidas fundamentais: a vinculação de parte dos recursos arrecadados a políticas públicas para atender as vítimas da covid-19 e a criação de uma contribuição sobre a importação e produção de agrotóxicos (CIDE-Agrotóxico).

Após esse ajuste, as medidas foram protocoladas pelo deputado Pedro Uczai (PT/SC) com assinaturas de outros 60 deputados de quatro partidos. Ainda falta colocar em tramitação duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), em fase de coleta de assinaturas de parlamentares, para a implementação total das propostas.

O país que já apresentava forte crise econômica, com aumento do desemprego e da desigualdade, piorou seus indicadores com a crise sanitária. Voltou ao mapa da fome, com 120 milhões em insegurança alimentar e com recordes de desemprego atingindo cerca de 15% da população economicamente ativa e postos precários de trabalho.

“Sem implementar medidas que permitam a tributação sobre as grandes fortunas e a ampliação da tributação das altas rendas, historicamente subtributadas, não há como pensar em uma reforma tributária que proporcione condições para retirar o Brasil da condição vexatória de extrema desigualdade econômica”, afirma Dão Real dos Santos, vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal (IJF).

O auditor da Receita Federal reforça que a baixa taxação sobre heranças e doações, a insuficiente tributação sobre a renda e a ausência da tributação das fortunas beneficiam os mais ricos e transforma o sistema tributário num instrumento de concentração de renda e riqueza, contrariando os objetivos constitucionais e dificultando a retomada da atividade econômica.

Um exemplo emblemático é que iates, jatinhos e outros artigos de luxo não pagam IPVA. Os autores das propostas enfatizam que o preço por retirar os ricos da conta social é pago pelos mais pobres, pois 50% da arrecadação total dos tributos vem do consumo de produtos diários, justamente aqueles adquiridos pela população mais pobre.

Os dirigentes da campanha observam que sem a alteração substancial do atual parlamento haverá dificuldade em avançar nas comissões e conseguir a aprovação das medidas em plenário.

“Não basta eleger presidentes que desejam justiça fiscal. É necessário ter maioria no Congresso para que as leis sejam aprovadas e sancionadas. Os eleitores devem exigir de seus candidatos e candidatas a deputados federais e senadores que se comprometam em votar sim para estes projetos e promover, finalmente, justiça fiscal. Sem isso não se altera a estrutura que gera desigualdade. Vamos intensificar os movimentos para que se comprometam com esta pauta fundamental para que o país possa sair da crise e avançar”, complementa Rosilene Corrêa, dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), uma das entidades que coordena a campanha.

Rosilene observa que atualmente a maioria dos parlamentares eleitos está comprometida em defender os interesses dos segmentos que concentram riqueza. “Sabemos que essa primavera de justiça fiscal deve ser precedida de mobilização para que esta pauta seja assumida de forma central e com seriedade pelos pretendentes a cargos eletivos. Esse é o desafio do próximo ano”, diz a professora do Distrito Federal. “A pandemia pode ser um marco, a partir do qual a tributação das grandes fortunas e altas rendas fará justiça, priorizando a vida e novas formas de uma convivência mais harmoniosa e sustentável. Essa primavera depende de cada um de nós.”


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