Cultura
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16 de julho de 2022
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09:29

Antiga casa de Caio Fernando Abreu em Porto Alegre começa a ser demolida

Por
Luís Gomes
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Na sexta, apesar do início dos trabalhos, casa ainda estava inteira | Foto: Luiza Castro/Sul21
Na sexta, apesar do início dos trabalhos, casa ainda estava inteira | Foto: Luiza Castro/Sul21

Começou a ser demolida recentemente a casa em que o escritor Caio Fernando Abreu viveu seus últimos anos de vida, em Porto Alegre. Localizada na Rua Doutor Oscar Bittencourt, no bairro Menino Deus, a residência é descrita em alguns textos de Caio, como na obra “Pequenas Epifanias” (1996), publicada após a morte do escritor.

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A Prefeitura de Porto Alegre concedeu, em 25 de abril deste ano, a licença expressa para demolição total da casa, que fica no número 12 da Oscar Bittencourt, e do imóvel vizinho, localizado no número 10. Segundo a reportagem apurou, os proprietários atuais de ambos os terrenos são um casal de dentistas, donos de uma clínica localizada no bairro Rio Branco. A reportagem tentou entrar em contato com a família, mas não obteve retorno.

Na licença emitida pela Prefeitura, o arquiteto Flavio Flores da Costa é listado como responsável técnico. Procurado pela reportagem, Costa confirmou que a sua empresa, a Graphos Arquitetura, obteve a licença para demolição dos dois imóveis, mas diz que terceirizou o serviço para outra empresa. Ele também confirmou que foi contratado por um casal de dentistas, mas não sabe o que será construído nos terrenos. “Eu tenho só a licença da demolição”, explicou. O arquiteto desconhecia a história do imóvel.

 

Demolição começou pela retirada das janelas | Foto: Luiza Castro/Sul21

Segundo relato de vizinhos, a movimentação para demolição da casa começou pela retirada das janelas. Contudo, do lado de fora, é difícil identificar outros sinais de demolição. O imóvel ao lado, que consta na mesma licença para demolição da antiga casa de Caio Fernando Abreu, também segue de pé.

Em 2010, artistas e ativistas de Porto Alegre lançaram um movimento chamado “Salva a Casa do Caio Fernando Abreu”. O objetivo era que o imóvel, que estava prestes a ser leiloado à época, fosse transformado em centro cultural.

“Mas o mercado imobiliário é muito mais ágil e mais forte que o mercado cultural, infelizmente. A casa acabou sendo leiloada antes da gente conseguiu desenhar o projeto”, diz Liana Farias, presidente da Associação Amigos de Caio Fernando Abreu (AACF).

Produtora cultural, Liana conta que a associação foi criada justamente em razão do movimento pela preservação da casa. Ela diz que, à época, estava realizando uma investigação para a faculdade de Jornalismo sobre a obra do escritor e passou a ter contato com familiares e amigos de Caio.

 

Casa de nº 10, ao lado, também é de propriedade dos mesmos anos e será demolida | Foto: Luiza Castro/Sul21

Liana conta que a associação chegou a realizar uma parceria com profissionais da PUCRS para encaminhar um pedido de tombamento e transformação do imóvel em centro cultural. Além disso, a AACF também elaborou um projeto junto com a Secretaria Municipal de Cultura para que o imóvel recebesse uma placa informando que havia sido residência do escritor. “A placa ficou pronta, mas acabou não sendo colocada”.

Ela explica que chegou a entrar em contato com deputados e figuras políticas para pedir apoio à proposta, mas ela não foi adiante. A presidente da associação esteve no imóvel duas vezes. Em outubro passado, ela chegou a assinar uma carta aberta à comunidade ressaltando a importância da casa.

“Eu estou muito triste de ver como o nosso País não tem nenhum cuidado com a memória, não tem nenhum respeito pela história, não só das pessoas, mas também da cultura. Essa casa não é só uma memória afetiva, ela está descrita em alguns momentos da obra do Caio. Então, a gente está abrindo mão de poder visitar um pedaço da história, de poder construir um espaço de reconhecimento de um dos autores mais importantes da nossa geração”, diz.

Caio deixou Porto Alegre ainda na juventude, mas retornou em 1994, após receber o diagnóstico positivo para HIV. Ele passou seus últimos anos na casa da Oscar Bittencourt. Nesse período, publicou o livro “Ovelhas Negras” (1995) e textos que viriam a ser publicados postumamente. Entre esses textos, estão cartas e correspondências que citam a sua rotina no imóvel.

“Quem leu a obra do Caio conseguiu entrar várias vezes naquela casa”, diz Liana. “Desde que a gente criou a associação, há mais de dez anos, já recebemos muitos relatos de leitores que passaram na frente da casa para levar flores, ler os textos, conversar com o Caio. Ele tinha uma escrita muito próxima, muito íntima, num diálogo com o leitor. Então, nós leitores, nos sentimos muito íntimos dele. É muito triste saber que essa casa não vai mais existir”.

Foto: Luiza Castro/Sul21
 Foto: Luiza Castro/Sul21
 Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

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