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23 de abril de 2021
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17:20

Leite muda regras para abrir escolas e entidades definem medida como ‘manobra’

Por
Sul 21
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Leite muda regras para abrir escolas e entidades definem medida como ‘manobra’
Leite muda regras para abrir escolas e entidades definem medida como ‘manobra’
Novo decreto do governo estadual contorna decisão judicial que não permite reabrir escolas durante a bandeira preta. Foto: Reprodução

Luciano Velleda

O Governo do Estado publicou novo decreto permitindo a adoção da cogestão na educação no Modelo de Distanciamento Controlado. Pela nova regra, as aulas podem ser retomadas mesmo nas regiões classificadas em bandeira preta que adotam regras mais flexíveis da bandeira vermelha. O governo de Eduardo Leite (PSDB) tem travado uma disputa na Justiça que o impede de reabrir as escolas durante a vigência da bandeira preta devido ao agravamento da pandemia no Estado. Leite defende que a nova regra não descumpre a decisão judicial e apenas contorna o impasse para retomar as atividades escolares.

“O que estamos apresentando, com a cogestão para a educação, é a possibilidade de os municípios utilizarem regras da bandeira vermelha para a educação também. É uma forma de buscarmos, respeitando a decisão judicial, contornar esta situação e retomarmos as aulas, especialmente considerando que o Rio Grande do Sul está num momento melhor da pandemia em relação ao período em que a decisão liminar foi tomada, no início de março”, afirmou.

Até a meia-noite desta sexta-feira (23), o RS está com todas as 21 regiões em bandeira preta. O novo decreto permite que os municípios que adotam as regras da bandeira vermelha, em função da cogestão, possam retomar as aulas da educação infantil e do 1º e 2º anos do ensino fundamental, cursos de ensino profissionalizante, de idiomas, de música, esportes, dança e artes cênicas, e cursos livres de arte e cultura. Atualmente, todas as regiões do Estado estão em cogestão.

O decreto determina que as escolas deverão obedecer o distanciamento mínimo de 1,5 metro entre as carteiras dos alunos, os materiais deverão ser individuais e não serão permitidas atividades coletivas com aglomeração ou contato físico. As escolas poderão receber o máximo de 35% dos alunos, em sistema de rodízio, com prioridade para alunos de famílias mais vulneráveis. Cada escola deverá apresentar um plano de contingenciamento seguindo exigências das secretarias da Educação (Seduc) e Saúde (SES). As atividades on-line devem permanecer para os alunos que optarem por não regressar à aula presencial. Segundo a Seduc, os professores pertencentes ao grupo de risco permanecerão em casa e serão substituídos por professores temporários.

Leite afirmou que as Coordenadorias Regionais de Educação (CRES) farão o cumprimento dos protocolos, em atuação conjunta com as prefeituras. “Risco zero não existe, mas há uma redução dos riscos quando cumpridos os protocolos. Se os protocolos forem cumpridos, os riscos são muito pequenos. Saúde não é só não ter coronavírus e (a falta da aula) acarretar outros problemas de saúde nas crianças.”

O governador tem enfatizado a importância da educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental na alfabetização. “As crianças precisam receber os estímulos para que desenvolvam todas as suas habilidades, as competências e o seu potencial nesta fase.”

“Manobra legislativa”

O procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, disse que a alteração não viola a decisão judicial, pois foi feita com “respaldo técnico e diante de evidências científicas”. Por sua vez, Leite destacou que as aulas já seriam permitidas em bandeira preta conforme as regras então vigentes. A suspensão das aulas foi determinada pela Justiça ao acatar pedido do CPERS-Sindicato e da Associação Mães e Pais pela Democracia. O governo recorreu ao Tribunal de Justiça (TJ-RS) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), não tendo seu pleito atendido.

Em nota, o CPERS definiu o novo decreto como uma “manobra” e afirmou que o governo estadual está cedendo novamente à pressão de interesses privados “em detrimento do direito à vida”. O CPERS espera que a liminar seja preservada e mantém a posição quanto ao alto risco do ambiente escolar. O sindicato diz que mobilizará a categoria para “resistir à retomada precoce” e reforça aguardar respostas do governo sobre a vacinação dos educadores.

“Sob qualquer parâmetro científico, as taxas de transmissão comunitária no Rio Grande do Sul permanecem muito acima do aceitável e não permitem flexibilizações de forma segura. Consideramos a ampla vacinação dos trabalhadores(as) da educação, mais recursos humanos, físicos e financeiros para as escolas e estratégias de testagem, rastreamento e monitoramento dos casos como condicionantes mínimos de um retorno seguro às aulas presenciais”, afirma o CPERS.

Autora em conjunto com o CPERS da Ação Civil Pública deferida em liminar pela Justiça, a Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD) diz não haver possibilidade de volta às aulas enquanto houver a manutenção da bandeira preta no RS.

“A cogestão e a mudança de bandeira nos municípios pelos prefeitos, mera manobra legislativa contida no novo decreto estadual com o único intuito de burlar a decisão judicial, não muda a realidade que justificou a suspensão das aulas presenciais: o ainda elevado índice de ocupação de UTIs e leitos hospitalares e o alto número de novos infectados pela covid-19, fatores estes, à evidência, que justificam, segundo o modelo de distanciamento controlado implementado pelo RS, a mencionada bandeira preta”, afirma a Associação.

A entidade alega que durante os quase dois meses de suspensão das aulas na bandeira preta, não houve melhorias significativas nas condições sanitárias e de circulação do vírus no RS, assim como adequação de protocolos e reformas estruturais nas escolas públicas e privadas para garantir um retorno seguro para todos.

“Já sabemos igualmente que crianças também são vetores da doença. A escola não é um ambiente isolado do restante da sociedade. Crianças, pais e professores precisam de transporte público, aumentando a circulação de pessoas e, consequentemente, agravando o risco de contaminação”, destaca a AMPD.

A Associação Mães e Pais pela Democracia cobra a garantia das condições de ensino remoto e alimentação para os estudantes enquanto não for possível a volta às aulas de modo presencial. A AMPD diz que, na próxima semana, entregará ao governador, ao prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, e ao presidente da Assembleia Legislativa,  Gabriel Souza, um documento com prioridades para o retorno seguro às aulas presenciais, incluindo a vacinação dos professores e profissionais da educação na faixa etária entre 40 e 60 anos, onde há maior letalidade, “sem prejuízo do imperativo de que medidas concretas no cumprimento dos protocolos e na implementação das medidas preventivas e mitigatórias dos riscos de contágio sejam efetivamente tiradas do papel por parte das autoridades públicas estaduais e municipais competentes”.

Descumprimento da decisão judicial

O Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS) também avalia que o novo decreto desrespeita a liminar da Justiça que suspende as aulas presenciais no Estado. “A intenção do governo, nitidamente, é a de forçar uma interpretação equivocada da decisão judicial que permanece vigente”, afirma Cecília Farias, diretora do Sinpro/RS.

O sindicato destaca o trecho da liminar da juíza Rada Maria Katzer Zamanda, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, concedida no dia 28 de fevereiro: “Defiro o pedido de antecipação de tutela para determinar a suspensão das aulas presenciais nas escolas públicas e privadas do Estado do Rio Grande do Sul, enquanto vigente a decretação de bandeira preta do Sistema de Distanciamento Controlado-RS, independentemente de eventual flexibilização de protocolos”.

“O texto é claro”, explica Cecília Farias. A diretora do Sinpro/RS diz que qualquer flexibilização permitindo aulas presenciais durante a bandeira preta “fere a decisão judicial e representa uma ameaça à saúde de professores, funcionários de escola e estudantes”.


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