Porto Alegre acelera priorização de projetos de grande impacto urbano, social e ambiental
22 de julho de 2021
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09:00

Porto Alegre acelera priorização de projetos de grande impacto urbano, social e ambiental

Críticos dizem que priorizar grandes projetos no pós-pandemia como estratégia econômica ignora não haver tamanha expansão populacional
Por
Luís Gomes
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Em 13 de julho de 2020, o ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) publicou o decreto Nº 20.655 com objetivo de priorizar o licenciamento urbanístico e ambiental de projetos considerados prioritários para a retomada econômica do município de Porto Alegre no pós-pandemia.

Pelo decreto, ficou estabelecida a prioridade de licenciamento para três tipos de empreendimentos: não residenciais com área total construída igual ou superior a 1 mil m²; residenciais com área total construída igual ou superior a 5 mil m²; e voltados à prestação de serviços de farmácia e médico-hospitalares, como hospital geral, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada.

Como contrapartida para ter o projeto priorizado, o empreendedor deveria se comprometer a iniciar as obras no prazo máximo de um ano após a aprovação. “O município se compromete a licenciar de forma mais ágil e, em contrapartida, o empreendedor inicia as obras em até 12 meses após a aprovação do seu projeto. O resultado é uma economia aquecida. Todos saem ganhando”, disse o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, em fevereiro.

Ao fim do período de habilitação, em agosto do ano passado, a Prefeitura elencou 132 projetos autorizados a receber o licenciamento prioritário, informando que, somados, tinham a previsão de investimentos na ordem de R$ 6,3 bilhões e geração de 36.351 empregos diretos e 114.136 indiretos.

Com a troca de gestão, apesar de o secretário Germano Bremm ter sido mantido no cargo, a lista de projetos prioritários acompanhados pela Prefeitura foi reduzida para 47 empreendimentos, que somavam previsão de investimentos de cerca de R$ 2 bilhões.

A partir das regras do decreto de 2020, a Prefeitura licenciou no primeiro semestre deste ano 35 desses projetos, que somam investimentos previstos de R$ 1,2 bilhão e projetam a criação de 9.638 empregos diretos e 31.149 indiretos.

Novo empreendimento ocupará área de 17 mil m² no bairro planejado Central Parque, que faz parte do Jardim do Salso | Foto: Luiza Castro/Sul21

O empreendimento já aprovado com maior investimento é um projeto da construtora Melnick de 57 mil m² de área construída para o bairro Jardim do Salso (Rua Dr. Edgar Diefenthaeler, nº 170), cuja previsão de investimento é de R$ 322 milhões.

Marcelo Guedes, diretor de incorporações da Melnick, explica que o empreendimento faz parte do chamado Central Parque, bairro planejado de condomínios fechados localizado a algumas quadras da PUCRS. “É um terreno que faz parte do Central Parque, que hoje é bastante conhecido como um bairro consolidado”, diz. “A Edgard Diefenthaler tem um grande condomínio de um lado e esse está do outro lado da rua.”

Como a construtora ainda não lançou oficialmente o projeto, ele diz que não é possível falar no número de torres e unidades residenciais, mas antecipa que se trata de um projeto de grande porte a ser construído em uma área de 17 mil m². “A gente está falando de quase dois quarteirões, se a gente considerar um quarteirão normal da cidade como 100 m por 100 m”, explica.

Para comparação, outro projeto de 17 mil m² é o empreendimento construído no antigo Estádio dos Eucaliptos, no bairro Menino Deus, sem considerar a área da praça construída naquele local.

Grand Park Eucaliptos ocupa terreno similar ao novo empreendimento da Melnick | Foto: Luiza Castro/Sul21

“Esses projetos acabam tendo uma diferenciação em relação aos projetos de porte usual que são justamente as áreas de lazer. Então, a gente tem um projeto com uma infraestrutura super completa, com quadra de tênis, com quadra poliesportiva, com piscina térmica, com raia de natação, com áreas de lazer voltadas para a criança, é um projeto voltado para famílias”, diz Guedes. “É difícil encaixar uma quadra de tênis num terreno porque ele consome uma área muito grande. Um projeto dessa magnitude consegue ter essa diferenciação”, completa.

O diretor da Melnick explica que o licenciamento do projeto havia começado, tendo já aprovado seu Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), e estava em fase de elaboração antes de ser enquadrado como prioritário pela Prefeitura.

“A gente ainda tem um comportamento do mercado imobiliário e da construção civil calcados em preceitos do século 20”
Guedes avalia que o decreto da Prefeitura passa pelo fato de que a indústria da construção civil seria, hoje, o principal setor econômico da cidade em capacidade de atração de investimentos. “As capitais acabam tendo as suas áreas, seus territórios e terrenos valorizados, o que faz com que outras indústrias acabem migrando para cidades de regiões metropolitanas. Se a gente voltar no tempo, a gente pode pegar as Tintas Renner, a Taurus como exemplo mais recente, que acabaram saindo e a indústria da construção civil é a que permanece com o maior volume de geração de empregos, geração de renda, geração de tributos. Então, essa é uma ação do município, imagino eu, para poder viabilizar a retomada do emprego, da renda e da arrecadação uma vez passada a pandemia”, diz.

Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul (IAB-RS), o urbanista Rafael Passos defende que não havia justificativa para priorizar grandes projetos nesse momento.

“Se dá prioridade alegando que geram empregos, mas, se a gente for analisar as planilhas de números de empresas, empregados por empresa, do ramo da construção civil, a gente vai ver que a grande maioria delas são pequenas, com pouca capacidade de solvência, de capital de giro, de assumir dívidas a médio prazo”, diz.

Para ele, a Prefeitura acaba por priorizar apenas as grandes empresas em detrimento de estimular pequenos projetos que poderiam ajudar uma maior quantidade de negócios do setor.

Rafael Passos diz ainda que a aposta no mercado da construção civil para puxar a retomada da economia de Porto Alegre parte de pressupostos equivocados, como o fato de que a cidade já não está em uma expansão populacional que justifique a demanda por esses empreendimentos.

A População de Porto Alegre chegou a praticamente dobrar entre 1960 e 1990, passando de 635 mil habitantes para 1,263 milhão, segundo o Censo. Nos últimos 30 anos, contudo, cresceu apenas 17%, para a estimativa atual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1,488 milhão de habitantes.

“A gente ainda tem um comportamento do mercado imobiliário e da construção civil calcados em preceitos do século 20, quando nós tínhamos, principalmente nas grandes cidades, aumentos expressivos e sucessivos de população e, portanto, se justificava, de alguma maneira, uma produção numa escala x. Agora, ela não se justifica por uma questão de demanda, se justifica talvez numa ideia de provocar uma demanda. E, para provocar uma demanda, como o mercado funciona? Funciona de cima para baixo. Não vou dizer que não tem produção para a classe média, classe média baixa, tem, mas ele trabalha por substituição”, afirma.

Rafael explica que esse processo de substituição acontece com a migração de populações abastadas entre áreas da cidade. Historicamente, o eixo Independência-Bela Vista foi palco de uma migração das residências da elite porto-alegrense. Dos grandes casarões que ficavam no alto do morro na Independência, a elite da Capital migrou para os bairros Moinhos de Vento, Mont’Serrat e Bela Vista nas últimas décadas.

No pós-pandemia, Prefeitura optou por priorizar projetos residenciais de grande porte | Foto: Luiza Castro/Sul21

“Aqueles imóveis que eles ocupavam antes ficam vagos. Ao ficarem vagos, quem vai procurar esses imóveis? Uma classe imediatamente abaixo. Ao migrar para ali, libera numa outra área da cidade um imóvel para uma classe imediatamente abaixo. Até que a gente chegue nesse ciclo louco de chegar em áreas da cidade que estão quase completamente abandonadas”, diz.

Uma dessas áreas praticamente abandonadas em Porto Alegre é o 4º Distrito. Antiga zona industrial da cidade, após a saída das fábricas para outras cidades, a região há décadas é tema de discussão sobre possíveis projetos de revitalização, que acabam não sendo aplicados ou não atraem interesses.

Por outro lado, Rafael pontua que a sobrevalorização de determinadas áreas da cidade e o foco do mercado na construção de habitação para as camadas mais altas acabam produzindo um mercado informal que cresce com a valorização excessiva da terra em Porto Alegre, o que força a população de menor renda a ocupar irregularmente áreas da cidade.

“Aí nós começamos a ter uma cidade cara para a manutenção e que, no momento de crise financeira ou de uma estratégia política nacional, estadual e municipal de desinvestimento, de entrega ao mercado e do não investimento público como norte, principalmente em obras públicas e melhorias urbanas, a gente se vê diante do discurso de que para poder qualificar, precisa privatizar. Isso vale para o serviço de água e vale para os espaços públicos”, diz.

Grande parte dos empreendimentos habilitados para terem o licenciamento priorizado entram na classificação de projetos especiais, isto é, são aqueles que não se enquadram no regramento do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PPDUA) vigente para a área em que pretendem ser instalados.

A Prefeitura define como projetos especiais aqueles que, por sua natureza ou porte, precisam ser analisados caso a caso. Via de regra, exigem elaboração de Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) e, se necessário, Estudo de Impacto Ambiental. A análise e aprovação, ou rejeição, é feita pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA). O órgão tem, por prerrogativa, controlar a aplicação do Plano Diretor, mas acabou se tornando basicamente um órgão de licenciamento de projetos apresentados pelo mercado.

Segundo a Prefeitura, há atualmente três graus de projetos especiais. De 1º grau, são os loteamentos com área entre 2,25 e 30 hectares, postos de combustíveis e casas noturnas, que atendem às normas ou propõem ajustes de pequena abrangência. De 2º grau, são os centros comerciais ou loteamentos com área igual ou superior a 30 hectares e, de 3º grau, aqueles que envolvem operações urbanas em grandes áreas da cidade e, por isso, exigem leis próprias. Os dois últimos graus são considerados projetos de impacto urbano.

Professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Eber Marzulo atuou como consultor da revisão do Plano Diretor de 1999 e diz que, na época, a previsão de projetos especiais foi incluída no PDDUA para que as exceções às regras do plano pudessem ser discutidas de forma mais aprofundada.

“A ideia era realizar espécies de testes e a primeira aplicação piloto foi na Lomba do Pinheiro. Era voltado a grandes áreas que tu tem que fazer uma intervenção de caráter popular para melhorar as condições da periferia”, diz.

Contudo, ao longo dos anos, o instrumento dos projetos especiais acabou sendo utilizado para a construção de grandes empreendimentos em áreas que, segundo as regras urbanísticas vigentes, não poderiam ser instalados, necessitando alterações no regramento.

“O empreendedorismo imobiliário viu naquela legislação uma janela de oportunidade. Os projetos têm aí uma certa coincidência do que vem acontecendo no mundo, com os investimentos urbanos cada vez mais concentrados”, diz.

“Uma das coisas que é importante desses condomínios é que, quando eles começam a jogar as funções urbanas para dentro deles, eles esvaziam a cidade”
Concomitantemente à concentração de recursos na construção de shoppings, condomínios de grande porte e bairros planejados, segundo o professor, a cidade foi fechando as portas para o pequeno empreendedor imobiliário, aquele que construía um edifício de cada vez para vender ou alugar apartamentos ou unidades comerciais.

“Então, tu teve uma confluência e a transformação de uma ideia, que era para ser de projetos especiais excepcionais, se tornou o mais comum, porque o que era comum antes foi desaparecendo, aquele empreendedor imobiliário que compra um lote, dois, constrói um edifício sob as regras do Plano Diretor”, afirma, defendendo ainda que o novo Plano Diretor precisará delimitar melhor as regras para os grandes empreendimentos a fim de evitar a proliferação de exceções.

Como consequência da priorização de grandes projetos, a cidade foi se fechando dentro de muros, o que o professor alerta que é prejudicial para a vida urbana sob diversos aspectos. Um deles é o da segurança pública, uma vez que desestimulam tradicionais atividades de bairro, como ir a pé ao comércio local, e estimulam a utilização de automóveis para todas as atividades além dos muros. Ao mesmo tempo, a segurança é vendida pelo mercado como uma das principais vantagens para atrair moradores a esses empreendimentos de grande porte.

“Uma das coisas que é importante desses condomínios é que, quando eles começam a jogar as funções urbanas para dentro deles, eles esvaziam a cidade. E ao esvaziar a cidade, a tornam terra de ninguém. Tu vai ficar com um conjunto de áreas cercadas, como já foi a onda dos condomínios há muito tempo, e a cidade a princípio esvaziada e ficando a mercê da violência, da insegurança”, afirma o professor Eber Marzulo.

Bairro de condomínios fechados esvaziam as ruas da cidade | Foto: Maia Rubim/Sul21

Professor do Instituto de Biociências da UFRGS e membro da Coordenação do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack pontua ainda que a análise dos empreendimentos de grande porte no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) acaba muitas vezes desconsiderando as preocupações com os impactos ambientais de entidades que atuam na defesa do meio ambiente — tema que será aprofundado na próxima matéria deste especial.

Brack destaca que, pelo próprio volume de projetos que estão sendo apresentados nos últimos anos, as entidades acabam sequer tendo tempo para se ater a eles de forma aprofundada e apresentar ponderações a respeito das mudanças que os empreendimentos provocam nas regras de proteção ambiental para a área em que serão instalados.

“Nada contra a Orla, mas, ao investir na Orla, ele não está fazendo contrapartida de nada, está agregando um imenso valor ao seu empreendimento”
“Eles têm todo o tempo do mundo. As empresas contratam técnicos e advogados para trabalhar no sentido da flexibilização e destruição da proteção ambiental. E nós muitas vezes não temos o tempo suficiente para nos determos, mas quando a gente começa a abrir os processos, é uma coisa absurda como são feitos esses licenciamentos e a maneira com que os governos tentam, de todo modo, subjugar os técnicos da secretaria. São técnicos de carreira, muitos deles com alta qualidade, mas submetidos a uma pressão e ingerência política que a gente não pode deixar acontecer”, afirma.

O secretário Germano Bremm diz que o tema dos projetos especiais de impacto urbano será analisado com atenção no processo de revisão do Plano Diretor, admitindo que eles precisam ser melhor equalizados no processo de revisão.

“A gente sabe que, de fato, aquilo que era pra ser uma exceção se tornou um pouco a regra, porque como tem o instrumento, tem a possibilidade, é um direito que a legislação garantiu àquele que vai demandar a análise do município, então são muito utilizadas essas flexibilizações”, reconhece o secretário. “A cidade é dinâmica, é complexo dar uma norma que estanque na lei determinado parâmetro, porque a cidade vai se construindo, se desenvolvendo e a gente vai trazendo novos conceitos, vai se amadurecendo ao longo do tempo.”

Bremm avalia que a criação da figura dos projetos especiais, em 1999, teve como objetivo dar mais flexibilidade à Prefeitura na análise de projetos para que a cidade não ficasse “ultrapassada”.

“Tivemos experiências de aplicação, casos, exemplos, e agora temos que amadurecer um pouco mais, sofremos bastante com essa questão dos projetos especiais porque tem que analisar caso a caso, por muitas vezes dá polêmica. Queremos achar formas, metodologias e ferramentas para que a gente tenha parâmetros pré-estabelecidos e que não se tenha tanta discussão no caso concreto e diminuir, de fato, a figura do projeto especial para algum caso realmente especial.”

Porém, o secretário destaca ser difícil criar uma regra específica que depois possa vir a prejudicar a cidade nos próximos anos, considerando que o Plano Diretor só deverá ser atualizado novamente em 2032. “Temos que criar o equilíbrio para continuar construindo a cidade, mas ao mesmo tempo não ser regra aquilo que era pra ser exceção.”

Já o arquiteto Antonio Carlos Zago, consultor técnico do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), defende que, ao contrário do que se diz, os grandes empreendimentos ajudariam a tornar a cidade mais caminhável, pois trariam uma maior densidade para a área em que são construídos. Ele ressalta que, na sua visão, empreendimentos acima de 5 mil m² não se enquadram nesta classificação, apenas acima de 20 mil m². Contudo, também defende que obras de 5 mil a 10 mil m² são importantes porque têm maior velocidade de empregabilidade e execução. Ainda que não gerem polos econômicos, defende que não causam desequilíbrios.

“Se tu pegar obras maiores, eu defendo que tem que ser maior ainda, para gerar uma densificação maior ainda e, junto com essa obra, tu coloque um prédio onde tu vai botar escritório, ou tu pode transformar áreas condominiais em coworking.”

O argumento do representante do Sinduscon é que esses empreendimentos ajudam a urbanizar as áreas em que são instalados. “Na medida que tu consegue levar mais cidade, tu leva as outras coisas junto. Se eu tenho uma área da cidade em que foram feitos quatro ou cinco empreendimentos de porte razoável, eu já fico olhando. Espera um pouquinho, eu posso botar uma loja de conveniência, eu posso botar uma farmácia, elas vão concorrer pela esquina. Então, começam a acontecer as coisas. Isso do ponto de vista só residencial. Mas, se eu pensar numa questão mais icônica, um shopping, um supermercado com lojas junto, esse aí é um equipamento do ponto de vista urbanístico que provoca uma onda enorme de desenvolvimento. Tem muita gente que pensa ‘eu botei o supermercado maior ali, mais lojinhas, matei o comércio local’. Eu não sei, eu olho historicamente. Meu escritório é aqui perto da Padre Chagas, eu olho lá no fundo tem o shopping. O shopping deu vida para a Padre Chagas.”

Zago toma a área da Nilo Peçanha como exemplo, argumentando que a urbanização da região ocorreu após a chegada do Shopping Iguatemi e, posteriormente, do Bourbon Country. Para ele, ainda caberia um terceiro shopping na região. “As ruas paralelas à Nilo Peçanha estão cheias de escritórios. Não tem mais gente morando ali, porque mudou a vocação, mudou o perfil. Então, esses equipamentos desempregam, vão à falência? Não. Talvez outro tipo de comércio e serviço, mas estimulam isso aí. E estimulam algo de bairro.”

Já Patrícia Tschoepke, arquiteta da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), defende que os projetos especiais são importantes na captação de recursos que serão revertidos em investimentos para a cidade, as chamadas contrapartidas mitigatórias e de compensação. “As pessoas colocam que os projetos especiais seriam o problema. Na verdade não, o problema é o próprio Plano Diretor. O Projeto Especial dá a oportunidade de se mitigar alguma coisa e compensar. Tem muitas obras viárias que foram feitas pelos empreendimento”, afirma.

As contrapartidas são a forma encontrada pela Prefeitura para mitigar os impactos sociais, urbanísticos e ambientais causados pelas mudanças de regramento autorizadas com a aprovação de um projeto especial. Por lei, são cobradas de todos os empreendimentos que geram impacto ambiental e urbanístico à cidade. Em tese, quanto maior o projeto, mais contrapartidas ele deve oferecer à cidade.

No processo de aprovação do empreendimento da Melnick para o Jardim do Salso, a Prefeitura e a construtora negociaram que a empresa deve realizar uma série de investimentos a título de contrapartidas para a cidade, que incluem: implantação de reservatórios de detenção, com volume total de 569 m³; execução do prolongamento da rua Flávio Paul, entre a rua Professor Cristiano Fischer e rua Edgar Diefenthaeler; realização do complemento do traçado da avenida Edgar Diefenthaeler até o prolongamento da avenida Flavio Paul; execução do prolongamento da rua Frei Germano a partir da rua São Josemaría Escrivá até a avenida Flavio Paul; criação da extensão da rua Jary Amauri Koebe, no trecho entre a rua Professor Cristiano Fischer e rua São Benedito, bem como a execução da ligação da rua Jary Amauri Koebe até a rua Ary Burger; e a doação de equipamentos à Central de Controle e Monitoramento da Mobilidade (Cecomm), da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).

Foto: Maia Rubim/Sul21

O urbanista Rafael Passos aponta que, na esteira da priorização de grandes projetos, a Prefeitura também tem facilitado a vida das empresas no que diz respeito às compensações exigidas.

Ele destaca que as contrapartidas vêm de um conceito internacional que busca retomar a mais valia urbana, isto é, o valor empregado pelo poder público em obras que acabam gerando valor para o empreendimento, bem como recuperar os investimentos necessários para viabilizar esses projetos privados.

“O investimento público que é feito em determinado local agrega valor a um imóvel, esse imóvel vai se beneficiar, o proprietário vai se beneficiar desse aumento do valor, e isso vai redundar no aumento do valor do empreendimento, qualquer empreendimento colocado ali como um todo. A intenção disso era reduzir um pouco mais as desigualdades no território, melhorias que deveriam trazer mais esse caráter redistributivo”, diz.

Passos afirma que, no momento, a visão da Prefeitura sobre as contrapartidas têm deixado de focar na mitigação de impactos e na melhoria de comunidades afetadas pelos empreendimentos, passando a aceitar como contrapartida investimentos em áreas públicas que vão agregar ainda mais valor a estes projetos.

Um exemplo disso é a discussão sobre o projeto Golden Lake, que prevê a construção de 19 torres habitacionais nas antigas cocheiras do Jóquei Clube, em que a empresa responsável, a Multiplan, desejava direcionar a contrapartida para investimentos na Orla do Guaíba, em frente ao projeto em construção.

“Ou seja, é um jogo de ganha-ganha para o empreendedor e de perda para o interesse público. Nada contra a Orla, mas, ao investir na Orla, ele não está fazendo contrapartida de nada, está agregando um imenso valor ao seu empreendimento. Quer dizer, a contrapartida vira algo que vai aumentar ainda mais a desigualdade que a própria valorização extrema da terra traz consigo. Isso pode provocar, a longo prazo, uma maior gentrificação de alguns lugares da cidade”, afirma.

Ele cita como outro exemplo a incorporadora que está erguendo um empreendimento ao lado do antigo Hotel Plazinha e que, como contrapartida, irá assumir a revitalização da Praça Otávio Rocha, localizada diante do antigo hotel. Mais uma vez, agregando valor ao empreendimento. “É um ‘negócio da China’, melhor negócio de Porto Alegre”, diz.

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