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28 de maio de 2015
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11:21

Restinga além dos estereótipos: a vida em uma das maiores periferias da Capital

Por
Sul 21
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Foto: Filipe Castilhos/Sul21
Grande parte do bairro é formado por conjuntos habitacionais erguidos pelo poder público | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Débora Fogliatto

Um dos maiores bairros de Porto Alegre foi criado para abrigar aqueles que o poder público não queria que estivessem no centro da cidade. Em 1965, a Prefeitura da época transferiu habitantes da comunidade pobre que residia em casebres no antigo bairro Ilhota para uma área a 22 quilômetros do centro, populando a Restinga. Os moradores eram principalmente agricultores que, a partir da década de 1940, chegaram à capital de diversos lugares do interior do Estado, mas que não conseguiram prosperar na cidade.

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Apenas em 1990 a Restinga foi considerada oficialmente um bairro de Porto Alegre, onde atualmente vivem, segundo o último censo do IBGE, mais de 60 mil pessoas. O número de habitantes, no entanto, é controverso. Moradores relatam que há cada vez mais gente chegando, tanto enviados pela Prefeitura quanto em busca de casa própria ou escapando de outros bairros periféricos onde há mais violência.

A Restinga é o maior bairro da região extremo-sul da cidade e faz fronteira com Chapéu do Sol, Lageado, Hípica, Aberta dos Morros, Belém Velho, Lomba do Pinheiro e Pitinga. Este último nasceu de uma vila irregular e foi emancipado da Restinga recentemente, na divisão de bairros definida em 2013. O Sul21 procurou moradores, trabalhadores e autoridades para falar sobre a vida na Restinga, abordando especialmente mobilidade e segurança, educação e saúde.

Foto: Filipe Castilhos/Sul21
Nídia afirma que o bairro melhorou muito | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Segundo os dados do último Censo do IBGE, em 2010, a população da Restinga correspondia a 4,31% do município, com uma área de 38,56 km², o que representa 8,10% da área total de Porto Alegre. A taxa de analfabetismo era de 4,03% e o rendimento médio dos responsáveis por domicílio, de 2,10 salários mínimos. A média municipal de rendimento é de 5,29. A da Restinga é uma das mais baixas da Capital, ao lado da Lomba do Pinheiro (2,07), Arquipélago (2,03) e Mario Quintana (1,68).

A Restinga é também um dos bairros com maior concentração de população negra da cidade. Junto com Bom Jesus, Mario Quintana, Cel Aparicio Borges e Cascata, tem 37,6% de seus habitantes autodeclarados negros. O maior poder aquisitivo (13,77 salários mínimos em média) fica bem longe dali, nos bairros Moinhos de Vento, Bela Vista, Higienópolis, Boa Vista, Mont’Serrat, onde apenas 3,08% da população é negra.

Apesar do baixo poder aquisitivo de grande parte da população do bairro, os moradores se orgulham do local onde vivem e afirmam que já houve melhorias. “A Restinga melhorou muito graças à luta do povo. Lutamos para trazer um posto de Bombeiros, um Banrisul. Tudo que veio para cá foi com muito sacrifício”, explica a presidente da Associação de Moradores da Vila Restinga (Amovirc), Nídia Maria de Albuquerque.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Bairros com população de baixa renda têm mais moradores negros| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Ela, que também é diretora da Escola de Educação Infantil Comunitária da Amovirc, destaca que a taxa populacional apontada pelos censos não é a verdadeira, afirmando que “deve ter três vezes mais” gente. Ela própria chegou na Restinga “sem querer”. “Meu marido veio trabalhar, ele é da Brigada Militar. Para mim foi o fim do mundo, foi uma briga, eu não queria vir. Mas depois que eu comecei a entrar na luta social, não saí mais”, relata.

A história de pessoas que inicialmente não queriam ir para a Restinga, mas atualmente dizem que não escolheriam outro lugar como lar, se repete nas comunidades do bairro. Marisa Graminha, que mora lá há 27 anos em blocos construídos pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab), foi para a Restinga após morar em Ipanema e no Guarujá. “Meu ex-marido quis vir, porque aqui íamos conseguir comprar um apartamento. Eu, primeiro, não queria, mas a Restinga não é como dizem. Não é mais violento que o resto da cidade, violência tem em todo lugar”, opina.

Marisa era cuidadora de idosos, mas após fraturar o quadril em um acidente de carro, sua situação financeira se complicou, por ficar impossibilitada de seguir com o trabalho. Agora, ela realiza brechós espontâneos perto de sua casa para tentar se manter. Mesmo após a separação, continuou na Restinga, onde criou seus quatro filhos e ajudou a cuidar dos seis netos, todos eles morando hoje no extremo-sul da capital gaúcha.

Foto: Filipe Castilhos/Sul21
Há oito linhas com 261 veículos em dias úteis que vão do centro até o bairro | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

 Mobilidade e segurança

A Restinga fica a cerca de uma hora do centro da capital quando se vai de carro. De ônibus, pode-se demorar o dobro de tempo ou mais, dependendo do trânsito. São oito linhas com 261 veículos em dias úteis que vão até o bairro partindo do centro, e 135 nos domingos. Além destas, há sete linhas alimentadoras e seis que oferecem destinos diversos, totalizando 21 que chegam ao bairro.

Em janeiro deste ano, foi instalada a lotação 10.6 Restinga, fruto de uma antiga demanda da comunidade local, que reivindicava outra forma de acesso além dos ônibus e mais opções disponíveis de madrugada. Os veículos funcionam 24 horas por dia, com saída do terminal a cada dez minutos – a exceção são as manhãs de domingo, pois não há veículos entre, aproximadamente, 6h e 9h. Mesmo assim, as filas são logas para pegar o transporte no centro da cidade, na avenida Borges de Medeiros.

Durante a tarde em que a reportagem esteve observando a fila, a cada veículo que chegava e saía lotado do terminal na avenida Borges de Medeiros, no centro, mais pessoas paravam para esperar o próximo. O intervalo é reduzido para 7 minutos durante os horários de pico, segundo o fiscal Rafael Hugentobler.

Para a camareira Juliana Santos de Oliveira, o único defeito da lotação é não funcionar nos domingos de manhã cedo. Ela utiliza o meio de transporte para retornar para casa após o trabalho, tirando do seu próprio bolso para não precisar pegar dois ônibus e ir em pé no coletivo. “Foi uma benção essa lotação, e no início demorava para passar, mas agora já é rápida. Mas tem que vir aqui [no fim da linha] para pegar lugar, se não não tem como”, afirma.

Um problema que os passageiros da lotação enfrentaram, no entanto, são os assaltos. O tenente-coronel do 21º Batalhão da Polícia Miliar (BPM), José Henrique Botelho, afirma que no mês de maio a situação já melhorou, especialmente com a prisão de dois suspeitos de envolvimento em três assaltos no último dia 15. “Temos um grupo que compreende os comandantes de todas as unidades de Porto Alegre com os representantes das empresas de ônibus e lotações que têm se reunido mensalmente, uma vez por mês, com o intuito de diminuir os roubos”, garantiu.

Foto: Filipe Castilhos/Sul21
Lotação passou a circular no bairro em dezembro do ano passado | Foto: Filipe Castilhos/Sul21

Ele lembrou, porém, que por mais que a Restinga tenha o estigma de ser uma região violenta, a maioria dos assaltos aos coletivos não ocorreu no bairro e nem mesmo no extremo-sul da cidade, mas sim em outros pontos pelos quais o transporte passa. Ainda assim, ele destaca que o fim da linha da lotação, em um local afastado, onde só há o Hospital da Restinga por perto, também “facilita a ação de delinquentes”, já que facilitaria a fuga. Os dados disponibilizados pela Brigada Militar apontavam 37 roubos até fevereiro na lotação que faz o trajeto, dos quais apenas quatro foram na Restinga.

Juliana Santos de Oliveira não pretende deixar de pegar a lotação por causa dos assaltos. “Assalto tem em tudo quanto é lugar, moro na Restinga há 20 anos e nunca passei por isso lá”, relata. Ela passou a viver no bairro quando a ocupação em que morava foi transferida pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab), que construiu moradias lá. “Eu gosto de morar na Restinga e a região é bem tranquila. O que tinha que melhorar é ônibus, é bem complicado ter que pegar dois, e está sempre lotado. É ruim de chegar, mas com a lotação já me ajuda”, disse.

Índices 

Segundo o Mapa de Segurança Pública realizado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores em 2014, a Guarda Municipal atendeu 113 ocorrências em 2013 na Restinga. Junto com as regiões Eixo Sul, Zona Leste e Lomba do Pinheiro, foi uma das com maior número de registros, totalizando 45% do total. No mesmo período, foram notificados 19 estupros no bairro, totalizando uma média de 6,99 por 10 mil habitantes.

Foto: Hospital Restinga/ Divulgação
Hospital funciona 100% pelo SUS | Foto: Hospital Restinga/ Divulgação

Outro crime que se pode observar no Mapa, mas sem números exatos, são os homicídios, mais concentrados nos bairros Restinga, Santa Teresa, Bom Jesus e Rubem Berta. Já no quesito do tráfico de drogas, o bairro não aparece como um dos principais pontos, que se concentram nas zonas centrais e leste da cidade.

Saúde

A Restinga e extremo-sul (HRES) da cidade são atendidos por sete unidades de saúde básica: Estratégia Saúde da Família Castelo; Estratégia Saúde da Família Chácara do Banco; Estratégia Saúde da Família Quinta Unidade; Estratégia Saúde da Família Vila Pitinga; Pronto Atendimento Restinga; Unidade Básica da Restinga; Unidade Básica de Saúde Macedônia.

Além desses locais, desde julho do ano passado uma antiga reivindicação da comunidade foi atendida, com a inauguração do Hospital da Restinga. Construído com recursos do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), o hospital recebe financiamento mensal em uma parceria dos governos municipal, estadual e federal, sendo administrado pelo Hospital Moinhos de Vento.

Foto: Hospital Restinga/ Divulgação
Hospital foi inaugurado em julho de 2014 | Foto: Hospital Restinga/ Divulgação

Apesar da expectativa em relação ao empreendimento, para a líder comunitária Nídia Maria de Albuquerque, presidente da Associação de Moradores da Vila Restinga, o Hospital acabou sendo “um posto de saúde ampliado”, devido à falta de verbas para a finalização. “Estão lá as camas, o projeto, tudo que pedimos na maternidade. Mas, infelizmente, a [presidente] Dilma [Rousseff] veio e disse que não teria dinheiro para tocar. Então foi uma UPA para dentro do Hospital”, lamentou. Ela também critica o fato de o HRES não atender apenas pessoas da região, mas sim “gente de tudo quanto é lugar”.

O Hospital informou que, realmente, ainda não opera com sua capacidade total, seguindo em fase de implantação. Mas já são atendidas 7 mil pessoas por mês na emergência; e até março já foram realizadas 1.588 internações. Em média, são realizadas, por mês, 400 tomografias, 150 ecografias, 1.110 exames de Raio-X e 9.000 exames laboratoriais. Atualmente, o Hospital conta com 87 leitos para pacientes adultos e pediátricos, dos quais 62 para internação e 25 no Pronto Atendimento. A instituição possui 62 leitos de internação para média complexidade, contando com serviço de nutrição e outros cuidados necessários.

Ainda serão implantadas a Unidade de Diagnóstico, o Centro de Especialidades, Centro Cirúrgico — com quatro salas de cirurgia–, Centro Obstétrico — com quatro salas de pré-parto, parto e pós-parto e outras duas salas de cesariana, Serviço de Reabilitação, Unidade de Terapia Intensiva Adulta. A comunidade é beneficiada, também, devido à proximidade dos atendimentos, pois pacientes que levariam até uma hora em deslocamento para outros hospitais da cidade encontram podem ser atendidos 24h pelo pronto atendimento do centro hospitalar.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Restinga conta com 12 escolas municipais e 20 comunitárias | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Educação

Além de ser presidente da Associação, Nídia ainda atua como diretora da creche da Amovirc. A escola é uma das 20 comunitárias conveniadas com a Prefeitura, e chama a atenção pela boa estrutura. A rede de educação da Restinga conta ainda com 12 escolas municipais, entre ensino fundamental e infantil, e cinco colégios estaduais.

Uma destas instituições de ensino é a Escola Municipal Especial Tristão Sucupira Vianna, que atende crianças e jovens com deficiência, dos 7 aos 21 anos. Trata-se da maior escola para atender esses estudantes na rede municipal – ao todo, são três instituições do tipo na cidade. O Sul21 visitou a escola, para conhecer o trabalho realizado, e constatou os desafios enfrentados pela comunidade escolar.

Os professores e professoras da Tristão têm formação em Educação Especial, mas um dos desafios que a escola enfrenta é a falta de funcionários devido, principalmente, a aposentadorias que não são repostas. Além disso, atualmente a instituição tenta reformar um dos pátios, para atender melhor os estudantes. “Estamos buscando verbas para isso e para tornar um dos pátios externos acessíveis para crianças em cadeira de rodas. Porque o piso é cimento e grama, não tem como passar com a cadeira e é ruim para quem tem dificuldades de locomoção”, explica a diretora Margarete Elias da Cunha Fonseca.


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