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3 de novembro de 2012
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07:41

Acervos, prêmios e outras estratégias

Por
Sul 21
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Quem se interessa pela formação dos acervos dos museus de arte no Brasil? Será que as coleções são realmente fundamentais na linha de ação dos museus, servindo de base para os estudos e a escrita da história da arte? Esse é um tema bastante complexo e controverso que envolve interesses de diferentes setores do circuito artístico e da sociedade em geral, mas que é pouco discutido.

Na arte contemporânea o reconhecimento é construído a partir de valores bastante mais instáveis do que os utilizados na arte mais tradicional. Dessa forma, o papel das instituições museológicas1é fundamental. A presença de uma obra em coleções de museus, assim como em grandes mostras organizadas por curadores reconhecidos no sistema da arte, é decisivo na sua legitimação e na carreira dos artistas. A partir destas participações, as obras são vistas, comentadas e documentadas e nenhuma valoração nos dias atuais pode fugir a este processo. Assim, artistas, colecionadores ou marchands que procuram se lançar no meio de arte sempre buscam participar em coleções de museus. Mesmo apresentado como alternativo ou marginal, qualquer artista ou obra só serão considerados artísticos quando inseridos, de alguma forma, nas instituições museológicas que, hoje, também se dedicam a esta produção de vanguarda. Por outro lado, o artista é um trabalhador, e como tal necessita garantir sua subsistência, dando continuidade a suas propostas, pesquisas e reflexões, e as aquisições para coleções são importantes também neste sentido.

Outros aspectos devem ser considerados na formação dos acervos de museus. Um deles diz respeito à importância de ter coleções com obras de qualidade reconhecida no sistema da arte e de artistas consagrados para a valorização do próprio museu, e os custos que isso envolve. Os investimentos em novos nomes também é uma política para o futuro das instituições. Por outro lado, a definição do perfil de uma coleção é bastante importante para sua consolidação com aquisições mais transparentes.

Já foi enfocada em edição anterior desta coluna  a ampliação do acervo do Museu de Arte Contemporânea, MAC RS, por meio do projeto que ganhou o Edital do MINC – “Prêmio Marcantonio Vilaça”, possibilitando comprar obras de 21 artistas, selecionados pela direção do museu. Também já foi comentado o empenho na ampliação do acervo do MARGS pelas doações de artistas, mediante solicitações do diretor e do curador geral.

Um outro modelo está sendo implementado no Museu Nacional da República, com o projeto “Situações Brasília – Prêmio de Arte Contemporânea do Distrito Federal”, que reúne artistas de vários estados brasileiros, selecionados a partir de edital e/ou convidados por terem já uma trajetória consolidada. Os escolhidos trabalham nas mais diversas linguagens e suportes – pintura, escultura, desenho, fotografia, vídeo e instalação. O projeto foi concebido e coordenado pelo artista plástico, designer gráfico e produtor cultural Evandro Salles. A realização é da produtora Dani Estrella e na curadoria estão também Cristiana Tejo, curadora do Projeto Made in Mirrors, e Wagner Barja, curador e diretor do Museu Nacional da República

O evento envolve vinte artistas de vários estados do Brasil, selecionados entre os muitos que se inscreveram, que participam da exposição que pode ser visitada, no Museu, até 11 de novembro. Cada um deles recebeu R$ 1.500,00, a título de custo para participação, além de concorrerem a prêmios de aquisição. São eles: André Terayama (SP), Carol de Góes (DF), Daniel Nogueira (SP), David Magila (SP), Fabio Okamoto (SP), Flávia Junqueira (SP), Flávio Cerqueira (SP), Hugo Houayek (RJ), Ivan Grilo (SP), Joana Traub Csëko (RJ), Juliana Kase (SP), Livia Flores (RJ), Marcio Monteiro (RJ), Marga Puntel (PR), Elisa Campos (MG), Michel Zózimo (RS), Pedro David (MG), Ricardo Burgarelli / Luisa Horta (MG), Rodrigo Borges (MG) e Grupo Entrebloco (DF).

Ivan Grilo, “Comum União”
Marcio Monteiro, “Obra n 5”

Três deles foram escolhidos para receber R$ 10 mil, como prêmio aquisitivo, juntamente com os cinco artistas convidados, que receberão prêmios no mesmo valor. Essas obras serão integradas ao acervo do Museu Nacional da República. André Terayama, de São Paulo, foi premiado com obras da série “Esculturas de Segundos”. São constituídas de um vídeo e fotos do artista criando objetos espaciais momentâneos com cavaletes e barras de ferro. Ricardo Burgarelli e Luiza Horta, de Minas Gerais, venceram com a proposta “Arquivo de Obras em Acabamento”, uma instalação com fotografias, vídeo, gravura, impressão digital, mesa, bancos, televisão etc. Pedro David, de Minas Gerais, apresentou a obra “Sufocamento”, um políptico da série “Madeira de Lei”, constituído por fotografias de árvores, em impressão por pigmentos minerais sobre papel, em 10 imagens de 60x60cm. Os cinco artistas com trajetória consolidada que foram convidados especiais do evento do projeto e também da mostra são: Laura Lima (RJ), Marcelo Silveira (PE), Milton Marques (DF), Paula Trope (RJ) e Pedro Motta (MG).

Pedro David, “Sufocamanto”
André Terayama, “Esculturas de Segundos”

“Situações Brasília” retoma uma iniciativa realizada, em 1989, quando aconteceu o Prêmio Brasília de Artes Visuais, com o objetivo de formar acervo para o MAB – Museu de Arte de Brasília. Naquela ocasião, receberam prêmio aquisitivo nomes como Miguel Rio Branco, Nelson Felix, Leda Catunda e Beatriz Milhazes, hoje, artistas de ponta da arte contemporânea brasileira. A valorização atual do trabalho destes criadores no mercado nacional e internacional inviabilizaria atualmente a aquisição destas obras para acervos públicos. “Situações Brasília” retoma essa ideia, apostando, neste momento, em jovens artistas que despontam no cenário da arte como promessas.

O valor estético de uma obra é a condição que se estabelece a partir das relações que cada objeto ou evento necessita estabelecer com o sistema simbólico vigente para receber seu reconhecimento artístico. Entretanto, é importante enfatizar o papel do museu também na valoração comercial das obras e dos artistas, uma vez que isso é quase sempre omitido. O valor da arte não deve ser visto através de uma oposição entre mercado e museu, mas sim como uma realização simbólica que articula produtos da criatividade humana dentro de uma determinada sociedade. No nosso caso atual, uma sociedade capitalista, onde o fator mercadoria impregna todas as instâncias da vida coletiva. Muitas vezes, essa operação de construção de valor mascara-se, aparecendo aos olhos do público leigo, e mesmo de alguns especialistas, como algo dado a priori, ou como intrínseco à obra.

Um outro aspecto a ser considerado é o fato de que a constituição das coleções deveria levar em consideração o espectador e sua formação visual. As relações das coleções com suas comunidades constitui um elemento a ser discutido, e deve ser, também, um de seus referenciais. Como serem fiéis às possibilidades de significação das obras que abrigam, sem um compromisso com a comunidade em que estão inseridos, e com o seu público?

Uma atuação ética e crítica por parte das instituições museológicas pode ser fundamental para um equilíbrio de forças que garanta a realização das suas funções sociais. A compreensão da importância de seu papel, considerando os múltiplos fatores presentes na constituição dos valores, é um desafio que se coloca na constituição dos acervos dos museus de arte contemporânea. Será que toda essa complexidade costuma ser pensada e analisada por diferentes setores da arte e da sociedade?

1 Considera-se instituição museológica todo tipo de instância oficial de exposição de obras de arte, tais como museus, bienais e outras grandes mostras dedicadas basicamente à função de difusão.


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